Persuasão é o último e mais maduro romance de Jane Austen. A autora conta a história de Anne Elliot, filha do meio de uma família abastada, jovem que é convencida pelo seu pai, irmã e amiga a negar o pedido de noivado de um capitão da marinha britânica, o Sr. Wentworth. Oito anos depois, Anne ainda é apaixonada pelo capitão e se arrepende amargamente por ter sido persuadida pelos familiares a se afastar do homem que amava.
A nova adaptação do clássico, dirigida por Carrie Cracknell, não se distancia muito da trama principal criada por Austen, em que Anne (Dakota Johnson) e Wentworth (Cosmo Jarvis) voltam a conviver e percebem que nunca foram capazes de superar o amor cultivado um pelo outro durante a juventude. Porém, Persuasão (Persuasion, 2022) tenta inserir uma característica nova, um tanto controversa: a quebra da quarta parede, em que Anne conversa diretamente com o público, explicita seus pensamentos e troca olhares com a câmera.
O recurso pode ser considerado controverso, pois em outras obras, como a série Fleabag (2016-2019) — em que Persuasão parece ser muito inspirado —, a quebra da quarta parede impacta de forma positiva o desenvolvimento da trama e aproxima o espectador das personagens. Porém, em Persuasão, tudo que esse recurso faz é destruir o desenvolvimento original de Anne, e o que no livro era uma personagem madura, paciente e jovial, se transforma em uma Anne Elliot amarga e arrogante que tenta desesperadamente ser a imagem de uma mulher do século XXI.
Por causa dessa divergência entre livro e adaptação, o longa pode ser analisado por dois pontos de vista diferentes: o de quem leu o romance e quem não leu. No segundo, Persuasão entretém e cativa os espectadores, é mais uma história de amor para a aba de “romance” do streaming, e cumpre o seu papel.
Como personagem principal, Dakota Johnson foi uma ótima escolha para trocar olhares furtivos com a câmera e conversar com o público, mas não teve o mesmo sucesso em demonstrar os sentimentos da personagem e em estabelecer o romance com Wentworth. O espectador só se convence de que a personagem está apaixonada pelo capitão por causa dos momentos de absoluta vergonha alheia e aqueles em que uma lágrima ou outra caem dos olhos de Dakota. Além disso, Anne acaba tendo maior química com o Sr. William Elliot (Henry Golding), do que com o próprio Sr. Wentworth, um grande erro da produção.
Os pontos positivos são o elenco diverso, composto por atores negros interpretando personagens da aristocracia inglesa do século XIX, e o humor que a “modernização” do roteiro produz.
E, do ponto de vista de quem leu o livro, a adaptação falhou de diversas maneiras. O longa foi de certa forma fiel aos acontecimentos principais do livro, mas cometeu o grande erro de divergir na construção das personagens principais e estragou toda a maturidade atribuída por Austen à obra. As outras personagens secundárias, intrinsecamente irritantes — quase um estereótipo fixo nas obras da autora — foram muito bem representadas pela sua vaidade, arrogância, ignorância e egoísmo; nada fora do esperado.
Também fica claro que a fotografia tentou trazer uma estética agradável para o filme, como em Emma (2020), mas sem sucesso. As cores apagadas, os figurinos sem graça e os cenários de certa forma modestos — levando em conta que os ambientes frequentados pelos personagens eram da aristocracia inglesa — só apagam a profundidade da história contada.
Ao final, Persuasão se equilibra entre ambas opiniões: uma adaptação ruim, mas que funciona bem como um romance à parte.
O filme já está disponível no catálogo da Netflix. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Reprodução/Netflix