Um país politicamente polarizado, a maior parte da classe artística se posiciona contra o governo em vigência, figuras públicas são pressionadas a tomar partido nesse embate e artistas que demonstram conivência com o regime são rechaçados por seus colegas. Poderia ser a descrição do Brasil nos dias de hoje, mas estamos falando da opinião pública durante a ditadura militar, opinião essa que atingiu em cheio a carreira de Wilson Simonal, protagonista da mais nova cinebiografia a chegar aos cinemas. Com direção de Leonardo Domingues, Simonal (2019) mostra a ascensão e queda de uma das maiores estrelas da música nacional.
Simonal (Fabrício Boliveira) tem origem humilde, integrando o grupo musical Dry Boys. Tudo muda quando conhece Carlos Imperial (Leandro Hassum), empresário de sucesso cuja influência serve como ponto de partida em sua expressiva escalada para a fama. O cantor conquista o público e se torna um fenômeno gigantesco, até que ganha a alcunha de “dedo-duro” após envolvimento com o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). A rejeição no meio artístico e o bombardeio da imprensa condenaram o músico ao ostracismo, fazendo com que ele lutasse até o fim da vida para limpar seu nome e provar que nunca agiu como delator.

Contrariando as expectativas de que o personagem principal fosse descaracterizado em prol de sua defesa, Simonal é retratado de forma humanizada, com qualidades e defeitos. Mesmo com a participação de seus filhos na produção do longa, em nenhum momento existe uma tentativa forçada de redenção, pelo contrário, observamos uma pessoa de personalidade forte, impulsiva e arrogante, mas que encanta com seu jeitão de malandro. Assim como na vida real, apesar de toda a pompa, é difícil não simpatizar pela figura extremamente carismática do cantor.
A questão racial é parte fundamental da obra. A postura de Simonal é desafiadora. Ele se recusa a agir como pertencente a um grupo socialmente marginalizado. Entendemos, então, sua maneira de agir. Muito do pedantismo vem do desejo de se impor como indivíduo relevante e corajoso numa sociedade profundamente racista. O músico ostenta carros de luxo, mansão e gastos excessivos, confrontando os papéis comumente atribuídos a negros e brancos. Seu “fraco” por mulheres loiras chega a ser uma representação do oprimido agindo como opressor.
Na pele do artista, Fabrício Boliveira entrega uma atuação imperdível. O trabalho do ator é um show à parte, encarnando brilhantemente o andar suingado e a atitude inconfundível de Simonal. Boliveira exemplifica nas telas o que é o champignon, expressão utilizada pelo artista referindo-se ao seu toque pessoal. Ísis Valverde dá vida à Tereza, sua esposa que, apesar da interpretação competente, poderia ter mais força como personagem.

O longa possui ritmo agradável e conta com ajuda de recursos visuais, como manchetes de jornal, que situam o espectador na história. Há muitas cenas de apresentações do músico. Em uma delas, Simonal sai no meio de um show para ir a um bar e deixa a plateia cantando sozinha até que volte ao palco. A passagem é a mais inteligente e emblemática do filme: um plano sequência muito bem realizado que mostra o poder conquistado pelo artista, um dos mais populares de sua época.
Além da ótima trilha sonora, recheada de sucessos do cantor, e da reconstituição histórica espetacular, o diretor também escolhe utilizar imagens reais do artista intercaladas com cenas de Fabrício. Apesar do estranhamento inicial, já que o ator e Simonal não se parecem fisicamente, o artifício funciona de maneira graciosa e traz uma carga interessante de veracidade ao mesmo tempo em que homenageia o protagonista.
A conclusão da obra dialoga com sua intenção: redescobrir a figura talentosa e polêmica de Simonal, contando a história da pessoa pública e do ser humano por trás dos bastidores. A cinebiografia resgata o cantor do esquecimento que lhe foi imposto e garante, de uma vez por todas, seu lugar merecidíssimo no grupo das personalidades mais importantes da história da música brasileira.
Simonal estreia no dia 08 de agosto. Confira o trailer aqui: