Hugo Nogueira
Desde o princípio, o cinema exaltou a destreza física e a virtude atlética, colocando o corpo humano em situações extremas. Foi o astro Douglas Fairbanks quem, pela primeira vez, integrou sex appeal à habilidade esportiva em filmes como Robin Hood (1922). A carreira de Fairbanks foi marcada por incríveis feitos acrobáticos, saltos e lutas. Colocando em cena a exuberância física e o magnetismo romântico em iguais medidas, as produções que Fairbanks estrelou traduziam em, termos cinematográficos, a imagem idealizada que os norte-americanos faziam de si mesmo.
Boxe
Alguns lutadores de boxe tiveram carreiras cinematográficas notáveis. O britânico Victor McLaglen, um ator de larga compleição física que encarnou nas telas repetidamente o papel do “durão” com coração de ouro, iniciou sua vida profissional como pugilista. O boxe o levou a ser contratado em espetáculos circenses e disto derivou sua carreira no cinema na década de 20. Alguns anos mais tarde, McLaglen obteve um Oscar e Melhor Ator pelo seu tocante desempenho em O Informante (The Informer , 1935).
O boxe foi, igualmente, o meio de subsistência de George Raft, um ator que, antes de encarnar o protótipo quintessencial do facínora frio e impassível em filmes como Scarface, a Vergonha de uma Nação (Scarface, 1932), dedicou-se a uma vitoriosa carreira nos ringues do submundo de Nova York sob os auspícios de Owney Maddon, o gangster que desafiou a Lei Seca fundando o celebrado Cotton Club.
Robert Mitchun e Dean Martin lutaram profissionalmente antes de se envolverem com o cinema. Mitchun, ademais, assim como George Raft, foi um habitué freqüente dos interstícios do submundo quando jovem. Kirk Douglas (pai do ator Michael Douglas), um dos maiores astros da década de 50, também deixou as lutas de boxe profissionais pela carreira cinematográfica. O filme O Invencível (Champion, 1949), o maior sucesso no início da carreira de Douglas, beneficiou-se largamente das suas habilidades no ringue, o que, aliás, lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator.
Futebol americano
John Wayne, o ator que simbolizou com perfeição a iconografia da conquista do oeste norte-americano, teria seguido uma carreira vinculada ao futebol americano caso não tivesse aceitado um emprego ocasional de decorador de set: assim, terminou por conhecer o diretor John Ford e, desta associação, derivaram os maiores clássicos do western norte-americano, tais quais No Tempo das Diligências (Stagecoach, 1939) e Rastros de Ódio (The Searchers, 1956). O futebol americano foi também uma das muitas especialidades de Paul Robeson, um dos poucos atores negros que conseguiu construir uma carreira relativamente consistente na Hollywood dos anos 30. Ainda assim, sua trajetória profissional foi desperdiçada pela perspectiva racista abertamente estabelecida na época. A despeito de sua notável habilidade como cantor, da espontaneidade de suas performances e de sua sólida presença cênica, Robeson encontrou em Hollywood um espaço exíguo demais para a grandiosidade dos seus múltiplos talentos.
Joseph Cotten muito cedo trocou o futebol profissional pelos palcos: o ator entrou para o elenco do Mercury Theater de Orson Welles e, mais tarde, estrelou algumas das melhores produções hollywoodianas da década de 40 como Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) e A Sombra de uma Suspeita (Shadow of a Doubt, 1943) de Alfred Hitchcock . Warren Beatty também deixou de lado uma possível carreira no futebol preferindo seguir suas ambições artísticas. Em O Céu Pode Esperar (Heaven Can Wait, 1978), contudo, o ator demonstrou com eficácia sua aptidão para o esporte favorito dos norte-americanos.
Na carreira de Walter Matthau não há referências diretas à sua inclinação pelo basquetebol, esporte do qual fora instrutor em meados da década de 40. Não foi ele, aliás, o único ator envolvido profissionalmente com este esporte. A seleção nacional de basquetebol da Itália teve nos seus quadros, na década de 30, o jovem Vittorio Gassmann. Gassmann se transformaria, nos anos seguintes, em um dos melhores atores cinematográficos de seu país e protagonizaria grandes produções na Europa e nos Estados Unidos como Arroz Amargo (Riso Amaro, 1948), Guerra e Paz (War and Peace, 1956) e Perfume de Mulher (Profumo di Donna, 1974).
