“Olha, é o Papai Noel de verdade!”, diz o pai a sua filha pequena apontando para a figura sentada no trono vermelho, onde cabem, com folga, mais duas crianças. Há ainda uma “noelete”, assistente em vestido natalino, e um fotógrafo para registrar o momento em alta definição. A menina, encantada, decide se juntar à curta fila que ziguezagueia no piso do shopping para falar com o senhor que se veste em perfeita caracterização: roupa vermelha e branca, cinto largo, botas pretas, gorro com a ponta felpuda caída até o ombro, rosto amigável, enrugado, olhos azuis, barba natural – é o Papai Noel “de verdade”.
“De verdade” ele responde por Antônio Neves, tem 74 anos e vende baterias de carro, como representante comercial. Como Papai Noel atua há 21, quando começou num shopping da Zona Leste por incentivo do filho. E gostou. A barba, que no início era “de mentira”, foi sendo cultivada e até mesmo pintada, enquanto o tempo não trazia, por si só, a cor toda branca. Esses cuidados Antônio mantém o resto do ano, desde então: largou cigarro, bebida, navalha; a barba é apenas aparada.
Nesta época, a rotina é cheia: além da recepção no Shopping Morumbi (zona sul de São Paulo), que ele faz há duas décadas, Antônio costuma participar de eventos, gravações e visitas a até sete casas na noite de Natal. “O corpo cansa, mas eu adoro fazer isso. É bem melhor que vender bateria de carro”, conta.
Mas é preciso mais do que barba para ser Papai Noel “de verdade”. Mesmo o mais antigo em atividade no país, Silvio Ribeiro, com quase 50 anos de experiência, usa uma artificial. “O bom Papai Noel é aquele que consegue entrar no universo infantil e fazer parte dele”, diz, “mas não pode ser estereotipado porque a criança percebe que está sendo falso”. Antônio concorda: “conversar com criança é outro mundo”.
As técnicas básicas para o trabalho Silvio ensina num curso que acontece entre o fim de novembro e o começo de dezembro, gratuitamente, desde 1978 – o primeiro para Papai Noel no Brasil. Ao longo de um dia são ensinados pontos como postura, respiração, maquiagem, figurino, comportamento, higiene e concentração. Nem o “ho ho ho” escapa: “a entonação é diferente pra cada situação. Tem o ho ho ho tradicional, de saudação. Tem o ho ho ho de indignação, de alegria, de dúvida, de bronca”, explica.
Silvio entrou nesse mundo por acaso. Foi chamado para ser Papai Noel aos 18 anos nas Casas Pirani, magazine grande, onde trabalhava: “comprei barriga postiça e saí Papai-Noelando pela loja”. Alguns anos depois trabalhou no Natal em Ohio, Estados Unidos. Quando voltou ao Brasil, em 1974, estudou na Escola de Arte Dramática da USP e lá conheceu “sua madrinha”, a atriz Nicete Bruno. Sua participação no Natal foi crescendo, com a criação da Claus Produções Artísticas no ano seguinte, e desde então já esteve em shoppings, casas, programas de TV, eventos com celebridades e até em dois congressos da International Order of Santas, nos EUA. Gosta também de arrecadar doações e fazer apresentações de caridade em orfanatos, favelas e asilos – e em um destes recebeu, brincando, um pedido de casamento.
Além do bom humor, ele destaca a importância de ter jogo de cintura para que o Papai Noel não cause grandes frustrações. Segundo ele, aí são importantes frases como “o que você vai ganhar?” ou “eu vou torcer para você ganhar, mas se não der, serve outra coisa?”. Se algum parente estiver por perto, é bom se certificar que o presente desejado está dentro dos limites do possível. Mas acontecem também situações delicadas, que envolvem cura de doenças, emprego para os pais ou mesmo a guarda de pais adotivos. Nesses casos, Silvio diz que o Papai Noel é um ombro amigo e pode aconselhar, mas não é psicólogo: “ele não tem que resolver problema de ninguém”.
Já Paulo Mendes, ator profissional e diretor artístico da Cia. do Bafafá, acha fundamental que, além do interesse, do tato e da paciência, o Papai Noel conheça a história do personagem. Pensando nisso, a empresa também tem curso gratuito de formação, a partir do qual é feita uma seleção de bons velhinhos, que em sua maioria são aposentados. Hoje são mais de 70 trabalhando na empresa, requisitados para eventos, 15 shoppings na cidade e, principalmente, visitas para distribuir presentes na noite de Natal. Das 18h do dia 24 às 3h do 25, cada um faz entre cinco e oito casas, acompanhados por um motorista.
Apesar de a empresa fazer eventos variados o ano todo, é o Natal que traz maior faturamento. Segundo Paulo, as casas pagam entre R$600 e R$5000, dependendo do tempo de permanência e do serviço – podem ser contratados também personagens como elfos, “noeletes” e a Mamãe Noel, em cenários e tipos de chegadas diferentes. Já nos shoppings, Silvio diz que a permanência de 45 dias custa no Brasil entre R$3000 e R$15000, sendo em São Paulo os valores mais altos.
Os shoppings têm tentado estratégias novas para atrair público. Só em São Paulo neste fim de ano, é possível ver Angry Birds natalinos no Mooca Plaza Shopping, um grande Papai Noel ciclista segurando um squeeze na fachada do Iguatemi – lá dentro, o de carne e osso também é antenado e usa um Google Glass – e um de 20 metros de altura e 4 toneladas, no Center Norte. Certificado pelo Guinness: o maior do mundo. Todo dia passageiros da linha 4-Amarela do metrô levam a sorte ou não de entrar no trem natalino. Na Avenida Paulista, um Papai Noel um pouco menor acena em pé numa estrutura acima dos carros, e o restante dos prédios ali ostenta watts aos passeantes noturnos.
O espetáculo também chegou de certa forma às casas. Paulo acha que as famílias têm procurado mudanças na noite de Natal, para criar dinâmica e uma atmosfera mais lúdica. “A festa foi ficando mais pagã”, diz Silvio, ao pensar no que mudou longo do tempo. Mudou também a maioria dos presentes: hoje, desde cedo as crianças pedem muitos eletrônicos. Outra coisa foi a crença no Papai Noel, que não sobrevive aos 9 anos, amigos, irmãos e mídia. No caso de Silvio, sobreviveu até 65: “nunca parei de acreditar”.
Mas, segundo todos eles, o velhinho e o Natal ainda representam união, magia, fantasia e amor: “o espírito é único”, diz Antônio, “embora a tradição seja tão estrangeira”. Paulo diz que às vezes tenta vender o Papai Noel tropical, com bermuda e camisa florida, mas muitas vezes não consegue. O que mais se pede é o padrão, aquele que garante que seja “de verdade”.
“De verdade” é no norte onde existe o Santa Claus Village, parque na terra finlandesa de Rovaniemi, com huskies e o endereço oficial do escritório do Papai Noel: Joulumaantie 1, 96930 Arctic Circle. A Santa Claus House fica no Alasca, lê todas as cartas e pode mandar ao seu filho um selo autêntico do Polo Norte. No ClausNet, comunidade supracontinental virtual, um juramento de profissão estampa a homepage. O Google fez desde o começo de dezembro o Santa Tracker (Siga o Papai Noel), plataforma interativa sobre o velhinho até dar o dia do Natal, quando ele vai distribuir presentes ao redor do mundo. Contagem regressiva. E o Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (NORAD) tem seu Santa Tracker especial desde 1955, hoje com um site bonito e recheado onde se lê: “o Papai Noel é um verdadeiro mistério para todos nós!”
Por Barbara Monfrinato
bmfmonfrinato@gmail.com