Jornalismo Júnior

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O jogo de xadrez dos partidos políticos

Instituições políticas auxiliam na organização social desde os primórdios da sociedade
Foto de cadeiras pretas de um congresso com pisa de madeira enfileiradas e vistas de cima
Por Lorenzo Souza (lorenzosouza@usp.br)

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até as Eleições Municipais de 2024, existiam 32 partidos registrados, e todos possuíam candidatos concorrendo a cargos. Os partidos são instituições importantes para a democracia, e recebem diversos fundos para suas atividades, como o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – montante da união definido no início do ano em R$4,9 bilhões de reais pela Lei Orçamentária Anual –, e o Fundo Partidário. Além disso, qualquer interessado a se candidatar deve, obrigatoriamente, estar filiado a algum partido. 

Os partidos políticos são, de acordo com o glossário político do TSE, “um grupo social de relevante amplitude destinado à arregimentação coletiva, em torno de ideias e interesses, para levar seus membros a compartilharem do poder decisório nas instâncias governativas”. Ou seja,  consistem em  um grupo de pessoas com ideologias e interesses similares, trabalhando em conjunto para alcançar um nível relevante de poder dentro de uma nação. Ainda assim, seu significado pode mudar de acordo com  a história da política ao longo  dos séculos. 

O professor do departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP,. Osvaldo Coggiola, explica que a função de um partido político é, basicamente, ser uma “representação política do Estado”. São instituições formadas com o tempo, muito diferentes entre si por causa dos diversos sistemas políticos vigentes no mundo. De acordo com o professor, um manual para os partidos não existe, mas sim, algumas características básicas, que se repetem na história. 

Entre essas características, está o fato da luta política se exercer através dos partidos; os partidos serem uma forma de representação da população e, por isso, ter seu apoio, seja de maneira financeira ou pelo voto. Segundo Coggiola, “ A partir daí, todo o resto é divergência, e a única maneira de entender partidos políticos é estudando a história.”

Formação dos partidos no mundo

Dentre as primeiras instituições que formaram, de alguma forma, um grupo de indivíduos similar ao que hoje se considera um partido, estão os agrupamentos na Assembléia Nacional Francesa, e o New Model Army (Novo Exército Modelo) na Guerra Civil Inglesa.

O New Model Army foi um grupo militar formado por Oliver Cromwell durante a Guerra Civil Inglesa. Anteriormente, Inglaterra não tinha um exército formal, mas sim grupos militares diversos, que eram  convocados a depender da situação. As forças parlamentaristas perderam diversos soldados de seu exército mais proeminente na Batalha de Lostwithiel e, como resposta, Cromwell estruturou os ideais e formatos desse novo grupo militar, o New Model Army. 

Pintura de homem branco com armadura de metal

Pintura do militar e líder político inglês Oliver Cromwell, de 1656, por Samuel Cooper. [Imagem: Reprodução|Wikimedia Commons]

De acordo com Coggiola, os primeiros partidos políticos modernos surgiram, provavelmente, nas revoluções inglesas de 1640 e 1688. Na época, o New Model Army foi criado para combater efetivamente as tropas da realeza. “Havia frações, que foram embriões para diversos grupos de opinião”, completa. O Exército Modelo era organizado com base em princípios democráticos, e os grupos responsáveis podem ser considerados o “primeiro proto-parlamento moderno”. 

A Assembléia Nacional Constituinte também foi um espaço em que grupos de ideais diversos tornaram-se moldes para os partidos políticos atuais. Estabelecida em 1789 durante a Revolução Francesa, a forma de organização de seus participantes, os jacobinos e girondinos, é um dos fatores que dá nome aos conceitos de “esquerda” e “direita”. 

Os jacobinos, que tinham posições mais progressistas — como a defesa dos interesses da burguesia e do povo —, sentavam à esquerda da Assembleia, “daí o nome ‘esquerda’”, explica o professor. Já os girondinos, de posição mais conservadora — defendiam uma república constitucional e eram contra o extremismo dos jacobinos —, sentavam à direita da Assembleia, gerando o termo “direita”. 

Formando o quebra-cabeça de um partido

Qualquer indivíduo brasileiro pode criar um partido. Em entrevista à Jornalismo Júnior, o professor de direito constitucional da Faculdade de Direita da USP, Virgílio Fonseca Afonso da Silva explica quais são as medidas necessárias para se criar um partido em território nacional.

De acordo com o professor, existem duas etapas básicas, uma provisória e outra de registro. Na etapa provisória, o partido deve ser registrado em um cartório de registro civil. Dentre seus requisitos, estão a necessidade de 101 pessoas, ao menos, constarem como fundadoras do partido, e que elas tenham domicílio em ao menos um terço dos estados do país. 

A partir do registro em cartório, o partido deve então se registrar no Tribunal Superior Eleitoral. Para o órgão, o grupo deve apresentar que tem “caráter nacional”.  Ou seja, “a demonstração de apoio de uma certa quantidade de eleitores que não sejam filiados a outros partidos políticos”. Essa quantidade é relativa a quantidade de votos válidos recebidos pelos deputados federais na eleição anterior. O partido precisa demonstrar que tem apoio de ao menos 0,5% desses votos. Esses eleitores considerados como parâmetros têm que estar em, no mínimo, um terço dos estados e, em cada estado, representar ao menos 0,1% dos votos válidos nas últimas eleições. 

O funcionamento do poder legislativo depende da existência dos partidos. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal são compostos por comissões, que são as responsáveis principais pela elaboração de leis. A composição dessas comissões é definida pela quantidade de representantes que cada partido tem. “Se dois partidos têm, respectivamente, 15% e 5% de representantes na Câmara, sua participação nas comissões será proporcional”, afirma Virgílio. Esse modelo garante que o partido tenha um poder de influência proporcional a quantidade de eleitores que representa. 

Partidos são uma forma de coordenar indivíduos ao redor de um ideal. Essa coordenação é fundamental para que certas políticas e a governabilidade tenham sucesso. “É verdade que muitos partidos no Brasil não tem uma linha ideológica clara. Mas a solução para esse problema não é ignorá-los, mas sim, fortalecê-los”.

Origens das receitas e finanças

Um partido pode conseguir a maior parte de sua receita de três formas: por doações de pessoas físicas, pela receita própria de candidatos e por verbas públicas, como o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, ou Fundo Partidário. 

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha é um montante entregue aos partidos para construírem suas campanhas em anos eleitorais, existente desde 2017, pela Lei 13.488/17. Essa quantia é definida pela Lei Orçamentária Anual, projeto de lei estruturado e votado anualmente pela Câmara dos Deputados. Para as eleições municipais de 2024, o valor foi definido em R$4,9 bilhões de reais. 

Esse montante é repassado do Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o repassa para todos os partidos que concorrem aos cargos. De acordo com a Lei 13.488/17 — que altera a Lei 9.504/97 do estabelecimento de normas para as eleições —, esse fundo deve ser dividido de quatro formas: 2% do valor é repassado igualmente entre todos os partidos, 35% é dividido entre os partidos que tenham ao menos um representante na Câmara dos Deputados, levando em conta o número de votos recebidos por eles, 48% é dividido levando em consideração o número de representantes deles na Câmara, e 15% é dividido tendo como parâmetro o número de representantes do partido no Senado Federal.  

Gráfico de setores dividido em quatro partes em tons de verde

A maior parte do montante do FEFC vai para os partidos dependendo do número de representantes deles na Câmara dos Deputados. [Imagem: Acervo Pessoal/Lorenzo Souza]

Dessa forma, a influência do partido na política brasileira é um fator importante no repasse de valores para a campanha. Se um partido tem maioria dentro da Câmara, tanto em número de votos quanto em deputados, o valor repassado será muito maior do que o repassado para o partido que tenha poucos candidatos. Caso um partido tenha poucos representantes, ele também receberá valores maiores para as próximas campanhas. 

O Fundo Partidário, por outro lado, é um tipo de “assistência financeira” aos partidos, existente desde 1995. De acordo com a Lei 9.096/95, esses recursos podem vir de quatro origens: multas e penalidades, recursos financeiros destinados por lei, doações de pessoas físicas ou jurídicas e “dotações orçamentárias” da União de valor específico — um tipo de verba prevista como despesa em orçamentos públicos. 

O apoio dos filiados

Um dos principais aspectos que tornam um partido político possível são seus apoiadores e eleitores. Uma das formas existentes de financiamento é através da doação de pessoas físicas, e entre outras maneiras de apoiar um partido, está a filiação partidária. 

Em entrevista à Jornalismo Júnior, o advogado e ex-filiado do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Fábio Mauro de Medeiros, explica que o PSDB era um partido de classe média com participação popular em ascensão. Ele incluía intelectuais, professores, tinha compromissos com redistribuição de renda e a melhora da administração pública. Hoje, Fábio Mauro não é mais filiado. Ele justifica sua saída afirmando que  as premissas de justiça social se transformaram em  pautas liberais, embora com algum compromisso democrático. “Eu mudei, hoje acredito mais em pautas ambientais, de inclusão social, que defendam elementos de saúde, água potável e alimentação”, completa.

Foto em preto e branco de homens de terno comemorando com as mãos levantadas

Fundação do PSDB com Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Franco Montoro, em 1988. [Imagem: Reprodução|Wikimedia Commons]

Fábio aponta que, mesmo quando os partidos têm prioridades concretas, o grande número de pessoas abarcadas por elas torna impossível concordar absolutamente com todos os ideais da instituição. “Sempre há concepções diversas sobre os problemas da sociedade e, mesmo em pontos convergentes, o grau de prioridade fático é dissonante”. Ele explica que as diferenças internas ficam mais evidentes quando um partido está no poder dentro de um país. Com o tempo, as direções partidárias mudam a preocupação central do interesse popular para a alocação de forças e poder dentro do governo.

A importância do filiado também é um fator a ser questionado. “Hoje os partidos têm acesso ao fundo partidário, o que muitas vezes estimula a formação de novos partidos sem consistência político-ideológica e sem dependência da adesão de novos filiados”, afirma Fábio. Para o advogado, isso causa uma redução da importância do filiado em si. Mesmo que não seja mais filiado, a importância do apoio ao estado democrático permanece. “Com os ataques constantes à democracia e com a urgência das pautas ambientais, penso em me filiar, mas não ao PSDB”, completa.

Partido como característica da sociedade

O partido é, em seu significado mais básico, uma ponte entre o povo e o Estado. De acordo com o professor Osvaldo, se houvesse um regime de democracia direta em um país, poderíamos questionar se deveriam existir. “Se todos representassem a  si mesmos, qual seria a necessidade da existência de um intermédio entre o cidadão e o Estado?” Ele afirma que essa situação seria improvável, uma vez que as pessoas ainda se agrupariam em prol de uma ideia ou movimento. 

De acordo com Osvaldo, o partido é uma unidade permanente da vida humana. Opiniões nunca coincidiriam totalmente, e um mundo igual seria “muito aburrido, muito chato, onde todo mundo estivesse de acordo com tudo”. A partir do momento em que existem divergências de opinião, diferentes agrupamentos são formados e, de uma forma ou outra, eles representam partidos, sejam eles políticos ou não. 

[Imagem de capa: Unsplash]

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