Jornalismo Júnior

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Quando a febre quebra o termômetro

Não se sabe ao certo o que dizer depois que os créditos de Febre do Rato (2011) se extinguem por completo e o barulho da prensa mecânica cessa. O silêncio por causa de um filme que, paradoxalmente, bebe da palavra e dela vive, não se dá pela falta, mas pelo excesso. Excesso de coisas boas …

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Não se sabe ao certo o que dizer depois que os créditos de Febre do Rato (2011) se extinguem por completo e o barulho da prensa mecânica cessa. O silêncio por causa de um filme que, paradoxalmente, bebe da palavra e dela vive, não se dá pela falta, mas pelo excesso. Excesso de coisas boas e frutíferas numa árvore que tem suas raízes em Pernambuco.

Febre-do-Rato

Febre do Rato é filmado em preto e branco, e no segundo inicial é estranho aos nossos olhos, tão acostumados com a profusão de cores do cinema atual. Mas pouco tempo depois entendemos que a cor ali não pode existir, porque a essência é densa e pesada. A luz e sombra e as nuances de escalas de cinza variam como as palavras do roteiro, ora duras e secas, ora suaves e afáveis, mas seja como forem, sempre belas.

As ideias, histórias e textos, que em forma de poesia saem da boca de Zizo (Irandir Santos), o “Poeta”, ultrapassam os muros do mangue e gritam ao mundo. Seu avental feito de placas de tomografia protege sua pele da tinta do jornal que é impresso precária, mas cuidadosamente em sua casa, e que é levado à comunidade para nela incutir as propostas de mudança, as palavras que fervem, e a voz que clama entre outras grandes coisas: “Pra que tanta guerra? Podem calar as vozes oficiais, mas nunca a poesia. E minha boca é pura poesia. Safada, mas poesia. Entremeada, mas poesia. Arrotada, e mesmo assim, poesia.” Zizo é como um “Boca do Inferno”, oferecendo fogo para o incêndio daqueles que contrariam a livre expressão.

febre do rato 4

“Tragam um vasilhame para encher de liberdade, Tragam um vasilhame para encher de cumplicidade, tragam um vasilhame para encher de força.” Andando no seu carro-discurso, percorre as ruas da cidade dizendo o que pensa ao microfone, de forma direta, ácida e lírica.

O Zizo é um romântico, que na miséria que encontra se apaixona por mais uma guerra, Eneida (Nanda Costa). E é rejeitado. Mas como ele diz diante da recusa da musa amada, ele não é pouco e sua alma é exagerada. “Eu sei, você que não sabe disso, Poeta.” E o homem que tinha como símbolo do prazer uma caixa d’água no quintal de casa, cheia até a boca, a esvazia. “Não há mal maior quando a vontade se impõe à força. Nada é mais triste que o amor sem amor.” Mas o Poeta não emudece e, em meio às eloquências cotidianas, quebrado na emenda, ele continua, mais sorrindo do que sério. “Eu sou apaixonado pelo desprezo afetivo de Eneida. Com sua alegre mortalha de paixão, Eneida é grande, e eu sou assim… menor. Eu sou uma porra de um romântico anacrônico. Um aleijado do coração.

Febre do Rato

O Poeta caminha entre a poesia que afaga os ouvidos e a que abre os olhos. Brada aos “dos prédios” que o cheiro da cidade é o cheiro do mangue, que o barulho da cidade é o barulho dos tamancos das lavadeiras de casa amarela e que o gosto da cidade é o gosto das putas abandonadas no cais.

Febre do Rato, evoca o grito desse “abismo-mundo”, evoca “um sonoro não para um sonoro sim”. Como significa o dito popular no Nordeste, é aquilo que está fora de controle, que não se aguenta mais em si mesmo, e que precisa explodir, “verborragear”.

Febre Alta
Desculpe leitor, mas neste espaço se faz necessário contar parte do final.

febre do rato 7

Zizo, com suas ideias e ideais, resolve levar sua palavra e corpo ao desfile de 7 se setembro, e junta uma caravana saída do mangue. Lá, dentre as manifestações pacíficas, mas fervorosas da alma, num ato de pura poesia à chegada de Eneida, propõe que todos se dispam, para que nada impeça que os versos cheguem aos corações. Os corpos nus despertam a fúria dos policiais disfarçada de instinto de prestação de serviço social. Zizo é levado em meio aos gritos e braços de todos, mas seu destino é o rio, e não a delegacia. Desacordado, é carregado pelas mãos da polícia que xinga e ameaça, e o joga nas águas, que se acalmam com o peso do corpo que flutua em meio aos ratos na água bonita, mas fétida. E assim, de repente, ele desaparece e deixa uma atmosfera vazia e calada. O Poeta é afogado por causa das suas palavras verdadeiras.

Além de trazer à mente as inúmeras mortes e sumiços que permearam o período de ferro da Ditadura Militar, a cena faz pensar nas manifestações contra o aumento da passagem que se deram em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e em muitas outras cidades brasileiras, trazendo à tona, mais uma vez, a questão do abuso do poder e da força que se vê ora e sempre. Na manifestação de quinta-feira, 13 de junho, houve mais balas de borracha e gazes que em quaisquer outros dias de protesto. Nesse dia, o slogan era “sem violência”, mas a tropa não pôde se conter. Pessoas feridas e acuadas em meio ao uso desmedido e cego da força, que envergonhou e indignou a população.

febre do rato 5

Zizo é um símbolo de todas as pessoas que, por tentarem modificar para melhor o que há de podre e errado na sociedade, foram de alguma forma forçadas a se calar. Como diz o Poeta, a história quem cria é quem vê, e Febre do Rato dá margem para várias delas, todas sugerindo reflexões incrustadas em versos líricos.

 

por Sofia Calabria
sofiacalabria@gmail.com

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