Por Maria Eduarda Lameza (duda.lameza@usp.br)
Em julho de 2024, Twisters chegou às telonas e chamou atenção do público, principalmente da geração Z. O filme é um remake do clássico Twister, de 1996, e acompanha a meteorologista Kate Cooper (Daisy Edgar-Jones) e o caçador de tornados Tyler Owens (Glen Powell) nas planícies de Oklahoma (EUA). Enquanto Kate e sua equipe de cientistas querem testar um novo sistema de rastreamento, Tyler e seus amigos transmitem ao vivo na internet a sensação de estar dentro de um tornado.
Seja em nome da ciência ou dos likes nas redes sociais, tanto Kate quanto Tyler praticam uma atividade de extremo risco e até fatal: caçar tornados. No início do longa, o namorado e alguns colegas de Kate morrem enquanto rastreavam um tornado de classificação F5. A escala Fujita, que mede a intensidade desses fenômenos com base na velocidade dos ventos e na destruição causada, vai de F1 a F5, sendo a última a mais perigosa.

Quando sirenes meteorológicas disparam avisando a chegada de possíveis desastres naturais, o comportamento mais comum é fugir do local que será afetado e procurar um abrigo seguro. Então porque existem pessoas que colocam suas vidas em risco e vão em direção aos tornados?
Da ficção à vida real
Augusto José Pereira Filho, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, cursou seu doutorado na Universidade de Oklahoma há cerca de 30 anos, na época em que o primeiro Twister foi gravado. Em entrevista a Jornalismo Júnior, Augusto relembra o contato direto que teve com essa realidade: “já havia um grupo de estudantes e docentes chamado de caçadores de tornados”.
Segundo o professor, esses grupos estão localizados em universidades e centros de pesquisa, principalmente em locais com alta incidência desses fenômenos, como o estado de Oklahoma. Ele explica que os tornados são formados em terra quando o ar frio e seco colide com o ar quente e úmido, sendo que alguns locais são mais propensos a essas condições climáticas. O “corredor de tornados”, nos EUA, encontra-se em uma latitude média, onde recebe ar quente e úmido vindo do Golfo do México, ar frio que vem do Canadá pelas Grandes Planícies e ar seco das Montanhas Rochosas. É a combinação ideal para que um tornado surja.
Augusto explica que esses grupos são compostos por cientistas de diversas áreas, como meteorologistas,engenheiros e também por fotógrafos. Eles têm como objetivo coletar o máximo de dados possíveis sobre os fenômenos climáticos, para que seja possível estudá-los e, assim, melhorar as previsões para tentar amenizar a destruição que eles podem causar.
Para isso, na década de 1970, os pesquisadores do Laboratório Nacional de Tempestades Severas, um grupo da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA, desenvolveram um dispositivo chamado Dorothy, que aparece em ambos os filmes Twisters. O nome é uma referência a história de O Mágico de Oz, quando a personagem é transportada para o fantástico mundo de Oz por meio de um tornado que atinge sua casa no estado do Kansas.
Dorothy é uma espécie de barril que contém centenas de sensores capazes de coletar informações de tempestades e, para isso, precisa ser lançado de dentro delas. Por essa razão, o sistema nunca foi bem sucedido, já que haviam inúmeros riscos e dificuldades, levando à inutilização desse dispositivo ainda em 1987.

O professor Augusto ainda afirma que, apesar dos dispositivos Dorothy que aparecem nos filmes realmente terem sido utilizados, é preciso destacar que nem sempre a arte imita a vida. [Spoilers] No final de Twisters, Kate e Tyler desenvolvem uma tecnologia capaz de destruir um tornado: um produto químico que, quando lançado no olho da tempestade, consegue absorver sua energia até sobrar apenas precipitação, isto é, chuva. O doutor em meteorologia refuta essa possibilidade: “a energia é maior do que a de uma bomba atômica, não tem como dissipar”. Segundo especialistas, o tornado F5 que atingiu Oklahoma em 2013 liberou pelo menos 8 vezes mais energia do que a Little Boy, bomba atômica que devastou Hiroshima em 1945.
Além dos cientistas, hoje existe o “turismo de tempestades”. Com o grande sucesso dos filmes sobre caçadores de tornados, agências de turismo se instalaram em locais com alta incidência desses fenômenos climáticos e realizam excursões nas quais levam seus clientes próximos às tempestades. De acordo com o professor, existem alguns motivos para essas atividades: a ciência, o dinheiro ou a adrenalina de “desafiar a natureza”.

