Por: Maria Clara Rossini (mariaclararossini@usp.br)

Água. Essa é a primeira coisa que você verá quando se aproximar de Solaris. E também será a única imagem que visualizará do início ao fim da obra. O livro Solaris foi escrito pelo polonês Stanislaw Lem e publicado pela primeira vez em 1961, recebendo uma edição brasileira em 2017 pela Editora Aleph. Já recebeu três adaptações cinematográficas, sendo uma delas pelo cineasta Andrei Tarkovski, a qual recebeu o Grand Prix do Festival de Cannes. Assim como o filme, a obra literária é considerada um clássico da ficção científica, tratando de forma riquíssima tanto a ciência quanto o psicológico dos personagens.
Na linha de tempo da história, Solaris é um planeta interessante descoberto há mais de cem anos e digno de pesquisas profundas. Solarística é o nome do campo da ciência dedicado especificamente ao estudo do planeta, onde há uma estação espacial em órbita na qual se passa todo o enredo. Além do fato de orbitar dois sóis, um vermelho e outro azul, tamanha atenção se justifica pela peculiaridade de seu único habitante: o oceano. Todo o planeta é coberto basicamente por um oceano vivo capaz de exercer influência sobre a órbita planetária, a gravidade e até mesmo o espaço-tempo, dentre muitos outros dotes impressionantes. O capítulo denominado “Os solaristas” encarrega-se da descrição mais detalhada e fascinante de um ser vivo fluido que ultrapassa a capacidade imaginativa. Métodos de pesquisa e a evolução das descobertas são relatados de forma fiel, em que criam novos reinos, classes e filos para que o novo ser se encaixe.
Apesar de a descrição e a abordagem científica serem os aspectos mais interessantes do livro, ele também possui um enredo emocional e até assustador que apela para o psicológico do leitor. A experiência é narrada pelo psicólogo Kris Kelvin a partir do momento em que aterrissa na estação. Onde esperava encontrar três pesquisadores para se juntar a ele, depara-se com dois deles beirando a loucura, enquanto o terceiro já havia se suicidado. Após uma série de acontecimentos estranhos, Kelvin percebe o motivo para tudo aquilo. Inicialmente achando que trata-se de um sonho, o pesquisador encontra sua falecida esposa em seu quarto. Tratados como “hóspedes”, essas figuras que supostamente não deveriam estar na estação aparecem para todos os pesquisadores, de acordo com as experiências vividas por cada um. Esse fenômeno é um bom exemplo do alcance que o oceano possui, a ponto de ser capaz de penetrar nas ondas cerebrais humanas e realizar síntese orgânica. Partindo desse fenômeno, diversos surtos, pesquisas e tramas se desenrolam ao longo da leitura.
A maior reflexão que o livro propõe é se de fato estamos preparados para o contato com uma civilização absurdamente diferente e se esse contato é possível. Os seres humanos estão acostumados a serem a forma de vida mais inteligente que conhecemos, o que torna tão difícil lidar com um oceano obviamente muito mais capacitado mas que nem ao menos se comunica ou atende aos padrões de inteligência estabelecidos por nós. Outros dois capítulos mostram diferentes fenômenos realizados pelo oceano que nem ao menos somos capazes de descrever em qualquer linguagem, tamanha é a disparidade com a realidade terrestre.
Para quem se interessa por ficção, ciência ou psicologia, a leitura é obrigatória. O livro prende o leitor e sua narrativa flui muito bem. O maior mérito do autor, porém, está na reflexão e na descrição do mundo que ele próprio criou. A frase mais fiel a retratar a essência do livro faz parte de uma da reflexões dos personagens: “O homem saiu para encontrar outros mundos, outras civilizações, sem saber nada sobre seus próprios recessos, ruas sem saída, poços e portas bloqueadas e escuras.”