Sete anos. Esse foi o tempo levado por William Gibson e Bruce Sterling para a criação de A Máquina Diferencial (Editora Aleph, 2015). Como eles mesmo citam no posfácio, escrever um livro em dupla pode parecer mais fácil, por dividir a tarefa ao meio, mas acaba sendo um processo minucioso, cujo esforço vem em dobro.
Os gêneros nos quais a obra se insere
Tidos como gênios do cyberpunk, Gibson e Sterling, nesta obra, fazem uso de outro subgênero da ficção científica: o steampunk. Aos leigos, tantas ramificações na literatura podem parecer confusas, mas uma breve explicação pode tornar o entendimento mais fácil. O cyberpunk engloba universos paralelos futuristas e uma tecnologia muito mais avançada do que a encontrada na época em que se passam as histórias; o steampunk, por sua vez, é uma vertente da ficção científica na qual a maior parte das histórias se passam na era vitoriana (1837-1901), quando o vapor era o principal meio de produção na Inglaterra (daí o nome “steam”, ‘vapor’ em português). Nesse último subgênero, os autores exploram um desenvolvimento da tecnologia a vapor que não ocorreu na vida real, criando um cenário de intensa mecanização.
É nesse movimento de ficção que a obra está introduzida. Uma Londres caótica é palco para um mundo alternativo no qual foi implementada a “máquina diferencial”, um invento de Charles Babbage capaz de resolver equações polinomiais, receber dados, processá-los, armazená-los e exibi-los. Tal invenção realmente existiu e fez com que Babbage fosse considerado um dos pioneiros da ciência da computação. Desse modo, misturando personagens reais com alguns fictícios, os autores criaram um romance que nunca existiu, mas que é cheio de verdades.
Um pouquinho mais sobre a história
Os capítulos de A Máquina Diferencial são chamados de iterações, fazendo referência ao vocabulário da programação no mundo da computação, e narram a história de três personagens: Sybil Gerard, Edward Mallory e Laurence Oliphant. A primeira é uma prostituta, ex-amante de um político influente e filha de um revolucionário, que acaba se juntando a Mick Radley, assessor do ex-presidente do Texas, Estados Unidos. Edward Mallory, por sua vez, é um paleontólogo responsável pelo descobrimento do “Leviatã Terrestre”, um brontossauro cujos ossos foram achados em uma expedição. Por último, somos apresentados a Oliphant, um jornalista e detetive que busca descobrir respostas para alguns acontecimentos que presencia.
O que une os três personagens é um mistério envolvendo Lady Ada Byron, conhecida atualmente como Ada Lovelace, e a ascensão do Partido Radical, trazendo mudanças científicas impressionantes e um clima de instabilidade política. Nesse contexto, uma enigmática caixa com cartões perfurados passa pelas mãos de Edward Mallory e de Sybil Gerard, sendo, posteriormente, objeto de estudo de Laurence Oliphant. Tal caixa guarda segredos de clacking (ferramentas de programação) que se inserem em uma conspiração que rodeia o Partido Radical.
Um dos grandes destaques do livro se encontra na precisão de detalhes. A descrição de uma Londres vitoriana ocupada por cabriolés, gurneys (carruagem equipada com motor a vapor), trens metropolitanos e infestada pelo “grande fedor”, exalado do rio Tâmisa por consequência do intenso despejo de esgoto, faz com que o leitor se sinta sufocado e torna a obra muito realista. Por outro lado, tal fato faz com que A Máquina Diferencial seja mais voltado aos fãs de ficção científica e de história, uma vez que demanda muita atenção e exige maior complexidade de compreensão.
Estética como ponto positivo
Além de possuir uma capa muito chamativa e bonita, a edição da Aleph também conta com um posfácio, um guia dos personagens e um glossário, todos esses itens localizados nas últimas páginas da obra. Assim, apesar de ser marcado com uma linguagem cheia de neologismos e vocabulários vitorianos, a leitura é simplificada devido à possibilidade de buscar explicações nesses textos complementares.
Essa construção do livro também permite que a leitura seja atual, mesmo ele tendo sido publicado originalmente em 1990. A narração é onisciente e os autores explicam que a intenção era que a voz do livro fosse um computador. Assim como o próprio Bruce Sterling cita, “o romance é uma longa aventura narrativa feita por computador. É sobre o fato de o futuro já estar aqui, só que ainda não distribuído; e de o passado ser uma espécie de futuro que já aconteceu”.
Por todos esses motivos, A Máquina Diferencial foi considerado um clássico do steampunk e cativou muitos fãs desse subgênero, além dos interessados na história da Inglaterra. O leitor acaba sendo inserido em uma realidade a vapor e, durante as 456 páginas, se depara com críticas sociais e panoramas políticos muito inusitados.