Por Guilherme Fernandes
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Após a estreia no Festival de Cannes deste ano, Geronimo chega ao Brasil, trazendo um enredo pouco comum nos cinemas daqui. A história gira em torno da fuga de uma jovem noiva turca, Nil (Nailia Harzoune), que recusa seu casamento arranjado com um turco mais velho, conforme o costume local, no sul da França. Nil foge com um cigano, enfurecendo ambas as famílias tradicionais do casal, e inaugurando um período de ameaças e confrontos entre elas. No meio da rixa das famílias e da quebra de tradições, está a educadora Geronimo (Celine Salette), que é próxima das crianças e adolescentes da região, muitas deles pertencentes aos lares em conflito.
Apesar de abordar um tema sensível, que ainda hoje desperta ódio e violência entre ciganos e turcos na região, o diretor Tony Gatlif fez um recorte interessante da questão. Porém, fica um pouco confusa a dimensão da rivalidade entre as famílias. O filme retrata brevemente as raízes históricas e culturais do problema e, da mesma forma, o passado dessas famílias. O foco é dado sobre o conflito presente, que estourou com a fuga de Nil. Aqueles que não possuem um conhecimento prévio dessa rixa étnica podem entender o conflito como uma mera questão de bairro. Para os espectadores brasileiros, em especial, isso pode ocorrer, já que vivemos numa sociedade multirracial e sem conflitos étnicos comparáveis ao retratado em Geronimo. Essa breve confusão também pode ser positiva, se instigar, no espectador, uma pesquisa pós-filme, para melhor entendê-lo.
O diretor Tony Gatlif costuma trazer em suas obras grande parte de seu repertório e vivência pessoais. Além dos ciganos retratados, Gatilf traz à tona a figura dos educadores de rua que atuaram em sua própria formação. No filme, contudo, é uma mulher, Celine Salette, que interpreta esse papel, rompendo com a tradicional presença masculina na função. A educadora Geronimo desenvolve um trabalho notável com os jovens locais. Eles passam a maior parte de seus dias bêbados, e dançando passos de breakdance. Geronimo apazigua a maior parte dos conflitos entre os jovens, interferindo até fisicamente, com golpes. Quando irrompe a rixa entre as famílias, ela tenta pacificar ainda mais a situação, já que o irmão de Nil (Rachid Yous) deve matá-la, devido à fuga, em nome da tradição turca. Como a maior parte dos jovens foram interpretados por atores inexperientes, há certa vivacidade nas cenas com eles.
As cenas de confronto entre as famílias não mostram a violência diretamente, exceto em poucos momentos. Por meio de sequências com músicas turcas e hispânicas, assim representando as duas comunidades em confronto, e passos de danças típicas dessas culturas, são desenvolvidos os conflitos. Assim, um movimento de dança, ou um gesto corporal bem marcado, podem representar, por exemplo, um golpe contra o rival. Quase sempre há, ao longo de Geronimo, uma batida musical de fundo, o que faz da obra um misto de musical com drama, apesar dessas rotulações serem um pouco superficiais e simplórias.
É difícil afirmar que Geronimo traz uma abordagem moderna ao tipo de conflito que norteia o filme. A obra foi bem sucedida em retratar a questão por meio de uma nova linguagem artística, trazendo referências às culturas turca e cigana, principalmente na excelente trilha sonora do filme. Tony Gatlif também traz um novo tema para debate, e espera-se, com isso, sensibilizar, especialmente, as comunidades envolvidas no confronto para a possível necessidade de revisão e transformação desses costumes arcaicos. Esses grupos, curiosamente, possuem celulares e carros, e já adaptaram-se à “modernidade” em vários aspectos.