Por Clara Zamboni
Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2009), em comemoração aos seus 15 anos, foi reexibido em 3D em cinemas ao redor do mundo. A animação de Fantasia é uma adaptação do livro Coraline (2002) de Neil Gaiman, dirigida por Henry Selick e produzida pela Laika Studios. De acordo com a Animation Magazine, a nova exibição arrecadou cerca de 20 milhões de dólares, provando que a garotinha de cabelos azuis e seu mundo fantástico dos olhos de botão ainda mantém muitos olhos costurados nas telas. Por outro lado, acusações de abuso sexual envolvendo o criador da personagem colocam o legado da obra em risco.

[Imagem: Reprodução/YouTube/LAIKA STUDIOS]
Lançado em 2009 no Festival de Portland, o filme conta a História de Coraline (Dakota Fanning), uma menina solitária e negligenciada por seus pais, que se muda para uma nova cidade. Sua vida se transforma, entretanto, quando ela encontra uma pequena porta que a guia a um mundo paralelo. Essa realidade alternativa é composta pela Outra Mãe (Teri Hatcher) e pelo Outro Pai (John Linnell), versões idealizadas de seus verdadeiros familiares que, diferente deles, são atenciosos, alegres e divertidos.
A permanência nesta nova família, entretanto, impõe uma condição à protagonista: permitir que sejam costurados botões em seus olhos. A fantasia rapidamente se transforma em terror e Coraline deve lutar para escapar das garras da Outra Mãe para voltar para sua família original.

[Imagem: Reprodução/YouTube/LAIKA STUDIOS]
A estética do filme
Os visuais têm um papel marcante no sucesso do longa. Segundo Erica Valle, animadora da Coala Studios, a sutileza atingida na animação chama a atenção, gerando dúvidas se o filme foi produzido em 3D, feita virtualmente, ou em stop-motion — técnica em que bonecos são fotografados em sequência para gerar a sensação de movimento. Mesmo assim, o filme consegue manter a sensação de materialidade dos objetos e personagens. “De alguma maneira, a gente sente a existência daqueles objetos”, afirma Valle.

[Imagem: Reprodução/YouTube/LAIKA STUDIOS]
O diretor do longa, Henry Selick, parece ter a mesma opinião de Valle. Em entrevista ao Omelete em 2023, o diretor comenta o uso da exibição em 3D (transformação da imagem para provocar ilusão tridimensional, diferente do 3D como técnica de animação) para destacar as qualidades do stop-motion. “É meio que uma moda agora usar essa técnica. (…) Mas, pra mim, a técnica do stop-motion pareceu simplesmente perfeita para esse projeto. Afinal, é tudo real. Os personagens e cenários existem de verdade e o 3D exalta isso.”
Outro aspecto destacado por Erica é o design dos personagens, que garante o efeito de terror e desconforto. Para ela, a transformação da forma dos familiares de Coraline, que vão se tornando cada vez mais longilíneas, é responsável por causar o medo na audiência.
Os investimentos
Para atingir a precisão desejada pelos animadores, investimentos massivos foram necessários. Para Erica, o custo da produção em stop-motion é um dos principais desafios enfrentados pela área: o longo tempo de trabalho necessário para a realização de cenas curtas torna a produção cara. Mudanças ou cortes significam, portanto, grandes prejuízos financeiros para os estúdios.
Esse foi um entrave que Coraline não enfrentou: o longa contou com investimento de 60 milhões de dólares, o que garantiu liberdade criativa aos animadores e riqueza de detalhes na confecção de personagens, objetos e cenários. “Ninguém nunca teve tanto acesso a tecnologia para produzir um filme de animação”, comenta Érica.

Se melhorar, estraga?
Para Erica, o refinamento técnico do longa, embora tenha marcado época, não é um ideal que pode ser buscado por todos, tanto no aspecto estilístico quanto no financeiro. A aproximação com a perfeição não é capaz de definir a qualidade de um filme animado em stop-motion. Além disso, o amplo acesso técnico da equipe de Coraline não reflete a realidade dos demais estúdios de animação em stop-motion, o que facilita que grandes empresas, como Laika e Aardman, dominem a área e entreguem produções melhor acabadas.
Livro X Filme
Diferenças entre o livro de Gaiman e o longa da Laika Studios não faltam. Marco Aurélio Canônico, jornalista e editor do jornal O Globo, relembrou, em uma entrevista ao Cinéfilos, a crítica que publicou sobre o filme em seu ano de lançamento. No filme, é apresentado um personagem que não estava presente no livro: Wybie (Robert Bailey Jr.), vizinho e amigo de Coraline.

“Essa mistura de contos de fada e mundo real abrange uma faixa etária muito grande, porque todos nós nos deparamos com contos de fadas quando somos crianças, então isso acaba ficando com a gente”. Entretanto, para ele, nem o filme nem o livro são indicados para crianças muito pequenas, que tendem a se assustar com a história.
O Sucesso de Coraline
Para Marco Aurélio, Coraline veio ao mundo em um momento em que o terreno para a animação era fértil e seu sucesso não foi surpreendente. Naquele momento, o Estúdio inglês Aardman lançava A Fuga das Galinhas (Chicken Run, 2000) e Wallace and Gromit (2005). A Pixar também estava dando seus primeiros passos. No Oscar de 2010, Coraline e o Mundo Secreto competiu com Up, Altas Aventuras (2009) na categoria Melhor Filme de Animação.
O longa também não foi pioneiro na implantação da estética de terror na animação. Para Marco Aurélio, O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993) e A Noiva Cadáver (The Corpse Bride, 2005) , que foram bem recebidos pelo público e pela crítica, serviram como importantes precursores para Coraline. Atualmente, séries como Wandinha (Wednesday, 2022) mostram que a estética do terror pode ser apresentada com êxito para um público infantil.

“Esses precursores foram abrindo um caminho para a formalização desse tipo de tema e desse tipo de estética na cultura popular infanto-juvenil”. Para Marco Aurélio, o sucesso a longo prazo de Coraline se deve a uma mistura entre sua identidade visual e a identificação do público com a protagonista. A estética de terror do longa não envelheceu e, ainda hoje, cai bem em itens como camisetas e objetos colecionáveis. Além disso, a escolha por uma heroína feminina como protagonista também cativou o público.
Erica, por outro lado, atribui a longevidade de Coraline à história em si. Apesar da qualidade técnica da animação, ela não é o principal componente responsável por atrair novos públicos. O longa se sobressai, inclusive entre outros filmes produzidos pela Laika, por seu enredo. Entretanto, ela aponta que o estilo de animação atingido pelo estúdio foi um marco na história do cinema.
Os números alcançados nas bilheterias não contrariam a posição privilegiada alcançada pelo longa. Desde seu lançamento, em 2009, o filme arrecadou cerca de 131 milhões de dólares mundialmente, segundo o Papo de Cinema.
Futuro incerto
Nas redes sociais, o desejo por uma sequência de Coraline é presente entre os fãs. Em 2022, rumores sobre o lançamento de Coraline 2 surpreenderam os internautas, mas foram rapidamente rebatidos por Neil Gaiman. “É muito falso, me desculpe”, comentou em seu perfil do X, antigo Twitter. O autor ainda se mantém resistente à produção de um segundo filme. “O que eu sempre disse é que não faria um ‘Coraline 2’ a menos que pudesse inventar uma história tão boa quanto ‘Coraline 1’. E até o momento, não consegui”, alegou, em uma entrevista realizada ao AdoroCinema , em 2024.
Erica acredita que a busca por novos livros para serem adaptados é mais promissora que o investimento em sequências. “Não acho [que seja uma boa ideia]. Esses filmes baseados em livros são muito bem fechados na questão da história”, comenta.
As recentes acusações de abuso sexual contra Neil Gayman também tornam improvável o desenvolvimento de uma possível sequência de Coraline. As alegações levaram ao cancelamento de seus trabalhos como Bons Augúrios (Good Omens , 2019), O Livro do Cemitério (The Graveyard Book), Garotos Detetives Mortos (Dead Boys Detective, 2024) e Sandman: Mestre dos Sonhos (Sandman, 2022). Assim, Coraline corre o risco de envelhecer mal, assim como o legado de seu autor.