A blogosfera é composta por todos os blogs e suas interconexões. Os blogs, ferramentas que popularizaram a produção de conteúdo entre o fim da década de 1990 e o início dos anos 2000, são sites pessoais ou profissionais com posts sobre assuntos diversos dentro de alguma temática.
Esse termo — blogosfera — implica que os blogs existem em conjunto, como uma comunidade conectada. Tal noção é essencial para compreender o retorno do movimento durante a pandemia. Anna Vitória Rocha, que escreve o blog No Recreio, acredita que a experiência “tem muito mais a ver com a criação de uma comunidade, você visitar outros blogs, comentar e cultivar esse relacionamento com os leitores e outros blogueiros”. Ela acrescenta que não estaria nesse espaço se não fosse para haver uma troca.
Blogs: um pouco da história da internet
Os blogs surgem no final da década de 1990, como alternativa às comunidades digitais existentes — como Usenet, BBS e listas de discussão por e-mail. Com o lançamento de ferramentas de hospedagem, que facilitaram a criação dos sites e democratizaram o compartilhamento de conteúdo, a blogosfera observou um enorme crescimento durante os anos 2000.
Plataformas como o Blogger, o WordPress, e, mais recentemente, o Medium, que possuem serviços gratuitos, foram essenciais nesse processo. Elas reduziram e, em muitos casos, eliminaram a necessidade do usuário de ter conhecimentos de programação. Esses website hostings fizeram com que qualquer um pudesse começar seu próprio blog.
Entre os diferentes estilos, estão os blogs pessoais, sobre a vida e as experiências particulares de quem escreve; os blogs corporativos, que se tornaram uma estratégia de marketing relevante para as empresas; blogs de notícia e blogs políticos, comumente ligados a grandes veículos de comunicação; blogs científicos, que oferecem uma alternativa à literatura científica clássica; e blogs genealógicos, que contam com softwares e posts educacionais sobre a genealogia. É possível citar, ainda, blogs de fofoca, de música, de comida e receitas, de moda, de saúde, entre tantos outros.
Dados do Finances Online de 2019 mostram que a maioria dos blogueiros têm entre 21 e 35 anos, e os gêneros são bem divididos, com 51% de mulheres e 49% de homens. Já os leitores concentram-se entre 31 a 40 anos. O maior número de blogs, segundo a pesquisa, estão nos Estados Unidos, com mais de 29 milhões de sites. O Brasil aparece em terceiro na lista, atrás do Reino Unido e do Japão, com cerca de 4 milhões de blogs.
Anna Vitória conta que, nesse período em que os blogs se monetizaram e os mais famosos passaram e ser incorporados por grandes portais, ela preferiu não acompanhar a onda, apesar do blog ter aberto para ela portas para novas oportunidades e outros trabalhos. A jornalista afirma que “essa migração para os blogs mais comerciais foi para redes sociais, como o YouTube, por exemplo, e muita gente foi abandonando os blogs. Esse formato acabou perdendo um pouco de espaço e eu comecei a me sentir muito sozinha”.
Sobre a questão do uso das redes sociais e da internet em geral, o psicólogo e professor universitário, Luciano Cunha, acredita que “isso tem uma questão cíclica: da descoberta, da adaptação e, como tudo na internet hoje, as coisas têm uma durabilidade baixa, então acabam se perdendo”. Ele acrescenta que, como no caso dos blogs, “aquilo que foi uma estratégia durante um período, não se mantém durante tanto tempo”.
Segundo a pesquisa da Finances Online de 2019, 81% dos blogs não gera nenhum tipo de renda. Entre os que geram, apenas 8% dos blogueiros ganham dinheiro suficiente para sustentar a família. Já os 2% mais ricos são, em sua maioria, blogs de viagens sobre locais exóticos.
Anna Vitória, que acabou deixando de lado o blog para experimentar um novo formato — a newsletter —, fala que era muito esforço para pouco retorno. Para ela, o retorno buscado eram conversas e trocas de experiências com os leitores, já que o blog nunca rendeu financeiramente.
