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Observatório | As big techs e o jornalismo na era digital

A aprovação da “Lei da Califórnia de Preservação do Jornalismo” , em junho, mostra o quanto a discussão sobre a regulamentação das big techs é importante para o jornalismo mundial

No último dia 2 de junho, foi aprovado pela Assembleia da Califórnia um projeto de lei que obriga big techs como Google, Microsoft e Meta a pagarem empresas de mídia e jornalismo pelo conteúdo noticioso veiculado nessas grandes plataformas. A chamada Lei da Califórnia de Preservação do Jornalismo, que agora segue para análise do Senado estadual, recebeu 46 votos favoráveis e 6 contrários. 

O projeto prevê que as redes de tecnologia repassem uma parcela do valor ganho com publicidade para acessarem materiais produzidos por veículos jornalísticos digitais. A lei propõe que 70% do valor arrecadado por meio da taxa cobrada seja direcionado para criação de empregos na área jornalística. 

O Vale do Silício, localizado na Califórnia, é um dos maiores polos tecnológicos globais e abriga sedes de empresas como Intel, Google e Apple — o que explica a relevância da aprovação da lei no local. A nível nacional, tramita no Congresso estadunidense um projeto que visa a taxação das big techs por todo o país. 

“Permitir que os publishers recebam um valor de mercado justo pelo conteúdo usado por outros preservará e garantirá a sustentabilidade de meios de comunicação locais e diversificados”, aponta trecho do texto aprovado.

Em resposta ao projeto, o diretor de comunicações da Meta, Andy Stone, se manifestou em sua conta no Twitter. Stone afirmou que a empresa será obrigada a remover notícias do Facebook e do Instagram caso a lei passe pela instância estadual. “É decepcionante que os legisladores da Califórnia parecem estar priorizando os interesses das empresas de mídia nacionais e internacionais, acima de seus próprios constituintes”, escreveu.

O impacto no jornalismo 

 Lincoln Macário, jornalista especialista em análise de políticas públicas e diretor administrativo-financeiro da ABCPúbica, em entrevista a Jornalismo Júnior, afirma que a questão entre as big techs e o jornalismo é muito mais complexa. Para ele, as grandes empresas não podem ser generalizadas como uma ameaça ao trabalho jornalístico. No entanto, levada em conta a “excessiva mercantilização da informação”, as plataformas apresentam uma potente preocupação. 

“A maior ameaça ao jornalismo é tratar informação apenas como mercadoria e não como direito”

Lincoln Macário

Essa mercantilização é uma realidade no jornalismo brasilero. A informação foi elitizada a ponto de ser cada vez menos valorizada pela população, o que, para Lincoln, também é culpa das empresas jornalísticas: “Negou-se tanto o acesso do cidadão comum à informação que ele deixou de valorizá-la. E, agora, está difícil convencer o potencial leitor da importância da informação para o exercício pleno da cidadania”.

Pioneirismo australiano

A Austrália foi o primeiro país a acatar uma legislação que implica a negociação direta de multinacionais de tecnologia com veículos jornalísticos. Em fevereiro de 2021, o chamado “Código de Negociação da Mídia” foi instituído sob recomendações do órgão de concorrência do país, a Comissão Australiana da Concorrência e do Consumidor (ACCC), que considera o cenário anterior à regra como desequilibrado. A regulamentação ainda permite que agentes governamentais interfiram nos valores das alíquotas passadas às empresas de mídia pelas big techs

Como forma de reação, Facebook e Google removeram links de notícias de suas plataformas em março do mesmo ano. O governo australiano, porém, promoveu um acordo entre as grandes plataformas e as redações, de modo que as empresas jornalísticas faturassem US$ 200 milhões apenas no primeiro ano após a deliberação, segundo o jornal Financial Times. No país, até 30% dos salários do setor são pagos com recursos das redes de tecnologia.

