Por Fernanda Zibordi (fernanda.zpaulo@usp.br)
Seja por ter visto filmes de mistérios conspiracionistas como Código Da Vinci ou por tê-la estudado em suas aulas de Álgebra, você provavelmente já ouviu falar da sequência de Fibonacci. Uma progressão numérica especial que intriga muitas pessoas por sua beleza e seus mistérios. Mesmo com diferentes histórias de origem e mitos que circulam, a sequência vai muito além de um conjunto de meras coincidências do mundo natural. Mas o que ela é exatamente? Neste texto do Laboratório, você vai poder conhecer um pouco mais sobre como essa sequência funciona e o porquê dela chamar tanta atenção do ser humano para o universo ao seu redor.
O que é a Sequência de Fibonacci?
A sequência de Fibonacci não é nada mais que uma sucessão bem específica de números: ela é infinita e consiste na ideia de que qualquer número da sequência sempre será formado pela soma dos dois anteriores. Dessa forma, começando pelo número um, ele é seguido por um (soma do zero mais um), e assim por diante:
{1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233…}
O motivo dessa sequência matemática ser tão intrigante é que ela pode ser encontrada em vários fenômenos da natureza e em várias áreas do conhecimento como na matemática, na física, na arte, na arquitetura e no design.
Os primeiros números
A primeira menção da sequência nos registros da história ocidental foi feita pelo matemático italiano Leonardo de Pisa (1170 – 1250), também conhecido como Fibonacci. No ano de 1202, ele publicou sua maior obra, Liber Abaci (Livro do Ábaco ou de Cálculo), em que apresenta a demonstração da sequência de Fibonacci a partir de um estudo sobre a evolução da população de coelhos.

Desconsiderando fatores biológicos reais, o problema é proposto da seguinte forma: um casal de coelhos demora dois meses para atingir a idade fértil e, quando atinge essa idade, se reproduz, sempre originando mais um casal, e assim o processo se repete. A pergunta feita pelo matemático foi a respeito de quantos casais de coelhos existirão ao final de um ano.
A partir da ideia ilustrada no esquema abaixo, Fibonacci concluiu que a quantidade de casais de coelhos cresceria seguindo uma mesma ordem, e a sequência infinita gerada pelos números de casais obtidos em cada mês decorrido seria formada pela soma dos dois números anteriores. Aí se anunciava a célebre sequência que, posteriormente, seria nomeada em homenagem a um dos mais importantes matemáticos europeus da Idade Média.

[Imagem: Produção/Diego Facundini]
Natureza organizada
O que torna a sequência de Fibonacci tão interessante é que ela pode ser encontrada em diversos cantos da natureza, das formas mais variadas. Uns dos exemplos mais conhecidos são as pétalas de flores: espécies como o girassol e a margarida apresentam variações no número de pétalas seguindo os valores da sequência.
Outro caso são as árvores genealógicas de zangões de espécies de abelhas produtoras de mel, chamadas melíferas. A reprodução deles é feita a partir da partenogênese, ou seja, sem a inserção do material genético do macho. Assim, é possível dizer que todo zangão só teria “mãe”, essa que, diferentemente, foi gerada pela união do material genético do macho e da fêmea. Seguindo essa lógica, ao se construir uma árvore genealógica de um zangão, poderá se observar que o número de seus ancestrais aumenta na proporção da sequência de Fibonacci.
Cláudio Possani, professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo explica que isso acontece “porque muitos fenômenos biológicos ocorrem por ciclos”. A organização das sementes das pinhas, o crescimento de ramos e troncos de algumas espécies de plantas, o arranjo da espiral do abacaxi e até a estrutura de galáxias são outros fenômenos naturais que apresentam relações com a famosa progressão numérica.

“Cada vez que ocorre um fenômeno deste tipo, em que a quantidade de objetos num ciclo depende dos dois ciclos anteriores, vamos encontrar a sequência. Por isso que em muitas flores o número de pétalas que encontramos é um número da sequência”, diz o professor.
1,6180339887…
Os termos da sequência de Fibonacci também possuem relação direta com o chamado número de ouro, que pode ser encontrado em diversas obras artísticas e arquitetônicas. Simplificando bem, quando dividimos um número da progressão pelo imediatamente anterior, o resultado será cada vez mais próximo do valor 1,618… à medida em que se avança na sequência.
Esse valor, um número irracional e infinito, é representado na Matemática pela letra grega phi (φ), em homenagem ao escultor grego Phidias, que teria utilizado bastante o número de ouro, também chamado de proporção áurea, em seus projetos. É com essa mesma proporção que pode ser montado o conhecido retângulo áureo, esse muito utilizado no mundo da arte por ser considerado esteticamente agradável aos olhos.

Pintores do Renascimento, como Leonardo da Vinci, possuem pinturas em que a proporção áurea pode ser encontrada, sendo os exemplos mais famosos Mona Lisa e A Última Ceia. Para Claudio, parte da beleza da Matemática está nisso: “tudo que é importante, fundamental, se conecta com outros aspectos. A Matemática é um corpo integrado de conhecimentos”.

Tá, mas o que fazemos com isso?
Apesar dessas aparições tanto na natureza quanto na arte, resta a dúvida a respeito da real utilidade da sequência em nosso cotidiano. E sim, ela pode ser encontrada em muitos elementos do nosso dia a dia que nem sequer paramos para pensar. “A sequência de Fibonacci aparece em coisas muito curiosas, como em reflexões de ondas de luz”, diz Ricardo Miranda, professor e diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Gráfica da Unicamp (IMECC).
“Quando se tem uma luz refletindo em um meio como, por exemplo, em fibras ópticas chegando até a nossa casa, a quantidade de reflexões que o raio vai sofrer na fibra óptica tem uma relação bastante interessante com a sequência de Fibonacci: basicamente, o número de caminhos que o raio percorre é dado pelos termos da sequência”, diz o professor.
Stephanie Nietto, licenciada em Matemática pela Unicamp, comenta que ela pode ser usada no mercado financeiro para guiar tomadas de decisões, como também pode aprimorar a forma como algoritmos de programação resolvem problemas.
Nem tudo o que reluz é ouro
Mesmo que a famosa sequência numérica tenha características deslumbrantes do ponto de vista matemático, existem diversos mal entendidos e mitos que giram em torno do assunto da sua descoberta, como também das suas propriedades.
Há muitos indícios de que a sequência, na realidade, não foi descoberta por Leonardo Fibonacci com seus estudos de reprodução de coelhos. “Apesar dessa história lúdica e bastante explicativa, há artigos acadêmicos que indicam o uso dos números de Fibonacci já na matemática indiana medieval”, afirma Stephanie. Segundo historiadores, o matemático italiano tem como grande legado a introdução desses conhecimentos da matemática do oriente à civilização ocidental.
A sua principal contribuição foi ajudar o desenvolvimento matemático da Europa ao popularizar no continente a noção dos numerais indo-arábicos, que substituíram os algarismos romanos e se tornaram a base do sistema numérico ocidental, utilizado até os dias de hoje.
Outra questão é que, apesar de poder ser encontrada em diversos fenômenos naturais, a sequência de Fibonacci não se trata de uma lei regedora do universo ou um código secreto da natureza, como é difundido. Ainda que em muitas situações ela possa ser encontrada, há muitas outras que não seguem essa regra.
“Apesar de admirável, a sequência de Fibonacci não consegue explicar a infinidade de fenômenos complexos que ocorrem na natureza e dependem de diversos outros fatores variáveis. Acredito que, uma sequência dada, inflexível e tão simples, não rege o mundo e, muito menos, toda a matemática”, diz Stephanie. Em sua avaliação, seria uma utopia ter explicações para tudo, principalmente em um campo tão complexo e ainda não totalmente explorado como o das exatas.
Além disso, não há comprovações de que a proporção áurea seja a “essência da beleza”. Tratando-se de uma questão estética, é bastante subjetivo a ideia do que seria belo ou não. Para Miranda, essa ideia de beleza da sequência pode ser explicada pelo fato dos seres humanos acharem padrões simétricos bonitos e ficarem incomodados com assimetrias.
Ainda que seja possível encontrar diversas relações entre a belíssima sequência de Fibonacci e a realidade, elas são apenas algumas das incontáveis formas do Universo girar suas engrenagens.
Parabéns cara Fernanda Zibordi pela reflexão e pelas fontes, as discussões sobre a sequência de Fibonacci ainda são incipientes, mesmo na academia; sem dúvida alguma levar isso aos estudantes é bastante profícuo…