Por Aline Noronha (alinenoronha@usp.br)
Com a vitória contra a Espanha, o futebol feminino brasileiro conheceu pela terceira vez a experiência de estar em uma final dos Jogos Olímpicos — em todas as ocasiões com as mesmas adversárias. Atenas 2004, Pequim 2008 e Paris 2024 foram marcados por partidas acirradas entre Brasil e Estados Unidos, com as norte-americanas levando o ouro nas três ocasiões.
A tentativa da quebra desta tradição olímpica, foi marcada por um Brasil que, a princípio, contava com contra-ataques rápidos e que estava bem fisicamente, mas as oportunidades de balançar as redes chegavam para os dois lados. Aos 2’, Ludmila chutou fraco ao invés de passar para Jhennifer, que estava livre na área, facilitando a defesa da goleira estadunidense.
A resposta não tardou. Aos 5’, Sophia Smith chutou entre a defesa brasileira na grande área, para a defesa de Lorena. Apesar desse erro, as zagueiras brasileiras apresentaram bom desempenho ao interceptar cruzamentos e impedir que a bola se aproximasse com facilidade no gol. Como aos 10’, quando Tarciane impediu um ataque promissor de forma limpa e segura.
Apesar da tensão da final, o primeiro tempo foi equilibrado. As melhores chances vieram em cruzamentos brasileiros, ao perceberem a dificuldade que a defesa norte-americana tinha em antecipar os lances [Reprodução: Instagram/@uswnt]
Aos 15’, O Brasil chegou à meta adversária em jogada de contra-ataque de Yasmin e Ludmila, com gol da atacante. Apesar de ser anulado por impedimento, esse lance mostrou ao Brasil que, com paciência, seria possível encontrar mais espaços de criação entre as norte-americanas. Aos 18’, com um cruzamento de Portilho, Ludmila perdeu a chance de cravar um gol legal por questão de segundos.
A velocidade no jogo e em perder a bola
O meio de campo brasileiro foi marcado com pressão pelos Estados Unidos, o que limitou as brasileiras à ligação direta entre defesa e ataque. Isso desqualificou ofensivamente o Brasil e, ao prejudicar a elaboração de jogadas mais pensadas, facilitou a defesa das adversárias.
As estadunidenses tentavam surpreender a defesa brasileira com cobranças de escanteio em direção ao gol, mas Lorena esteve atenta em todos os lances. Já as tentativas brasileiras aconteciam com velocidade nas laterais do campo, onde havia maior espaço entre as zagueiras adversárias.
Apesar disso, as norte-americanas venciam nas corridas de velocidade. Aos 23’, quando a camisa 9 dos Estados Unidos foi mais rápida que Adriana e passou pela marcação de Tarciane, mas Lorena realizou, mais uma vez, uma grande defesa. Mesmo sendo mais rápidas, as norte-americanas não conseguiam aproveitar o rebote.
Por sua vez, o Brasil se desfazia das bolas rapidamente, sem conseguir reter com segurança a primeira ou a segunda bola. Em um jogo tão físico quanto este, era necessário manter a calma para não apenas receber e devolver a bola às adversárias.
Esse problema não é exclusivo das Olimpíadas. A seleção brasileira, no geral, constantemente apresentou dificuldades em qualificar os passes, haja vista que a maioria do elenco é composto por atletas com essa característica de velocidade.
No primeiro tempo a posse de bola estava 54% para o Brasil e 46% para os EUA. Já no segundo tempo, esteve 63% e 37%, respectivamente. [Reprodução: Instagram/@uswnt]
Uma das opções no banco era a rainha Marta. A experiente atleta poderia reduzir o ritmo da partida, mantendo a calma quando possuía a bola, e qualificando mais as volantes e a zaga, além de infiltrar os espaços com maior visão de jogo.
A última chance do Brasil no primeiro tempo ocorreu aos 45+1’, quando Adriana cruzou para Portilho chutar ao gol, mas a goleira norte-americana tirou a bola em cima da linha. A atleta, que em outros jogos da seleção, foi usada mais na região central do campo, passou a ser realocada novamente por Arthur Elias para mais próxima do gol pelas boas oportunidades criadas e aproveitadas. Portilho foi a artilheira das Olimpíadas 2024 com dois gols ao todo e muitos passes perigosos em direção às redes.
Ambos os lados tiveram polêmicas envolvendo penalidades não marcadas no primeiro tempo. Aos 8’, uma jogadora estadunidense caiu na grande área, mas o bote foi limpo. Por outro lado, aos 20’, Duda Sampaio foi derrubada na grande área adversária e a árbitra pediu para o jogo seguir.
O Brasil correu errado em direção ao ouro
O segundo tempo trouxe para os Estados Unidos grandes chances de gols e um Brasil que parecia, contraditoriamente, correr atrás da bola e querer se desfazer dela ao mesmo tempo. Essas escolhas e lances errados desgastaram tanto física quanto mentalmente as jogadoras brasileiras.
Nesse cenário, o gol norte-americano não demorou para chegar. Aos 57’, após erro de domínio de Lauren no meio de campo, os Estados Unidos recuperaram a bola e passou para Mallory Swanson, que balançou as redes. As jogadoras brasileiras demoraram para recompor a defesa, deixando a camisa 9 norte-americana livre contra a goleira Lorena.
A saída de bola longa com ligação direta com Portilho estava dando relativamente certo, mas essa não poderia ser a única opção do Brasil, já que Davidson que a estava marcando possuía um alto nível semelhante e interceptava alguns lances. [Reprodução: Instagram/@gabinunes9]
O Brasil não valorizou a posse de bola e os Estados Unidos se aproximavam com perigo em passes velozes e qualificados. Aos 63’, novamente, não havia nenhuma jogadora entre Lorena e o contra-ataque norte-americano, o que fez com que a goleira brasileira saísse da área para antecipar e atrasar a investida em uma escolha perigosa.
Os sustos e a pressão continuaram. Aos 65’, em outro contra-ataque rápido, Sophia Smith quase faz um gol, mas foi cortada por Tarciane. O Brasil frequentemente perdeu os duelos um contra um e Marta, que parecia ser uma solução, foi muito bem marcada por duas estadunidenses que a impediam de elaborar passes de construção.
Aos 88’, Marta cobrou uma falta próxima da grande área que passou por cima da barreira e do gol. Aos 89’, Adriana chutou sem ângulo, para a defesa tranquila da goleira rival, e aos 90+3’, a jogadora tentou ainda um cabeceamento que foi espalmado em uma grande defesa. Os esforços desesperados não foram suficientes e, após 90+12’, a árbitra sueca apitou o fim da partida no estádio Parc des Princes e sacramentou mais uma vitória estadunidense contra o Brasil em uma final olímpica.
A conquista da prata, a gratidão ao passado e o olhar para o futuro
Apesar da perda da medalha de ouro, a prata representa uma volta por cima para a seleção brasileira, iniciada com uma vitória contra a França. Após 16 anos, o Brasil esteve novamente em um pódio olímpico, mostrou a garra da nova geração de atletas do futebol feminino e se despediu da maior ícone do esporte de todos os tempos, a rainha Marta, que, com a camisa da seleção, mostrou que o lugar de uma mulher é onde ela quiser.
“Tenho certeza que torcida brasileira voltou a ter orgulho da seleção feminina”
Arthur Elias, técnico da Seleção Brasileira de futebol feminino
No saldo das Olimpíadas, o Brasil fez sete gols e tomou seis [Reprodução: Instagram/@fifaswomensworldcup]
Se o passado inglório do elenco, que saiu prematuramente da Copa do Mundo, é distante até mesmo de um bronze, o presente hoje é de prata, após um trabalho bem executado por Arthur Elias em menos de um ano. Atualmente, os brasileiros têm esperança de um futuro de ouro no futebol feminino e as expectativas cresceram para a próxima Copa do Mundo, que será sediada no país do verde e amarelo.
O público tirou lições valiosas sobre resiliência e determinação ao testemunhar a entrega das atletas em campo. Antonia, que se lesionou gravemente na competição e ficou com uma das pernas imobilizadas, percebeu que valeu a pena sua corrida mesmo mancando contra a Espanha na fase de grupos. Tamires, que na edição passada do campeonato, se emocionou ao constatar que não levaria uma medalha para seu filho, conseguiu colocar no pescoço dele uma de prata após 4 anos.
Apesar de não ter sido confirmado oficialmente, essa foi provavelmente a última Olimpíada da lateral esquerda Tamires, que possui 36 anos [Reprodução: Instagram/@tamires]
Sobre a competição, o professor Arthur Elias disse: “Não faltou nada de entrega, de entendimento e de compromisso do grupo da seleção brasileira com esse trabalho”. Ele destacou que o elenco é novo, com 14 jogadoras que nunca haviam participado de uma Olimpíada, e as mais experientes sendo desfalques por lesões.
Já sobre a despedida de Marta, afirmou: “Ela é uma das maiores esportistas de todos os tempos, a maior jogadora de todos os tempos, pra mim foi incrível trabalhar com alguém que foi melhor do mundo seis vezes”. O técnico também reforçou o quanto ela foi uma peça principal para ajudar e instruir as atletas mais jovens, além de destacar a confiança mútua entre eles.
“Para a gente, é gratificante demais ver a rainha podendo terminar a história com essa camisa nas Olimpíadas onde ela merece estar, no pódio, ganhando essa medalha.”
Gabi Portilho
“A gente acreditou do primeiro momento até o fim”, destacou Marta em entrevista após o jogo. A rainha também pontuou que as colegas de seleção têm muito o que oferecer ao Brasil, e que essa conquista foi apenas o começo. Também reafirma que essa é sua última Olimpíada e que não jogará mais partidas em competições mundiais, apenas alguma complementar caso precise.
Imagem de capa: [Reprodução: Instagram/@fifaswomensworldcup]