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Olimpíadas Especiais: Brasil volta de Berlim com conquistas que vão além das medalhas

Delegação brasileira retorna da Alemanha após uma experiência única e com sonhos realizados que superam os pódios obtidos

As Olimpíadas Especiais tiveram seu encerramento no último dia 25. Após nove dias de disputas, a participação brasileira se encerrou com um bom número de medalhas. A atual edição daquele que é o maior movimento esportivo mundial para pessoas com deficiência intelectual, reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), contou com cerca de 7 mil atletas de mais de 150 países, os quais competiram em 26 modalidades diferentes.

A delegação brasileira participou em apenas sete modalidades — e foi medalhista em todas. O Arquibancada traz os principais resultados dos brasileiros, além de bastidores de treinadores e de gestores de outras delegações pelo mundo.

Contexto Histórico

O surgimento de jogos para deficientes se deu, inicialmente, com os esforços do neurologista Ludwig Guttmann, que foi pioneiro na reabilitação de deficientes físicos enquanto chefe do Centro Nacional de Traumatismos, na Inglaterra. A partir de 1943, Guttmann teve a tarefa de reabilitar soldados que haviam servido na Segunda Guerra Mundial e, com o sucesso de seu trabalho, no mesmo dia em que os Jogos Olímpicos de 1948 se iniciaram, ele organizou o primeiro evento esportivo para pessoas com deficiência. A história desse surgimento é contada no filme “Mais Vivos do que Nunca”.

No entanto, a inclusão de pessoas com deficiência intelectual só se deu 20 anos depois, quando a ativista Eunice Kennedy Shriver (1921-2019) organizou a primeira edição das Olimpíadas Especiais. À época, ela já era reconhecida por sua luta pela inclusão de pessoas com deficiência intelectual, além de ser irmã do ex-presidente dos EUA, John Fitzgerald Kennedy,. Uma grande motivação para sua luta se deu devido ao fato de que uma de suas irmãs, Rosemary Kennedy, nasceu com uma deficiência intelectual.

Em 1968, o evento ocorreu na cidade de Chicago, Illinois, nos Estados Unidos, e contou com cerca de mil atletas estadunidenses e canadenses. A intenção da ativista era colocar luz sobre a capacidade de seus participantes, para que as suas deficiências ficassem em segundo plano.

Apesar dos poucos recursos e da resistência de outras pessoas em relação à sua luta, ela persistiu e fez com que o movimento ganhasse o mundo. Hoje, as competições para pessoas especiais ocorrem em mais de 170 países e contam com mais de 5 milhões de atletas. 

A competição ao longo da história

As Olimpíadas Especiais, que acontecem de quatro em quatro anos, são o segundo maior torneio esportivo do mundo, atrás apenas dos Jogos Olímpicos de Inverno e de Verão. A dimensão do evento, ocorrido entre 17 e 25 de junho,  ajuda a explicar o tamanho da façanha dos atletas brasileiros. Algumas modalidades acontecem no formato Esporte Unificado, quando pessoas sem deficiência jogam ao lado das portadoras de deficiência e atuam como parceiras dos atletas, como no caso do basquete 3×3. Em outros casos, há disputas individuais e com os parceiros, como na bocha e no tênis. O nivelamento dos competidores ocorre nos primeiros dias de competição. 

O destaque dos atletas brasileiros não aconteceu apenas dentro das praças esportivas. Na Cerimônia de Abertura, realizada no Estádio Olímpico de Berlim, a atleta líder e mensageira global da Olimpíadas Especiais, Emanuelle Dutra, fez um discurso potente sobre a importância da visibilidade para pessoas com deficiência intelectual.

Em conversa à Jornalismo Júnior, Rafael Fiuza, diretor das Olimpíadas Especiais no Brasil, conta a importância desse trabalho e o significado de fazer parte do evento. “É uma experiência única, a emoção de participar de um evento de porte, o segundo maior esportivo do mundo e que dá oportunidade para pessoas com e sem deficiência competirem juntas.  É marcante”.

Participação Brasileira em Berlim

O Brasil conquistou medalhas em todas as modalidades disputadas – atletismo, basquete 3×3, bocha, ginástica rítmica, natação, tênis e tênis de mesa. Ao todo, foram 23 premiações, sendo 7 medalhas de ouro, 7 medalhas de prata e 9 medalhas de bronze. O número representa um salto em relação à última participação, em Abu Dhabi 2019, quando o país saiu com 18 medalhas. Dentre as modalidades coletivas, vale destacar a bela campanha da equipe unificada do basquete 3×3, que garantiu a medalha de prata na competição.

Por mais que o resultado seja e tenha que ser valorizado, Rafael Fiuza, que também é o treinador da equipe de basquete 3×3, explica que o principal foco dos jogos é a inclusão, e não a competição. “Entramos para competir, mas não é o principal foco. As Olimpíadas Especiais são contra essa postura, tanto que não existe uma divulgação de quadro de medalhas”.

Equipe brasileira  de basquete 3×3 nas Olimpíadas Especiais em  Berlim 2023 [Imagem: Divulgação/OEB]

A ginástica rítmica foi, dos sete esportes representados pelo Brasil, aquele que mais trouxe medalhas, com um total de cinco ouros e uma prata. A ginasta Erika Coimbra conquistou a medalha de ouro nas categorias individual geral, individual maças, individual fita e individual arco; além de uma medalha de prata na individual corda. Competindo em categorias distintas, Erika Coimbra e Carolina Limongi se despediram de Berlim com uma medalha de ouro na individual maças cada.

Outro esporte com resultados muito bons foi o tênis, que teve medalhas em todas as categorias para as quais a delegação brasileira enviou atletas. No individual feminino, Denise Oliveira garantiu a medalha de ouro e, ao lado de Conceição Oliveira, garantiu o bronze nas duplas femininas. No individual masculino, Ruy Carneiro voltou com a medalha de prata, que também conquistou nas duplas masculinas ao lado de Leonardo Loschi. Por fim, a Equipe Unificada Brasil voltou de Berlim com uma medalha de bronze.

Marcelino Lages conquistou a medalha de bronze no salto em distância nas Olimpíadas Especiais em  Berlim 2023 [Imagem: Divulgação/OEB]

No tênis de mesa, o destaque ficou para as duas medalhas conquistadas por Mariana de Jesus. A atleta brasileira faturou o ouro na modalidade individual e o bronze nas duplas mistas, ao lado do compatriota Mateus Belloto. O mesatenista brasileiro também conquistou a medalha de prata na modalidade individual. 

Mariana de Jesus e a medalha de ouro conquistada no Tênis de Mesa das Olimpíadas Especiais em Berlim 2023 [Imagem: Divulgação: OEB]

Entre os bons resultados obtidos pela equipe brasileira, pode-se destacar a campanha na bocha. Além da conquista da medalha de bronze pela equipe unificada, a atleta Ana Paula dos Santos faturou a prata na modalidade individual e o bronze nas duplas, ao lado de Luciane Souza.

O que esperar do desenvolvimento das modalidades especiais no Brasil

Tendo em vista os desafios que existem para a manutenção e a perpetuação das modalidades dos esportes especiais no Brasil, Fiuza reforça que a mobilização é fundamental para que este público tenha visibilidade e consigam ter oportunidades de mudarem suas vidas.“(É essencial) conseguir mais apoio governamental para continuar expandindo e atingindo mais pessoas, já que a população brasileira é enorme e sabemos que há pessoas que nós temos que tentar alcançar.” 

É válido ressaltar que a participação brasileira nesta competição seja maior, ou seja, contenha mais atletas, é preciso que profissionais sejam qualificados para poder treinar e desenvolver atletas aptos em modalidades já praticadas, e em novas onde o Brasil tenha potência. Esse é o principal objetivo da delegação brasileira, tentar levar o maior número de atletas possível. A delegação brasileira tem como meta os Jogos Latino-Americanos, que ocorrerão em outubro de 2024, no Paraguai.

Como é feita a preparação para as Olimpíadas Especiais?

Treinador da equitação pela delegação de Portugal, o professor Ivo Patronilho teve seu primeiro contato com o Special Olympics em 2012, quando um dos seus alunos, que fazia parte de uma instituição para jovens portadores de deficiência intelectual, começou a participar de algumas provas com ele. “Em 2019, já na preparação para Abu Dhabi, fui convidado a ser o treinador e coordenador da equitação Special Olympics”, conta.

Para esse desporto, Portugal tinha, até então, um regulamento raso para a modalidade, que apenas seguia algumas linhas de tradução do regulamento internacional. “Começamos então a regulamentar a equitação Special Olympics em Portugal. Fiz a preparação dos atletas e a seleção deles por meio dos resultados no Campeonato Nacional de Equitação, que surgiu através deste regulamento”, explica.

A preparação para os Jogos de Berlim 2023 já começou no ano seguinte à disputa dos Jogos Mundiais de Abu Dhabi, em 2020. “Nos anos seguintes, eu fui observando os resultados de qualquer atleta a nível nacional e até nos [campeonatos] regionais”, comenta. A seleção em si depende da quantidade de cotas que o comitê Special Olympics determina para cada delegação. Portugal recebeu quatro vagas: duas masculinas e duas femininas. 

Após definidos os atletas e os suplentes dos Jogos de Berlim, a delegação passou a treinar com a comissão de Ivo de forma mensal, mas semanalmente os atletas selecionados treinavam com os técnicos de suas equipes, que mantinham contato frequente com Ivo. Ele aponta que a seleção, com quase um ano de antecedência, foi importante para ambientar os atletas ao que viveriam em Berlim. “Nós fizemos estágios com toda a delegação do Special, em que a própria relação entre os atletas das diferentes modalidades se torna cada vez mais importante, porque é para o bem-estar deles e o equilíbrio desses atletas com deficiência intelectual, que partilham quarto e estão longe da família. A partir disso cria-se um senso de equipe e de família, a família Special Olympics”, aponta.

Ivo Patronilho e dois de seus atletas da equitação Special Olympics  [Foto/Reprodução: Instagram @specialolympicsportugal]

Indagado a respeito de sua metodologia de trabalho e se, de alguma forma, ele a adapta aos atletas com deficiência intelectual, Ivo diz que não há muitas diferenças. “As minhas aulas para jovens normativos são muito parecidas com as que dou para pessoas com algum tipo de deficiência intelectual. A única coisa que realmente muda é a forma de comunicar aquilo que pretendo”, diz. Ele complementa explicando que,  em termos de exigência com os atletas, sua postura é igual, com pequenas adaptações.

Quanto ao desafio de treinar os atletas que foram para os jogos, Ivo vê, novamente, a comunicação como essencial. “Foi muito importante para uma das atletas [que representaram Portugal na equitação] o constante carinho, o constante toque, o constante abraço e o campo do reforço positivo para sua felicidade e para que ela conseguisse atingir seus objetivos”, ressalta.

Por fim, Ivo nos diz que fica muito orgulhoso em ver seus atletas representando Portugal internacionalmente. Para ele, “o mais importante é o bem-estar deles, sentir que se superaram e conseguiram atingir os objetivos deles. Mas quando chegam ao pódio o sorriso é ainda maior”.

Como têm evoluído as Olimpíadas Especiais?

Marco Muratori, um dos diretores da delegação monegasca do Special Olympics, ressalta que o processo de formação deve centralizado nos atletas e no ser humano que vai competir. “Mudamos de tutores e estamos sob a supervisão da Secretaria Nacional de Educação Monegasca, o que também nos permite intervir duas vezes por semana em escolas com pessoas com dificuldades de aprendizagem. O governo é uma ajuda inegável para nós, assim como a prefeitura de Mônaco”.

Em contrapartida, Marco destaca que é preciso que a organização dos jogos tome atenção quanto à centralização da evolução dos atletas. “A evolução deve ser compreendida e dimensionada antes das competições e deve, acima de tudo, não desrespeitar o atleta. Não devemos nos esquecer o porquê de estarmos aqui: para eles (os atletas), e não para o negócio”, enfatiza. Além disso, Marco também menciona que o gerenciamento das informações da edição de 2023 foi inferior ao de 2019, o que dificultou a organização interna das delegações em Berlim.

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