‘Eu sou viciado em adrenalina’
O instrutor de paraquedismo Eduardo Medina, de 37 anos, admite ser como os caçadores de tornados: está sempre buscando atividades cada vez mais perigosas. Além de sua profissão, Medina é mergulhador, pratica motocross, ciclismo downhill e base jumping, uma modalidade do paraquedismo na qual o salto é feito a partir de grandes altitudes, como montanhas, antenas e pontes.
Os adjetivos usados por Medina para descrever a prática desses esportes são “extremamente prazerosa e inexplicável”. Para ele, ainda há outro fator que contribui para seu desejo constante em realizá-los: a ideia de controle. Medina explica que, especialmente no paraquedismo, conseguir trabalhar com o vento, controlar o tempo e fazer manobras promove uma sensação, em suas palavras, “surreal”.
“Eu sou um viciado em adrenalina. Se eu falar outra coisa é mentira. Eu gosto de me jogar das coisas, de sentir o vento na cara”
Eduardo Medina

A comunidade científica, entretanto, evita o uso do termo ‘vício’ e, devido ao estigma associado a ele, recomenda-se falar em ‘dependência’. Mas, é possível tornar-se dependente de adrenalina? Para a doutora em farmacologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Amanda Sales, a resposta é sim: “é possível desenvolver uma compulsão por atividades que aumentam a liberação de adrenalina e outras substâncias no cérebro”.
Essa dependência, entretanto, não é química, e sim psicológica. Amanda comenta que, diferente da dependência química, caracterizada pelo uso compulsivo de substâncias que alteram a função cerebral, a psicológica é desencadeada pela euforia que motiva a repetição do comportamento e, por isso, não apresenta os mesmos efeitos colaterais típicos da adição química.
A sensação eufórica descrita por Medina pode ser explicada, segundo a farmacologista, por um conjunto de fatores psicológicos e fisiológicos. “Realizar um grande desafio gera um sentimento de conquista, o que contribui para essa sensação de euforia.” Outro aspecto é a liberação, além de adrenalina, de endorfinas relacionadas ao bem estar e de dopamina, que ativa o sistema de recompensa do cérebro.
A recompensa do risco
O mecanismo conhecido como “sistema de recompensa” é uma complexa rede cerebral relacionada com a sensação de prazer, a regulação de humor, o aprendizado e a tomada de decisões. Ele envolve três diferentes regiões do cérebro: o córtex pré-frontal (ou lóbulo frontal), o núcleo accumbens e a área tegmental ventral.
A farmacologista explica que, quando uma pessoa realiza alguma atividade que gosta — como, no caso de Medina e dos caçadores de tornados, aquelas que são perigosas e liberam muita adrenalina — a área tegmental ventral libera um neurotransmissor chamado dopamina. Quando essa substância chega no núcleo accumbens, é gerada uma sensação de prazer. O córtex pré-frontal, por sua vez, entende essa sensação de satisfação como um reforço positivo, isto é, uma maior tendência da pessoa repetir tal comportamento em busca dessa recompensa.

Apesar do padrão de busca por atividades de alto risco não ser uma dependência química, os caçadores de tornados, os turistas de tempestades e os paraquedistas, dentre tantos outros aventureiros, precisam ser cautelosos. Isso porque a dependência psicológica também pode ter consequências negativas geradas pela liberação de adrenalina e dopamina em excesso.
A adrenalina é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais e é fundamental para a sobrevivência humana, já que atua como um neurotransmissor cuja função é preparar o corpo para situações de perigo. Uma vez liberada na corrente sanguínea, essa substância atinge diferentes receptores, o que desencadeia diferentes respostas fisiológicas, como aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial. Essas reações, quando ocorrem com frequência, podem agravar ou propiciar doenças cardiovasculares.
Amanda também afirma que a prática repetida dessas ações pode causar alterações cerebrais que deixem o sistema de recompensa menos suscetível a estímulos, “fazendo com que o indivíduo busque atividades cada vez mais intensas para obter o mesmo nível de satisfação”. De acordo com a doutora, essa busca constante pode aumentar os níveis de ansiedade e estresse, que, por sua vez, geram comportamentos impulsivos, comprometem o sistema imunológico, proporcionam quadros de exaustão física e mental e podem levar a doenças psiquiátricas, como a depressão.
“É essencial encontrar um equilíbrio nas atividades emocionantes para evitar os efeitos negativos associados a esse tipo de busca”
Amanda Sales
*Imagem de capa: Pxhere