Em um vídeo-resposta publicado no youtube pelo Google Austrália, a diretora da empresa Mel Silva declara que pagar por links iria “quebrar” o funcionamento da pesquisa da plataforma. A diretora também afirma que o Google Austrália apoia o jornalismo local e que já possui uma ferramenta chamada Google News Showcase, desenvolvida para “trazer valor tanto para os jornalistas como também para os leitores”.

Além da Austrália, a plataforma chamada de “Destaques” no Brasil foi lançada também no Reino Unido, Argentina e Alemanha. [Imagem: Google]

A proposta pelo mundo 

Inspirados pelo modelo australiano, diversos países estão com projetos de lei para regulamentação das big techs em andamento. O Canadá apresentou, em abril de 2022, a lei Online News Act, proposta para que grandes plataformas como Alphabet e Meta remunerassem produtores de conteúdo e veículos de mídia pelos lucros obtidos com o compartilhamento de seus links. 

A Meta se posicionou, em maio deste ano, contra a lei Canadense, declarando que, caso  ela seja aprovada, a empresa terá que acabar com a disponibilidade de notícias em suas plataformas canadenses [Imagem: Reprodução/Wikimedia]

“A posição dominante conquistada por algumas dessas plataformas confere-lhes enorme vantagem sobre os concorrentes, mas também influência indevida sobre a democracia, os direitos fundamentais, as sociedades e a economia“, declarou a União Europeia. Em novembro de 2022, entraram em vigor no bloco o Regulamento de Serviços digitais e o Regulamento de Mercado Digital, leis que visam criar um espaço online mais seguro e um mercado mais justo, para assim combater os sistemas algorítmicos das big techs que são utilizados de forma abusiva. As plataformas terão até fevereiro de 2024 para se adequarem às normas dos serviços digitais. 

Outro país em processo de implementação de leis que contribuem para o trabalho jornalístico é a Itália. No início deste ano, a AGCom, órgão de comunicação italiana, publicou normas para regulamentação das grandes plataformas em relação aos lucros obtidos com a publicação de conteúdos jornalísticos. O regulamento busca uma remuneração justa para os veículos jornalísticos, que podem chegar a ganhar 70% da receita publicitária, além de combater a propagação de desinformação.

Cenário nacional

No Brasil, o pagamento de empresas jornalísticas por parte das plataformas estava incluído no texto do PL 2630 das Fake News. Em meio a intensas movimentações das big techs contrárias à maior fiscalização das redes sociais, a proposta de remuneração foi retirada do PL pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em consenso com outros deputados da Casa. Em palestra no Rio de Janeiro, o relator do PL 2630, Orlando Silva (PC do B-SP), afirmou que a retirada pode facilitar a aprovação do projeto.  

O ponto suspenso deve passar a integrar o projeto de lei 2370 de 2019, de autoria da líder do PC do B na Câmara, Jandira Feghali (RJ). O PL da deputada visa o estabelecimento de regras para a publicação na internet — sem autorização — de obras protegidas por direitos autorais de artistas. A partir da decisão de Lira e dos integrantes da bancada, a imposição de pagamento a veículos jornalísticos por parte das big techs seria acrescentada ao projeto de Feghali. 

Simone Nascimento, co-deputada estadual pelo PSOL, reitera que o debate acerca da regulação das plataformas é fundamental em meio ao alinhamento das recentes tecnologias da comunicação à lógica neoliberal de um mundo globalizado. “A desinformação nas redes se estrutura a partir dos interesses econômicos e políticos das big techs, e, por isso, é importante regulá-las e taxá-las pelo uso de conteúdos jornalísticos”, complementa. 

Macário também aponta que os projetos atuais deveriam incluir a discussão sobre a alta precarização do profissional de comunicação. “O trabalho é a mercadoria da qual dispõe o trabalhador da comunicação para sobreviver e deve ser adequadamente remunerado, para que seja qualificado. Nenhum dos projetos incide sobre isso”.

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