Hugo Nogueira
As Vinhas da Ira consiste numa adaptação primorosa do romance homônimo de John Steinbeck. Ambas as obras abordam a odisséia de uma família de lavradores forçada a deixar suas terras frente às pressões econômicas da Depressão dos anos 30. Convencidos de que poderiam encontrar trabalho nas plantações da Califórnia, a família Joad desce pela Rota 66 numa árdua viagem que cobre 1.600 quilômetros em 124 minutos de filme. Na fuga da miséria, sobre a árida paisagem do oeste norte-americano, a família paulatinamente se desintegra e, por fim, seus sonhos desmoronam completamente. A Califórnia paradisíaca que surge diante deles é apenas mais uma antecâmara da miséria absoluta para onde convergem milhares de retirantes recrutados em todos os lugares como mão de obra barata.
Do elenco excepcional, destaca-se a figura do protagonista, Henry Fonda. O ator compõe o jovem proscrito Tom Joad magistralmente. Na belíssima cena em que se despede de sua mãe (Jane Darwell), Tom diz: “Eu estarei na escuridão. Estarei em todos os lugares, onde quer que você olhe. Onde quer que haja uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde quer que haja um policial espancando um rapaz, eu estarei lá. Estarei no caminho em que os homens gritam quando enlouquecem…” – a honestidade da performance de Henry Fonda transforma estas linhas em certa medida convencionais num dos mais belos momentos da cinematografia norte-americana. Igualmente comovente é a interpretação impecável de Jane Darwell como a matriarca do clã familiar, a qual se empenha em vão para manter a família íntegra. Na derradeira cena do filme, ela diz: “Nós continuaremos vindo! Nós somos o povo que vive. Ninguém pode se livrar de nós. Ninguém pode nos colocar de fora. Nós continuaremos para sempre. Nós somos o povo!”.
Este final foi um acréscimo do produtor Darryl F. Zanuck aprovado por Steinbeck: o final assim concebido proveu o filme de alguma sugestão de esperança inexistente no romance que se torna mais perturbadora sob a crua narrativa de John Ford.
Tanto o romance quanto o filme denunciam ostensivamente o fracasso do valor liberal da livre iniciativa. Não há soluções artificiais nem sentimentos grandiloquentes: a marca que norteia ambas as obras é a franqueza crua na composição do retrato da Depressão. As Vinhas da Ira traduzem sem concessões a bestialização humana derivada da crise do capitalismo: a pobreza desperta o pior de cada um e os Joad se vêem enredados em uma espiral de opressão e de exploração numa Califórnia metafórica onde, por todos os lados, vicejam os frutos da ira.
O roteiro preciso de Nunnally Johnson mantém íntegro o ponto de vista político do romance de Steinbeck quanto à perspectiva do Estado interventor na consecução da unidade nacional – este panorama, aliás, assimilava ideologicamente a ressurreição econômica promovida pela política intervencionista do New Deal de Franklin Roosevelt no período mais duro da Depressão. Nas vésperas da adesão norte-americana à Segunda Guerra Mundial, Hollywood e Washington convergiam largamente em termos doutrinários.
Não obstante, a simbologia desta obra definitiva do diretor John Ford vai além do credo político e desafia o tempo – a sua dura linguagem cinematográfica (somada, ademais, à paradigmática fotografia quase documental de Gregg Toland) triunfa sobre todas as perspectivas das obras de exaltação ideológica de sua época. Basta dizer que o título provisório de As Vinhas da Ira era Highway 66 posto que a saga da família Joad termina na mesma estrada em que começa. Ao final do filme, na sua velha caminhonete, os Joad avançam rumo ao norte com esperança de encontrarem trabalho em Fresno. Passam por um poste elétrico onde pende uma placa com uma única inscrição: “Perigo”.