Saltos
Sem dúvida, a habilidade atlética foi, em muitos casos, um passaporte para o estrelato, embora nem sempre de um modo imediatamente evidente. O ator britânico Cary Grant, por exemplo, é um nome que se tornou, para gerações de cinéfilos, sinônimo de elegância, de sofisticação e de romantismo consumado. É certo que Grant foi, inquestionavelmente, o gentleman favorito de inúmeras leading ladies da Golden Age de Hollywood. Sua carismática persona cinematográfica foi construída, contudo, à distância de seus primeiros passos como acrobata circense. Cary Grant renunciou completamente às suas habilidades atléticas para se converter no mais notável ídolo romântico do cinema norte-americano.
Alan Ladd, um lacônico ator de belas feições, encarnou o tough-guy paradigmático do cinema noir e do western numa carreira que em nada evocava os prêmios que obteve devido ao seu desempenho em mergulhos e saltos ornamentais. A habilidade em esportes aquáticos serviu como meio de subsistência para um bom número de astros no início de suas carreiras. James Cann e Sean Connery trabalharam como salva-vidas antes de alcançarem o estrelato.
Olimpíadas
O atleta aquático mais celebre do cinema, não obstante, ainda é o vencedor das Olimpíadas de Paris de 1924, Johnny Weissmuller que, então, quebrou três recordes de natação. Johnny também competiu nos Jogos de Amsterdã de 1928 e seguiu sua sólida carreira como nadador antes de estrelar Tarzan, o Filho das Selvas (Tarzan, the Ape Man 1932). Daí em diante, as imagens do nadador e do personagem de Edgar Rice Burroughs tornaram-se indissociáveis: Johnny Weismuller inventou o célebre grito de Tarzan e proveu os contornos definitivos do herói nos 12 filmes em que protagonizou o homem-macaco entre 1932 e 1948.
Das piscinas olímpicas para as telas veio Buster Crabbe. Crabbe competiu nos Jogos Olímpicos de 1928 (ganhando uma medalha de bronze nos 400 metros de nado livre) e de 1932. Com a série Flash Gordon o ator marcou sua presença no cinema e na televisão. Esther Williams, por sua vez, quebrou o recorde dos 100 metros de nado livre em Des Moines em 1938. Sua destreza nas piscinas e sua exuberante beleza facultaram-lhe um teste em Hollywood e, graças a isso, ela estrelou uma série de musicais aquáticos os quais lhe garantiram fama internacional.
Nenhuma coletânea de proezas físicas cinematográficas pode prescindir da emblemática figura de Burt Lancaster. Resgatando a tradição iniciada com Douglas Fairbanks na aurora do cinema mudo, Burt Lancaster emprestou a muitos filmes sua notável perícia atlética e, graças tanto a ela quanto ao seu evidente talento dramático, estabeleceu uma das mais significativas carreiras cinematográficas de Hollywood. O ator, efetivamente, exercitou números espetaculares no período em que trabalhou como acrobata circense: estes atos foram re-encenados em várias das excitantes produções de Lancaster na década de 50 como O Gavião e a Flecha (The Flame and the Arrow, 1950), O Pirata Sangrento (The Crimson Pirate, 1952) e Trapézio (Trapeze, 1956).
A Sétima Arte levou o corpo aos limites de suas possibilidades. No arco de tempo que separa as acrobacias de Douglas Fairbanks das proezas de Burt Lancaster, o cinema comercial consagrou a fórmula da exaltação da destreza física como paradigma de vitalidade e beleza. Convertendo-se numa expressão artística cada vez mais voltada para o entretenimento, o cinema celebrou o corpo em todas as suas potencialidades num imenso número de produções e projetou, desta forma, uma fascinante imagem corporal idealizada que absorveu irreversivelmente a subjetividade da audiência. Consubstanciando as fantasias de aventura, de vigor atlético, de exuberância e robustez físicas, o cinema cedo descobriu um rico manancial de conteúdos e de contextos narrativos que, em larga medida, está ainda longe de ser esgotado.