Em meio à gourmetização de produtos veganos, o estilo de vida resiste com opções baratas e saudáveis.
Por Júlia Vieira (juliavcamargo@live.com)
O mercado vegano tem crescido consideravelmente no Brasil, chegando a uma taxa de 40% ao ano. As marcas, observando o aumento de pessoas declaradas vegan no país, se aproveitam da publicidade em torno desse estilo de vida para lucrarem. O objetivo ambicioso de lucrar em cima do veganismo acabou gerando a impressão de que esse modo de viver é muito caro. A maioria dos restaurantes, food-trucks e marcas que fabricam produtos veganos são inacessíveis para grande parte da população.
Assim, muitas pessoas acabam se afastando do ideal vegan por essa ilusão de que este é um modo de vida apenas para quem tem alta renda. Izabella Paixão, que foi ovolactovegetariana por 8 anos antes de se tornar vegana, conta que pensava ser impossível fazer a transição para o veganismo. “Eu tinha 17 anos e morava com meus pais, não trabalhava, então pensava que não conseguiria me bancar e que meus pais não me ajudariam.” Assim, ela deixava para depois, para um momento de independência financeira. “No final de 2015, durante uma crise de sinusite e amigdalite, eu descobri que o leite é inflamatório e faz o corpo produzir muco. Comecei a evitar tudo que o continha e notei a diferença. Percebi que o veganismo era possível e acessível”, diz.
“Estava desempregada durante toda a transição, mas não foi o bicho de 7 cabeças que eu pensei que seria.” Para a surpresa da grande maioria, os veganos podem gastar até menos depois de adotar o veganismo, pois eles deixam de comprar muitos alimentos de custo elevado como carne, leite e queijo. Sendo assim, há apenas uma alternância de gastos, não um aumento no custo de vida como a gourmetização faz parecer.
“Produtos veganos, mais especificamente, alimentos, são caros porque a indústria se aproveita de qualquer restrição para cobrar mais, como por exemplo: sem glúten, sem lactose, dieta e etc. Fazer qualquer alimento é extremamente barato; comprar de quem faz, também.” Izabella hoje é autônoma e trabalha vendendo comidas veganas. É com essa renda não-fixa que ela se mantém e prova que ser vegan não custa caro. “Faço uma compra na zona cerealista a cada 2 meses e gasto cerca de R$ 50. Compro grãos e sementes para fazer leite, hambúrguer, maionese e outras receitas”, explica. Ela também gasta cerca de R$ 25 com frutas e vegetais a cada duas semanas na feira. “No mercado, compro somente arroz, feijão, macarrão e bolacha ou algum outro doce, basicamente.”

Para ela, a chave de tudo está no acesso à informação. E para otimizar a troca de conhecimento, a sociedade vegana brasileira começou a criar grupos em redes sociais, se reunir para partilhar todas as descobertas sobre esse modo de vida, para responderem e tirarem dúvidas. Esses grupos estão fazendo sucesso no Facebook entre a comunidade vegana e os simpatizantes da causa. O mais famoso, chamado Ogros Veganos, tem 160 mil membros. O grupo TrollAjuda, criado com o intuito de que os integrantes respondam rapidamente as dúvidas uns dos outros, tem quase 40.000 membros. Eles compartilham receitas (tanto de alimentos quanto de cosméticos), investigam marcas, tiram dúvidas e mostram como o veganismo pode custar pouco.
E foi na nessa onda de grupos em redes sociais que Maria Anni-Frid, 27, teve uma ideia. Ela conta que assim que parou de consumir produtos de origem animal percebeu que seus gastos diminuíram, mas, ao observar os grupos Veganos Pobres Brasil, Veganismo Popular e acompanhar o Instagram @VeganaPobre, se deu conta de que era possível economizar ainda mais. Ela sentia falta de alguém que falasse sobre a economia com mais foco e organização e decidiu ser a pessoa que faria isso.
Postando em seu blog, VegeMarian, e compartilhando em grupos do Facebook, Maria começou um desafio de comer quatro refeições diárias durante uma semana inteira gastando apenas R$ 50,00. “Vi uns vídeos de desafios no Youtube. Então organizei tudo direitinho pra fazer o desafio, que não é tão difícil, e compartilhar. Queria pratos mais realistas, com coisas de supermercado mesmo, que qualquer pessoa em qualquer lugar do Brasil conseguisse replicar.”

A dona do desafio realizou suas compras em uma feira livre popular, em um pequeno mercado do bairro e no Carrefour. Ela gastou R$ 49,88, sendo R$ 29,33 no Carrefour, R$ 17,50 na feira e R$ 3,05 no pequeno mercado. A lista de compras foi essa: 1kg de arroz, 1 kg de feijão, alho, 1 pacote de molho de tomate, 1 mamão, 1 pé de alface, 2 cebolas, 2 tomates, um saquinho de batatas, 2 garrafinhas de leite de coco, 1 caixinha de aveia saborizada com cacau, 500 g de goma de tapioca, 500 g de ervilha seca, macarrão de arroz, flocão de milho, meia dúzia de bananas, 6 caquis, cerca de 1kg de cenouras, 3 berinjelas e 3 abobrinhas grandes.
Em seu blog, Maria mostra os comprovantes das compras, os produtos comprados de forma detalhada, descreve o dia a dia do desafio, ensina todas as receitas e dá todas as informações necessárias para quem quiser segui-lo. Ela atingiu o objetivo: conseguiu se alimentar durante os 7 dias com quatro refeições diárias, como o prometido. “Não tive dificuldade por seguir um cardápio pré-estabelecido. O maior obstáculo foi encontrar marcas adequadas para veganos que coubessem no orçamento.”

Ao ser perguntada sobre o que pensa da gourmetização dos produtos vegan, Maria diz que a chave está na divulgação das alternativas. “Só vamos avançar e conseguir fazer as pessoas que não têm tantos recursos se interessarem pela causa se falarmos sobre o veganismo de feira, barata e acessível. Comer vegano é mais saudável e simples, só precisamos fazer as pessoas entenderem isso.”
A nutricionista Priscila A. Menezello diz que a melhora na saúde é condicional. A dieta em si faz com que o indivíduo se atente ao que está comendo e comece a ter uma alimentação mais equilibrada e saudável, mas a pessoa pode ser vegana e continuar ingerindo “besteiras”. Apesar de ser condicional, a ingestão de alimentos adequados a veganos traz inúmeros benefícios.
A dieta vegetariana estrita contribui para um aumento no consumo de alimentos com compostos que beneficiam a saúde como as vitaminas, os minerais e os fitoquímicos. Além disso, a não ingestão de comidas ácidas, como a carne, melhora o ph sanguíneo, pois o torna mais alcalino. Essa alimentação acaba incentivando o consumo de carboidratos integrais, que, além de serem mais saudáveis, são ricos em proteínas também. Eles oferecem benefícios lipídicos e colaboram para a redução de enfermidades relacionadas ao sobrepeso como diabetes, doenças cardiovasculares e cânceres. Isso ocorre porque os carboidratos integrais dão sensação de saciedade e ajudam a diminuir as gorduras localizadas.
A pessoa que segue essa dieta, como não ingere nenhum alimento de origem animal, tem um consumo zerado do colesterol “ruim”, o LDL (lipoproteína de baixa densidade). Sem o consumo de LDL, a circulação sanguínea é favorecida, evitando diversos problemas ocasionados pelo entupimento de vasos. Priscila, que trabalha preparando os pratos de um self-service vegetariano, o Restaurante Nutrir em Campinas-SP, conta que o consumo de gorduras saturadas também é reduzido. Ele não é zerado porque, muitas vezes, os veganos utilizam o óleo de coco em suas refeições, produto que contém este tipo de gordura.
As únicas deficiências da dieta vegana são as vitaminas D e B12, que não existem em comidas que não sejam de origem animal ou derivadas. A vitamina B12 deve ser suplementada com cápsulas (que não podem ser gelatinosas) ou consumida por meio de alimentos que contenham a B12 como complemento. No caso da complementação, a vitamina é adicionada artificialmente a esses alimentos. A vitamina D pode ter sua deficiência suprida mais facilmente. Se o indivíduo tomar sol de forma frequente, ela já será suplementada, porque o sol funciona como um ativador da produção desta vitamina.
Para a nutricionista, ser vegano, no que diz respeito a alimentação, só será caro se a pessoa fizer muita questão de ingerir alimentos que imitem carnes vermelhas, como por exemplo salsichas, linguiças e hambúrgueres feitos de soja. Essas imitações costumam ter preços mais elevados e não são necessárias para a saúde nem para a dieta de um vegano, sendo o consumo destes uma escolha do indivíduo.
Michelle Duarte, que foi ovolactovegetariana por três anos e é vegana há um, aponta uma diminuição nítida em suas alergias após sua transição, a ponto de não utilizar mais medicamentos para tal desde que se tornou vegan. Segundo a nutricionista Priscila, essa redução de alergias notada pelos veganos é causada pela não ingestão de laticínios, pois o leite as potencializa. Os laticínios também estão relacionados a diversos problemas intestinais, a dores na coluna e coceiras na pele.
Veganismo vai muito além de não consumir nada que explore animais, de alimentos à marcas, porque ele é um estilo de vida que engloba também o uso de cosméticos, medicamentos e vestuários adequados. Tudo na vida de um vegano gira ao redor da recusa à qualquer crueldade contra os animais. Se uma marca patrocina eventos com animais como rodeios, vaquejadas e touradas, por exemplo, os adeptos a esse estilo de vida não compram. Se a marca financia desfiles de moda, com roupas de couro e tecidos de origem animal, os veganos também não compram.
No que diz respeito ao vestuário, há algumas restrições. Eles não usam roupas feitas de couro legítimo, lã, seda, que é um filamento protéico obtido pelo casulo do bicho-da-seda (lagarta de certos tipos de mariposa) e camurça, que é uma camada interior pele de animal curtida. Há sapatos veganos com outros tecidos que imitam esses materiais. Fora isso, a compra de roupas e sapatos para veganos é exatamente igual a de um não-vegano, eles só se atentam mais na hora de escolher o vestuário, pois investigam de que material são feitas as peça antes de levá-las para a casa.

Michelle, moderadora do grupo Low e No Poo Vegano, focado em rotinas capilares e dicas de produtos de beleza livres de crueldade animal, comentou sobre a questão dos cosméticos e disse que “há muitas marcas de beleza populares veganas que podem ser encontradas em qualquer perfumaria e, fora isso, existem várias receitas caseiras para pele e cabelo.” Empresas como Inoar e Lola já são vegan friendly, porém Michelle conta que é mais econômico fabricar os próprios produtos, com o que já tem em casa, do que procurá-los em supermercados. “Quer fazer nutrição no cabelo? Passa abacate. Que fazer hidratação? Usa babosa. Quer nutrir a pele? Passa casca de banana.”
“Já os produtos de higiene pessoal, gosto de comprar sabonetes artesanais. Produtos para casa é só procurar por empresas que não testam. Uma bem conhecida é a Ypê.” diz Izabella que ressalta, mais uma vez, que o essencial para desmistificar que o estilo de vida vegan é caro, é a disseminação de informações. “O único privilégio para conseguir se tornar vegano é ter acesso à informação; comida de origem vegetal é muito mais barata e os outros produtos também, porque normalmente as marcas com opções veganas, menores e menos conhecidas, são mais baratas.”
Muito boa reportagem…O pessoal tá viajando mesmo…
Ontem fui numa fazenda em Paraíbuna que produz melado e açúcar mascavo… O preço era “para turistas”… Me recusei a pagar, apesar do cheiro irresistível que saía dos tachos de cobre..
Comer alimentos saudáveis não pode virar luxo.