As Olimpíadas de Tóquio 2020, realizadas entre julho e agosto de 2021, foram uma das edições do evento que mais trouxeram reflexões e debates sociais — não só por causa da crise mundial causada pela covid-19, mas também pelos protestos de alguns atletas contra o racismo; pela presença da mesma quantidade de mulheres e homens em competição pela primeira vez e pela presença da primeira atleta transexual nos Jogos. Entre as reflexões, um dos assuntos que mais repercutiram é uma questão que transtorna milhões de pessoas: os desafios com a saúde mental.
O debate foi iniciado pela jovem tenista japonesa Naomi Osaka, ainda no início do evento, quando foi escolhida para levar a tocha olímpica e sua história repercutiu nas notícias esportivas. Depois, o debate foi fortalecido pela ginasta dos Estados Unidos e multicampeã Simone Biles, que surpreendeu o público nas provas pelo nervosismo e erros nas apresentações. Isso porque, como uma das maiores medalhistas da história dos Estados Unidos (com quatro ouros olímpicos na modalidade de ginástica artística), Biles era vista como uma atleta quase perfeita; cair ou de fazer um movimento fora do planejado era considerado muito improvável. Além de cair várias vezes, a atleta ainda resolveu desistir de algumas provas. Da mesma forma, Osaka também já surpreendeu o público ao abandonar, antes das Olimpíadas, um dos maiores torneios de tênis do mundo, o Roland Garros, mesmo sendo considerada uma das atletas favoritas para a disputa e uma futura estrela. O motivo comum entre essas e outros atletas que desistiram das competições é a necessidade de cuidar da própria saúde mental.

O desafio da saúde mental dos atletas

A busca por resultados cada vez melhores traz consequências emocionais e físicas. “O atleta terá que deixar a família de lado, comer de forma diferente e talvez até sofrerá alguma lesão para conseguir colocar sua meta em prática”, explica a psicóloga.
No caso dos atletas olímpicos, as expectativas sobre o desempenho são especialmente elevadas, pois eles representam não apenas suas equipes, mas também uma nação. Vogel ainda destaca que, devido a essa grande responsabilidade que carregam, os atletas precisam lidar com pensamentos de comparação, já que muitas vezes se sentem inseguros diante da performance de seus adversários.
Além da insegurança e da pressão por resultados, outros fatores de estresse psicológico podem afetar o desempenho dos atletas. É o que destaca a Luciana Angelo, coordenadora do Curso de Aperfeiçoamento e Especialização em Psicologia do Esporte do Instituto Sedes Sapientiae e psicóloga da Seleção Brasileira de Futebol Feminino Sub 20: “Mortes de familiares, términos de relacionamentos, lesões durante o período de treinamento, relações interpessoais conflitantes no grupo esportivo, seja com a comissão ou com outros atletas. Todas essas situações podem gerar, em algum momento, um estresse mais elevado”.
Vários atletas profissionais lidam também com transtornos psicológicos. É o caso do maior medalhista olímpico da história, o ex-nadador estadunidense Michael Phelps — que revelou em 2018 que sofreu de depressão e chegou a pensar em suicídio após os Jogos Olímpicos de 2012 — e da já mencionada tenista Naomi Osaka, que fala abertamente sobre sua luta contra a depressão e a ansiedade.

A pesquisadora ainda explica que problemas como machismo, assédio, homofobia e racismo são comuns no mundo esportivo: “O esporte não existe apartado da sociedade e da cultura. Então, se a sociedade é estruturalmente machista e racista, isso também chega ao contexto do esporte”. Isso pode afetar, assim como a pressão ou os problemas pessoais, a saúde mental do atleta. “Daiane dos Santos já revelou que, quando treinava e competia, havia atletas que não queriam usar o mesmo banheiro que ela. Claro que esse tipo de situação afeta o atleta”, afirma Telles.
A pandemia

