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Rock e Violência

O gênero musical que se associou à transgressão ao longo do tempo não esta morto. Por Matheus Pimentel (matheus.pimentel.aguiar@gmail.com) e Vitória Batistoti (batistoti.v@gmail.com) Durante a década de 50, o mundo assistiu, atônito, ao surgimento do rock’n’roll. Originário de ritmos americanos como o blues e o jazz, o rock encantou multidões com seu som intenso e …

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O gênero musical que se associou à transgressão ao longo do tempo não esta morto.

Por Matheus Pimentel (matheus.pimentel.aguiar@gmail.com) e Vitória Batistoti (batistoti.v@gmail.com)

Durante a década de 50, o mundo assistiu, atônito, ao surgimento do rock’n’roll. Originário de ritmos americanos como o blues e o jazz, o rock encantou multidões com seu som intenso e alvoroçado. Nomes como Bill Haley, Chuck Berry e Elvis Presley agitavam a cena musical e conquistavam um sem-número de admiradores. Em seu estágio inicial, predominavam letras lúdicas e românticas acompanhadas de uma toada dançante.

Porém, a partir dos anos 60, com a fragmentação do rock em diversos gêneros, o som mais pesado, no qual a guitarra elétrica desempenhava papel central, passou a ter posição de destaque. Era a psicodelia. Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Doors, Pink Floyd e os Beatles, dentre outros, encantaram os amantes do rock com um som rico, experimental, que gozava de letras enigmáticas e críticas. Essa guinada não foi incidental: a década de 60 mostrou o auge do fenômeno da contracultura. Questionavam-se as autoridades, condenavam-se as guerras, almejava-se a liberdade plena do indivíduo. A arte e, sobretudo, a música não podiam sair incólumes à tamanha agitação cultural. O rock passou a ser um ato de transgressão.

Festival de Woodstock, em 1969, uniu música e contracultura. Imagem: woodstock.wikia.com

O movimento da contracultura, que teve seu auge em 1960 nos Estados Unidos, é um grande exemplo de contestação social. Os jovens adeptos a ele rejeitavam o consumismo, o anticomunismo, os conflitos da Guerra Fria, o patriotismo, a estética padrão, entre outros valores. A música se envolveu com a contracultura principalmente com a criação de Woodstock, festival que ocorreu em Nova York no ano de 1969. Dentre os vários músicos e bandas que participaram do evento, muitos compuseram melodias que contestavam a existência da Guerra do Vietnã, como Jimi Hendrix, artista que reproduziu no festival o hino americano, The Star-Spangled Banner, em sua guitarra elétrica, adicionando à performance sons que simulavam bombas sendo jogadas e explodindo, disparos de armas de fogo, gritos e choros – o que representaria a atmosfera de uma guerra brutal. Além de Hendrix, a banda The Doors (que não participou de Woodstock), também fez sua contribuição contra o conflito com a música Unknown soldier, que criticava a forma como a Guerra do Vietnã era abordada pela imprensa americana. Ao longo da canção, a banda produz sons que se assemelham a execuções e, em algumas performances, o guitarrista Robby Krieger apontava sua guitarra na direção de Jim Morrison, vocalista do conjunto, como se fosse uma arma, ao passo que o baterista John Densmore simulava disparos. Após alguns segundos, a guitarra “atirava” e Morrison caía no chão, como se estivesse morto. (Veja aqui a apresentação da banda The Doors em Hollywood Bowl).

Data desse período a imagem de que o rock é um ritmo violento. O som agressivo e a postura irreverente dentro e fora dos palcos eram de praxe. Junta-se a isso o vasto consumo de drogas ilícitas, algo socialmente relacionado às atitudes violentas. Era um conflito de moralidades. Exemplo disso foi a série de censuras a letras no The Ed Sullivan Show, tradicional programa de TV estadunidense. Em 1967, os produtores pediram para que Jim Morrison mudasse o trecho da música Light my fire que dizia “girl, we couldn’t get much higher” (“garota, não poderíamos ficar mais chapados”). O vocalista consentiu, mas na hora cantou a letra original. Outro caso semelhante, no mesmo ano, envolve os Rolling Stones, que também não cederam à restrição do verso “let’s spend the night together” (“vamos passar a noite juntos”).

Rock e sua agressividade

Tal conflito entre uma arte “comportada” e o rock se tornou ainda maior com o advento de gêneros como o heavy metal e o punk. Este último buscava resgatar o lado mais desobediente do rock, que, para eles, havia sido demasiadamente banalizado. “Para mim e outros fãs, o rock’n’roll significava essa música selvagem e rebelde”, declarou John Holmstrom, fundador da Punk Magazine. As performances imprevisíveis e enérgicas no palco eram a marca do punk. Seu som, provocador, explosivo e intenso. Uma definição comum tratava da inexperiência dos músicos, endossada por Holmstrom. “Essa é uma boa descrição do punk rock. Era rock’n’roll feito por pessoas que não tinham muita habilidade, mas mesmo assim sentiam a necessidade de se expressar através da música”, disse. Um grande nome da cena punk foi a banda The Stooges, cujo vocalista, Iggy Pop, fazia apresentações memoráveis no palco.

Pete Townshend, do The Who, foi o primeiro a "violentar" uma guitarra no palco, em 1964. Imagem: divulgação
Pete Townshend, do The Who, foi o primeiro a "violentar" uma guitarra no palco, em 1964. Imagem: divulgação

O heavy metal – em que se destacaram Deep Purple, Black Sabbath, Judas Priest, entre outros –, caracterizado por guitarras distorcidas e vocais vigorosos, trouxe à cena musical uma intensificação da atitude agressiva nos palcos. Músicas sobre morte no campo de batalha, suicídio, loucura ou dependência de drogas são frequentes. O som atinge um nível altíssimo de decibéis e frequentemente irrita os pais dos adolescentes, público comum do gênero. Pode-se dizer que foi a música de toda uma geração de jovens nos Estados Unidos e na Inglaterra e se espalhou, com diferentes intensidades, pelo mundo. A música é apenas parte da experiência, que só se completa com o clima apoteótico dos shows. Os gritos e gemidos tratam da rebeldia e da sexualidade.

Alguns grupos proeminentes no cenário internacional tiveram histórias amargas que envolvem a violência. O então guitarrista do Metallica, Dave Mustaine, foi expulso em 1983 pelo consumo de drogas e comportamento violento (ele, então, fundou o Megadeth). Em 2004, o guitarrista da banda Pantera, Dimebag Darrell, foi morto a tiros durante um show em Ohio. Já Suicide, precursor do punk, fez um show em Bruxelas, em 1978, em que a aversão do público ao som da banda juntamente à ansiedade em ver a atração principal do dia, o cantor inglês Elvis Costello, provocou um grande tumulto. Alan Vega, vocalista, teve o nariz quebrado. O episódio é considerado um marco na história do punk.

São relativamente comuns, entretanto, casos de fãs que saem feridos ou mesmo mortos de grandes concertos de rock. O metal, não raro, é acusado de induzir as pessoas a terem um comportamento violento. Mesmo décadas depois, a palavra-chave permanece sendo “transgressão”, e, assim, o barulho alto é o meio de se expressar a irreverência. Em shows de rock, já é costumeira a chamada “roda de pogo”, que, garantem os praticantes, nada tem a ver com violência. Trata-se, na verdade, de uma dança e de um momento de diversão.

Rock: tortura musical?

Se a relação entre rock e violência é bastante controversa, em um ambiente ela é unânime. Na prisão militar de Guantánamo, há relatos da utilização de músicas de bandas como Metallica e AC/DC para torturar os detentos. “Quando digo às pessoas que música pode ser tortura, elas olham para mim e pensam que eu devo ter um parafuso solto. Como a arte, que dá tanto prazer às pessoas, pode ser torturante? Mas é verdade. Você consegue suportar a tortura comum, mas não a da música”, contou Ruhal Ahmed, um inglês que passou dois anos preso em Guantánamo.

Ironicamente, a música, forma de arte que com frequência foi usada para mudar o mundo (em eventos como Woodstock e Live Aid), foi convertida numa arma na guerra contra o terrorismo. A música é colocada em volumes altíssimos e toca até mesmo por dias a fio, enquanto o preso permanece soerguido pelos pulsos. Há também procedimentos de se amarrar o preso e pôr fones em seu ouvido, assim como trancá-lo numa caixa de madeira enquanto ele suporta noites inteiras de música estrondosa. “Quando eu era espancado, eu conseguia usar a minha imaginação para esquecer a dor. Mas a música te deixa completamente desorientado. Ela domina o seu cérebro. Você perde controle e começa a alucinar. Você é levado a uma fronteira e percebe que a loucura está à espreita do outro lado. E uma vez que você ultrapassa a linha, não tem volta. Eu vi essa fronteira várias vezes”, desabafou Ahmed.

O rock nacional

A violência desse amado ritmo que é o rock não se restringe à sonoridade, a extensos solos de guitarra ou a berros do vocalista. Ela pode estar presente nas letras, na melodia e no significado por detrás da composição. Em cada década específica, as bandas possuíam letras que contestavam a ideologia do momento, os modelos da sociedade vigente e problemas com que se deparavam. A violência das músicas é também implícita, provocando rebuliço em seus ouvintes. É um modo de se questionar comportamentos e paradigmas, além da luta por transformações sociais e pela quebra de estereótipos.

Considerado o "pai do rock brasileiro", Raul Seixas cantava a sua sociedade alternativa com letras inteligentes e reflexivas. Imagem: uol

Em âmbito nacional, a década de 80 foi um momento desfavorável ao então governo: o país enfrentava uma grave crise econômica, a inflação crescia e havia uma proliferação de denúncias contra os graves crimes cometidos pelo Estado. De acordo com Marcos Francisco Napolitano, professor de História do Brasil da USP, “a cultura passou a ser o território de rearticulação política, uma espécie de esfera pública da oposição civil ao regime militar” durante os anos 80. Foi nesse período de profundas transformações que o rock brasileiro se alavancou.

Os movimentos gerais da época visavam atuação na sociedade civil pela ação direta, como forma de resolver problemas sociais. Ou seja, eram movimentos que extrapolavam reivindicações por democratização política e partiam para o âmbito da democratização social, o que é notório nas músicas do período. Bandas como Titãs, Ira!, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus, Legião Urbana e Plebe Rude, por exemplo, representavam esse novo período musical. Mas, com o final da década de 1980, a era mais revolucionária do rock brasileiro mostrou sinais de decadência.

Alguns vídeos:

(Inútil, do Ultraje a Rigor, faz uma crítica à imagem do povo brasileiro na década de 80. Violenta, portanto, o comodismo do brasileiro)

(Nasci em 62, da banda Ira!, é um protesto dos rockeiros do momento contra a imagem de alienados que eles próprios possuíam aos olhos dos críticos)

(Homem primata, dos Titãs, faz severas queixas ao homem contemporâneo, acusando-o de não ter evoluído de fato e de possuir relações e valores sociais regidos primordialmente pelo lucro e pelo dinheiro)

(Selvagem, dos Paralamas do Sucesso, tece crítica à composição social em conjunto: a repressão policial, a natureza dissimulada dos discursos do governo, a desigualdade e o preconceito étnico-social. É uma canção que violenta por questionar a ordem estabelecida, por contestar os problemas que a sociedade fingia não enxergar)

Mesmo enfraquecida, a essência do rock que luta, debate, protesta e contesta não está perdida. O cenário artístico ainda conta com grandes bandas que violentam musicalmente e representam a luta por transformações sociais. Os gritos são por liberdade, os acordes de guitarra buscam a transcendência. O gênero musical talvez mais popular da história possui seu valor e exige respeito, seja com agressividade ou com poesia.

1 comentário em “Rock e Violência”

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