Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Os 127 anos do cinema brasileiro: identidade nacional

Entenda a construção da historiografia do cinema brasileiro e a formação de uma identidade nacional única com base em fatores sociais, políticos e econômicos
Por Gustavo Santos (gustalima1306@usp.br) e Letícia Longo (letlongo2006@usp.br)

Seja por meio do humor carnavalesco nos filmes das chanchadas, da originalidade e crítica social do cinema novo ou do experimentalismo e rebeldia do cinema marginal, a produção audiovisual brasileira é cheia de diversidade e se consolidou como uma grande potência, mas isso nem sempre foi assim. 

Após mais de um século da primeira filmagem cinematográfica do Brasil, mesmo com tantas influências externas e obstáculos internos, a historiografia do cinema nacional ainda permite afirmar que o cinema brasileiro é, de fato, brasileiro.

A invenção do cinema e sua chegada no Brasil

Em 19 de junho de 1896, há 127 anos, acontecia a primeira filmagem cinematográfica em território brasileiro. Essa data, apesar de muito significativa, apresenta controvérsias. O cinema surgiu por meio dos irmãos Lumière em 1895, na França, com a invenção do cinematógrafo, uma nova tecnologia que filmava, revelava e, em especial, projetava gravações, o que logo encantou o público brasileiro.

Affonso Segretto, italiano responsável pela exibição de filmes em salas de cinema na capital carioca, retornava ao Brasil, após sua viagem pela Europa, com uma das filmadoras dos Lumière. Com o equipamento em mãos, ao observar a chegada do barco no litoral brasileiro, surge o que é considerada a primeira filmagem do país, intitulada “Vista da Baía de Guanabara.

A escolha do dia 19 de junho como Dia do Cinema Brasileiro, porém, é uma convenção não unânime, já que não existem registros que essa filmagem realmente aconteceu e, caso seja verdadeira, também não há registros de sua exibição para o público. Com a chegada da invenção no Brasil, a primeira exibição de um filme aconteceu no Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor, no ano de 1896.

O belga Henri Paillie alugou uma sala, composta exclusivamente pela elite carioca, e projetou 8 curtas-metragens que retratavam cenas do cotidiano urbano europeu. Por ser algo novo, o início do cinema apresentou um caráter mais experimental e documental, com olhos voltados para simples registros ao invés da produção de narrativas ficcionais. 

Com a presença de uma película feita de celulóide, muito sensível a luz, o cinematógrafo revolucionou ao permitir a projeção de várias fotografias, gerando filmes
 [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

O desenvolvimento do cinema brasileiro: chanchadas

O cinema brasileiro continuou a se desenvolver com o avanço da industrialização e da energia elétrica, mas ainda muito restrito ao Rio de Janeiro e às elites. Cada uma das salas de cinema do país apresentavam filmagens exclusivas e únicas, justamente porque seus donos eram, também, seus produtores. 

A primeira sala de cinema fixa do país, chamada de “Salão de Novidades Paris”, foi criada em 1897 por Paschoal Segretto, irmão de Affonso, e assim como as demais salas, suas gravações eram de uso exclusivo dela. 

A produção audiovisual brasileira apresentava grande potencial de desenvolvimento, porém a Primeira Guerra Mundial prejudicou esse cenário. Com uma Europa ainda em reconstrução, o cinema norte-americano ganhou notoriedade ao realizar investimento massivo em filmes que, indiretamente, realizavam propagandas ideológicas do país. 

Devido a isenção de taxas alfandegárias no Brasil, os filmes dos Estados Unidos invadiram as salas de cinema e desincentivaram a produção de filmagens nacionais. A invenção do cinema falado, em 1929, trouxe um respiro para as produções brasileiras, já que a população consumia menos os filmes falados em língua estrangeira. O filme Acabaram-se os Otários (1929), de Luiz Barros, é considerado o primeiro longa sonoro brasileiro.

O diretor Luiz de Barros e o ator Tom Bill criaram sozinhos, em três meses, o Synchro Cinex, um aparelho que permitia projetar o filme junto de seu som [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Em 1930, com a criação da Cinédia, um dos primeiros estúdios cinematográficos do país, surgiu um dos principais gêneros desse período. Com origem no espanhol, chanchadas, em tradução livre, significa porcaria, algo vulgar e de má qualidade. 

Esse gênero, muito famoso entre as décadas de 1930 e 1950, diz respeito a enredos ligados ao contexto popular, havendo viés humorístico e musical, com destaque a produções relacionadas ao Carnaval. Seu nome pejorativo se dá em razão do fracasso desse gênero entre a crítica da época, já que apresentavam um viés menos artístico e mais malicioso. 

Seu sucesso foi formado pelas massas populares, que se agradavam do humor, ingenuidade e representação pura do popular, característica essa única em comparação ao cinema estrangeiro. Longas como Alô Alô Carnaval (1936), Carnaval Atlântida (1952) e A Grande Vedete (1958) são exemplos de filmes que representam bem o período.

Com o título original de O Grande Cassino, Alô Alô Carnaval pretendia apresentar ao público alguns dos grandes cantores da rádio brasileira, entre eles, Carmen Miranda
 [Imagem: Reprodução/IMDb]

Cinema novo: Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça

A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida. 