Um exemplo disso é o arremessador de peso Darlan Romani, quarto colocado na modalidade nas Olimpíadas de Tóquio, que treinou em um terreno baldio durante o período de lockdown em Bragança Paulista (SP) — um vídeo de seu treino improvisado, inclusive, viralizou nas redes sociais.
Vogel elenca outros desafios impostos pela pandemia aos atletas olímpicos, tais como: o medo de contrair covid-19 na véspera das Olimpíadas e não poder participar da competição; a eventual perda de patrocínios devido a problemas financeiros dos patrocinadores; o luto diante da perda de entes queridos e as possíveis sequelas decorrentes da infecção pelo coronavírus, principalmente aquelas ligadas a problemas respiratórios.
Como preparar os atletas emocionalmente?
O trabalho com a saúde mental em meio a pressões, estresses e traumas é importante, mas como isso é feito na prática? Telles explica que, no Brasil, é perceptível um cuidado maior com a saúde mental do que em outros países. “Quando a gente fala sobre a psicologia do esporte e preparação psicológica, infelizmente não necessariamente vemos um cuidado com a saúde mental. Às vezes, é feito um trabalho de preparação psicológica muito técnico”, afirma. “Tem-se a melhoria da performance, com estratégias cognitivas para melhorar a concentração, atenção e percepção do atleta… Então, muitas vezes, o trabalho de preparação psicológica apenas ensina ao atleta as técnicas, estratégias e ferramentas, em vez de visar a saúde mental”, explica a presidente da Abrapesp.
“Historicamente temos uma tendência muito grande de técnicos esportivos, coaches ou até amigos do atleta considerarem que conseguem cuidar da parte psicológica. Mas é um trabalho que exige tempo, não acontece do dia para a noite. Rebeca Andrade, que ganhou a prata e ouro na ginástica, faz preparação psicológica há 9 anos”, completa Telles. Ela afirma que a preparação psicológica deve vir desde a base do atleta, antes mesmo dele atingir um alto nível e participar de grandes competições, para chegar lá com uma preparação interdisciplinar completa — de psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde.

De acordo com Angelo, a psicologia do esporte é uma área ampla e responsável não só por cuidar dos aspectos psicológicos referentes aos esportes de alto rendimento, como também lidar com as especificidades técnicas, físicas, táticas e culturais que são inerentes às modalidades esportivas. Em vista disso, a professora destaca que é muito importante que um psicólogo que queira trabalhar com esporte primeiramente estude as modalidades. Assim, pode compreender particularidades que envolvem as práticas esportivas e a modalidade a ser trabalhada, como o vocabulário utilizado, os métodos de treino e as relações interpessoais entre as comissões, por exemplo. Para ela, uma forma de assegurar que o atleta tenha um bom preparo emocional parte desse pré-requisito e da formação de profissionais competentes e especializados.
Além disso, parte do cerne da psicologia esportiva é a interdisciplinaridade. Ter contato direto com profissionais de outras áreas do contexto esportivo é fundamental para que se crie uma rede de apoio, que irá facilitar a condução de estratégias para melhor atender às vulnerabilidades psíquicas e socioculturais dos atletas.
A psicologia, segundo Angelo, trabalha o desenvolvimento das competências psicológicas, como comunicação, conhecimento e habilidades sociais, além das exigências técnicas e táticas dos esportes, referentes à atenção, concentração e modos de gerenciar estresse e ansiedade — que facilitam a adaptabilidade e possibilitam a criação de ambientes saudáveis. Esse tipo de programação não mecanizada serve como medida preventiva para que o atleta identifique, em momentos de apreensão ou erro, que ele se preparou para aquilo e que consegue prosseguir em sua tarefa sem se comprometer.
Essa articulação é contínua, com desdobramentos posteriores às competições, a partir de feedbacks da equipe do atleta (técnico, psicólogo e assistente), que avalia seu rendimento e elenca formas de aperfeiçoar sua performance, desde o treinamento de base até a execução em campeonato.
O Comitê Olímpico Internacional, especialmente após os Jogos Olímpicos Rio 2016, lançou um programa de apoio e cuidado em relação à saúde mental, devido ao alto índice de depressão e suicídio entre atletas de alto rendimento. Isso influencia no tratamento e desenvolvimento de ações preventivas nos centros esportivos — e ajuda na ampliação do debate sobre saúde mental.
Ainda que desempenhem um papel importante na representação e cultura do país, os atletas, sobretudo os de alto rendimento, estão propensos a exigências irreais, seja por parte dos comitês e equipe de que fazem parte, ou por parte de suas próprias ambições e metas. Isso influencia na aparição crescente de doenças psíquicas, cada vez mais recorrentes no meio esportivo — o que torna as discussões sobre bem estar psíquico urgentes e prioritárias no cenário.