Os estudos mostram que há cada vez mais posts longos. Trabalhar com editores também se tornou mais comum, 23% dos blogueiros afirmam trabalhar com um editor formal. Todavia, apesar de se mostrar a mais efetiva forma de promoção de conteúdo, a influência e a parceria com outros blogueiros ainda representa apenas 12% da direção do tráfego online.
Anna Vitória conta que o esforço que faz, nesse sentido, é de divulgar os textos nas suas redes sociais e praticar a “política da boa vizinhança”, criando uma relação de apoio mútuo com outros blogueiros.
O renascimento
“Num primeiro momento, todos tiveram uma interpretação, em relação a pandemia, de que seria uma coisa de curta duração. Contudo, esse período se estendeu meses”, conta Luciano. O professor, descreve que, dentro dessa lógica, a pandemia trouxe uma série de impactos na forma como as pessoas se relacionam.
Durante esse momento de isolamento social, os blogs ganharam um novo respiro. Anna Vitória Rocha acredita que, por estarmos vivendo um momento tão atípico, cria-se uma necessidade das pessoas de registrarem e de compartilharem o que estão fazendo, quais são as impressões sobre esse novo momento; até como forma de recuperar uma certa conexão e de estar em contato com as pessoas. Anna Vitória acha também que “esse momento de quarentena está colocando todo mundo para pensar mais sobre si mesmo, sobre a vida, e essas reflexões não cabem tanto nos meios que estavam disponíveis”.
A jornalista acrescenta que, num momento em que as redes sociais poderiam estar cumprindo esse papel, têm-se percebido um ambiente muito reativo, insalubre e com menos receptividade. Luciano Cunha diz ainda que, apesar de as pessoas terem se redescoberto nesse período, com a possibilidade e a necessidade de se adequarem a novos recursos tecnológicos, esse grau de intolerância e reatividade nas redes sociais acaba sendo intensificado devido ao aumento do uso delas durante a pandemia.
Anna Vitória vê o movimento como uma busca de um lugar para colocar todos esses pensamentos e criar uma espécie de experiência coletiva. “Eu tenho sentido muito nas pessoas uma certa urgência, não só de escrever e compartilhar, para quem é de escrever e compartilhar, mas de ter contato com as experiências dos outros de um jeito que seja menos imediatista que nas redes sociais”, afirma.
Anna Vitória conta que não acredita que a retomada dos blogs será algo massivo, “acho que vai ser de nicho, e tudo bem”. Luciano Cunha diz ter a impressão de que hoje as pessoas estão “buscando muito mais soluções rápidas e práticas, sem que haja, necessariamente, um aprofundamento sobre o assunto”, portanto, estaríamos vivendo uma “era dos tutoriais”.
A blogueira afirma que, em relação ao público, “a maior parte é de antigos leitores e às vezes pessoas que não me conheciam antes, mas que já liam blogs, já tinham esse hábito e já gostavam, e aí encontraram esse espaço”. Ela diz ainda que é muito difícil chegar de forma orgânica a novos espaços.
Anna Vitória conta, por fim, que o interessante de toda essa experiência é “a leitura atenta, a escuta e a troca de experiências quando a gente se descobre um pouco no outro; ou que aquele sentimento que estava ali e você achava que era só você passando por isso, você vê que há pessoas que também estão vivendo a mesma situação… Isso é muito legal.”
Eu comecei a usar a internet no fim da minha infância e início da minha adolescência lá em 2012. Eu amava ler blogs e já tive um por um período de tempo bem curto, pra falar do meu jogo favorito, o The Sims. Desde essa época, gostava de ver o que as pessoas compartilhavam sobre suas vivências sobre um determinado assunto. A gente acabou trocando pelas famosas “threads” no Twitter, a rede social que mais uso e mais tenho dificuldade pra sair de uma vez, e pelos vídeos no Youtube. Eu ficaria muito feliz se houvessem mais blogs ativos nos dias de hoje, pra fugir do ambiente hostil e tóxico que são as redes sociais, e que também nos consome tanto tempo pela tela de rolagem infinita. De certa forma, me sinto nostálgica. As vezes só quero ler um texto com começo, meio e fim.