 Glauber Rocha, a Estética da Fome (1965)

No final dos anos 50 e no início dos anos 60, alguns cineastas brasileiros começaram a formar uma estética de filmagem mais autoral. Esses diretores queriam se desvincular dos países colonialistas e dos filmes comerciais, mostrar o Brasil como ele realmente era. 

Em entrevista ao Cinéfilos, o crítico e professor de cinema, Sérgio Alpendre, explica sobre a vontade dos países não-americanos em ter um cinema próprio “naquela época existia um movimento na América Latina de oferecer uma alternativa para a hegemonia americana. A ideia, era fazer um cinema nacional, e o Brasil não ficou distante disso. O cinema moderno brasileiro não deve nada a nenhum cinema do mundo e isso tem a ver com essa autoria, essa necessidade de inventar”.

Dessa necessidade de invenção surge o cinema novo. Movimento marcado pelo subdesenvolvimento, crítica política, miséria e por desigualdades sociais, esse cinema não tinha como foco uma alta qualidade técnica em seus filmes, mas essa característica era, justamente, a incorporação de uma estética, de fato, nacional.

“O cinema brasileiro transpira uma precariedade. Às vezes, o filme é bom justamente por conta dessa precariedade. O que os cineastas brasileiros tiveram que aprender era filmar de acordo com essa precariedade.”

Sérgio Alpendre

Vidas Secas (1963) foi rodado no sertão de Alagoas e Pernambuco, em ambientes naturais, sob condições extremamente áridas e difíceis, o que aumenta o realismo da obra [Imagem: Reprodução/IMDb]

Cinema marginal e a rebeldia

No cinema marginal, entre as décadas de 60 e 70, o objetivo de transformação social que havia no cinema novo é deixado de lado, gerando um enfoque maior na provocação. Nesse período, já não há o otimismo revolucionário do cinema novo, e sim um niilismo, um tom sarcástico quanto às dificuldades sociais no Brasil. 

Utilizando-se da zombaria, com certa influência presente também das chanchadas, o cinema marginal cria um humor ácido quanto à realidade brasileira. Tal humor molda até hoje as comédias nacionais, que são conhecidas por fazerem o espectador ‘rir da própria desgraça’.

Não há uma narrativa linear: ela é fragmentada, caótica ou até inexistente. Apesar das diferenças entre os filmes do cinema novo e do cinema marginal, Sérgio Alpendre diz que esse pode ser definido como uma radicalização daquele. As produções do cinema marginal são mais sujas, mais feias e mais experimentais, utilizando-se de elementos da contracultura e do tropicalismo. 

Filmes como O Bandido da Luz Vermelha (1968) e Hitler do 3 mundo (1968), por exemplo, são dois verdadeiros deboches. Eles se utilizam de narrativas não lineares, com cortes abruptos, justaposições inusitadas e diferentes estilos cinematográficos como um meio de satirizar a realidade brasileira.

Em O Bandido da Luz Vermelha o protagonista é um anti-herói criminoso, sedutor, violento e incoerente [Imagem: Reprodução/IMDb]

Cinema da retomada

Após uma crise da produção cinematográfica no Brasil, devido ao fechamento da Embrafilmes no início dos anos 90, o cinema brasileiro retorna com características um pouco diferentes.

Sérgio comenta que, devido ao avanço da globalização e produção, mesmo que indireta, de padrões estéticos na criação de filmes que atingissem as massas, o cinema brasileiro acabou perdendo um pouco de sua autoria quando comparada ao cinema do tipo novo e marginal. 

Além disso, no cinema da retomada, há uma reação ao que o público nacional reclamava no cinema brasileiro. Há um enfoque maior nas tramas e uma melhor qualidade técnica. Segundo Sergio, “os filmes começaram a ficar com cara de festival e de Oscar. Isso diminui um pouco nossa cara de cinema brasileiro”.

Cidade de Deus (2002), por exemplo, é criticado por alguns por não possuir uma verdadeira estética nacional. Porém suas demais características, para além da produção técnica, tornam o filme brasileiro, como sua temática, seus personagens e inclusive sua cor, modificada pela luz solar.

“Os filmes (brasileiros) são muito solares. São contaminados pelo sol. E isso afeta a captação da cor. Não tem como fazer um filme como Cidade de Deus na Finlândia”, afirma Sérgio.

Cidade de Deus foi indicado a quatro Oscars: Melhor Edição, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção e Melhor Fotografia [Imagem: Reprodução/IMDb]

Cinema brasileiro: um produto do caos

As características de filmes brasileiros anteriores continuam, mesmo que de maneira diferente. Para Sérgio, o que torna o cinema brasileiro realmente brasileiro, já não é mais uma estética, ou estilo, mas sim a fala, o assunto, a cor, o humor e, principalmente, a nossa vivência.

“Vivemos em um caos. O que a gente pode esperar do cinema que não tenha um pouquinho dele? Acho que o melhor cinema brasileiro é o produto disso. Ele se alimenta desse caos, às vezes até sem querer. O caos desse país que a gente ama e odeia ao mesmo tempo. Um caos brasileiro.”

“O cinema brasileiro deve ser múltiplo, ser plural. Deve ter o filme mais americanizado, o filme da vanguarda, a comédia bobinha, o filme mais politizado e o filme mais ‘cabeça’. Tudo isso é possível e a gente tem essa riqueza.”

Sérgio Alpendre

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima