Sex Education (2019-presente) fez sucesso na Netflix ao abordar a sexualidade sem muitas censuras, algo não tão comum em séries com adolescentes como público alvo. As primeiras cenas dos episódios exageram o tema de propósito e constrangem o espectador, o que revela a tentativa de rompimento com preconceitos. Isso juntamente com a estética dos anos 1980, que se mistura aos elementos tecnológicos da década presente.
O enredo da 1ª temporada da série já não é usual. Otis Milburn (Asa Butterfield) é filho de uma terapeuta sexual e possuiu traumas em relação a sexo desde a infância, adquiridos após flagrar o seu pai envolvido com outra mulher fora do casamento. Junto de Maeve Wiley (Emma Mackey), uma adolescente rebelde, os dois montam uma clínica de terapia no banheiro da escola, onde, de modo sigiloso, dão conselhos a alunos com problemas em relação à sua própria eficiência sexual.
Na 3ª temporada, lançada no dia 17 de agosto, o espectador é introduzido à nova diretora do Colégio Moordale: Hope Haddon (Jemima Kirke). Por trás do rosto simpático da ex-aluna da escola, Hope cada vez mais transparece uma personalidade autoritária. Isso preocupa os alunos, cujas identidades passam a ser moldadas por ela. A sua chegada na direção simboliza uma quebra nas conquistas que os adolescentes caminharam para conseguir durante as duas primeiras temporadas.
O novo colégio de Hope é formado e novas regras são postas, como a obrigatoriedade dos uniformes, que são cinza e se contrastam com as roupas coloridas que os jovens costumavam usar. Os estudantes também são frequentemente humilhados por ela, que não esconde o seu caráter inflexível e a sua intenção de manter a aparência de uma escola tradicional para os pais mais conservadores. A nova diretora também marca explicitamente o fim da clínica de Otis e Maeve, ao demolir o banheiro em que as sessões de terapia eram feitas.
Mas o interessante é perceber como Sex Education dificilmente caracteriza um personagem como um completo vilão, sem demonstrar o outro lado da moeda. Assim foi com Adam (Connor Swindells) e Michael Groff (Alistair Petrie), personagens pintados como antagonistas por um tempo, até que a série analisou os seus aspectos emocionais e mostrou o porquê deles se comportarem de tal forma.
As questões psicológicas dos personagens, claro, não os isentam de seus atos, mas servem para compreender as suas camadas. Desse jeito, Hope também mostra, mesmo por pouco tempo, o seu lado mais humano. Na verdade, o ponto dessa temporada é o conflito de gerações, que se reflete a partir da realidade além das telas, um aspecto excepcional da obra.
Sex Education utiliza disso para dar visibilidade para outras identidades, como o gênero não-binário. Cal (Dua Saleh) é a chave para a tentativa de retorno da escola ao que era antes de Hope, e os seus enfrentamentos são válidos para as reflexões que assolam os episódios. O papel de Cal na temporada é importante não só para o questionamento do espectador pouco familiarizado com as questões de gênero, mas também para provocar a sensação de pertencimento de quem assiste e faz parte da comunidade LGBTQIA+. Apresentar outra pessoa não-binária além de Cal também foi crucial para a consolidação do ponto de que as pessoas têm suas particularidades e que suas jornadas de autoconhecimento podem se diferenciar.
Os momentos de Eric (Ncuti Gatwa) e de sua família na Nigéria foram mais um elemento positivo. Não apenas por mostrar a riqueza cultural africana, mas, principalmente, por abordar as intolerâncias em outros lugares do mundo. De maneira sutil, Sex Education conseguiu evidenciar os medos de pessoas que vivem em situações de perigo devido a sua sexualidade, como é o caso dos nigerianos, haja vista que ser LGBT configura um crime no país. Ainda assim, na companhia de Oba (Jerry Iwu), a noite em que os dois passam numa casa noturna em Lagos marca um instante de paz para o jovem, por se sentir livre para ser quem ele é.
À medida em que a sociedade se propõe a falar mais sobre esses assuntos, mais as mídias são cobradas para representarem a pluralidade de pessoas na sociedade, e Sex Education aposta nisso. Os seus personagens são distintos e, muitos deles, fora do padrão. Não só em relação à aparência, mas também ao comportamento. A forma com que a série aborda esses tópicos em seus personagens pode ser contestada, mas ela certamente se destaca de outras que ainda insistem em ficar para trás na linha do tempo geracional.
Outro ponto da 3ª temporada foi o desenvolvimento de Adam. A porta que Sex Education abriu para explorar a sua evolução foi um diferencial dessa temporada em relação às outras, que limitaram o personagem à casca de agressivo por não aceitar a sua homossexualidade.
Adam agora se mostra mais do que um garoto desajustado e com problemas de socialização. A sua interação com outros personagens o fez manifestar o seu lado inteligente e adaptável às situações, e a sua dificuldade de se expressar é trabalhada durante os episódios, após ajuda de Otis.
O maior “empurrão” para o progresso de Adam é o seu relacionamento com Eric, que instiga nele essa vontade de mudança. O personagem mostrou possuir um grande potencial, e ter aberto margem para desenvolver isso foi um acerto da série.
O relacionamento de Otis e Ruby (Mimi Keene) foi surpreendente. A série indica que os dois são incompatíveis em vários aspectos, mas eles não deixam de dar certo necessariamente por isso. Os personagens têm química, e assisti-los descobrir o que sentem um pelo outro, dada as inimagináveis circunstâncias, foi um ponto alto da temporada — fora descobrir um lado mais profundo de Ruby, que mostrou ser muito além de uma adolescente superficial ao deixar transparecer suas vulnerabilidades para Otis.
A Netflix já confirmou a 4ª temporada de Sex Education, e sobre isso, as expectativas são várias: o futuro do Colégio Moordale, a filha de Jean (Gillian Anderson), a amizade entre Adam e Rahim (Sami Outalbali) e o provável endgame (final feliz) entre Otis e Maeve.
Um dos fatores que faz Sex Education continuar a ser relevante a cada lançamento de novas temporadas é o holofote dado a assuntos pouco discutidos abertamente, mas que devem ser normalizados. Os componentes de décadas anteriores em uma obra que se passa nos dias atuais confere a ideia de problemáticas antigas que perduram no corpo coletivo. Assim, a quebra de paradigmas é necessária para dar visibilidade às identidades das pessoas e aos seus impasses que, ao contrário do senso comum, não são exclusivos da geração de hoje.
Apesar da série não detalhar completamente os assuntos retratados — o que é compreensível, visto que ela não se propõe a focar neles, e sim na vida dos personagens, abrindo margem para que o público pesquise por conta própria — com a combinação do drama com a comédia, a obra deixa os temas mais leves de serem contextualizados em uma série teen. Dessa maneira, os traumas dos personagens vão sendo delicadamente trabalhados durante os episódios, ainda que envolvam tópicos sérios, como bullying, aborto e abuso sexual.
Sex Education é um destaque no cenário audiovisual contemporâneo. A série cumpre um excelente papel ao representar as minorias e ao dar voz a temáticas complexas e que, por isso, são pouco discutidas. Tudo isso de modo divertido e de fácil entendimento. A obra deve ser vista como um espelho para as séries que ainda estão por vir, caso elas queiram atingir um público mais crítico e politizado, como é o de hoje.
*Imagem da capa: Divulgação/Netflix