por Gabriel Lellis
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Era uma vez uma menina loira e pobre, explorada por pessoas más e que vira uma princesa ao encontrar o seu amado. Após casados, eles vivem felizes para sempre. Cinderela? Seria se a nossa personagem em questão não fosse um dançarina de axé nascida no interior da Bahia cujo nome é Carla Perez.
Sim, você não leu errado. O filme se chama Cinderela Baiana (idem, 1998) e é estrelado pela tão famosa ex-componente do grupo É o Tchan.
A melhor qualidade do filme é ele ser ruim. O diretor Conrado Sanchez criou um novo conceito de trash. É impressionante como um filme que conta a épica história de superação consegue se transformar em uma comédia involuntária.
A história acompanha a vida da menina Carla. Após a morte de sua mãe no sertão, ela e seu pai decidem se mudar para Salvador. Chegando na cidade, nossa heroína descobre o seu “talento” para a dança e após firmar parceria com um empresário local, o famigerado Pierre, começa a realizar diversos shows em busca da tão sonhada fama.
E dá-lhe gente dançando durante os intermináveis 80 minutos. Conseguiu comprar um doce para comer? Todos dançam. Chegou em Salvador após longa viagem? Todos dançam. Fez amizade com uma pessoa nova na rua? Todos continuam a dançar!
Há uma atmosfera de “gente feliz em clima de paquera”. Após poucos minutos de filme já nos desesperamos: “Porque essas pessoas não param de dançar? Carla minha querida, você acabou de dizer que está passando fome, porque continua com esse sorriso no rosto?”
Os personagens tem um grau de complexidade psicológica tão profundo quanto uma piscina de 1.000 litros. O mais excêntrico de todos é Pierre: um rico empresário baiano, com nome francês, que se veste com roupas indianas, tem o rosto de um pirata, tarado por dançarinas de axé e poliglota (acredite, ele fala Francês, Inglês e “italianês”).
Muitos criticam Carla Perez pela sua atuação um tanto quanto “neutra”. É errado criticar o seu estilo contemporâneo de interpretação no qual a personagem não tem nenhuma expressão facial. Talvez no futuro este seja a vanguarda do cinema: a interpretação da não interpretação. Ou melhor, ser ruim será cool.
Em meio ao caos cinematográfico surge uma entidade que com uma atuação digna salvaria o filme. A pessoa em questão é o excelente ator Lázaro Ramos. O fato é que, além de ter um papel secundário, Lázaro, ainda em início de carreira, se deixou contaminar por esse ambiente bizarro e não correspondeu às nossas expectativas. Certa vez, em uma entrevista, declarou: “Ganhei bem para fazer esse filme, o que possibilitou que eu me dedicasse à minha vida de ator. Com o dinheiro que recebi, quase duzentas vezes mais que meu salário, consegui abandonar o emprego e me dedicar por inteiro ao teatro.”
Mas não pense que o filme não possui pontos positivos. Analisando bem a fundo, é perceptível uma singela mensagem contra o capitalismo e sua divisão em uma sociedade de classes não igualitárias.
O épico e emocionante final do flime ilustra bem essa “sociologia do axé”. Após conquistar a fama, “Cinderela” aparece com um carro de luxo (com certeza custou mais do que toda a produção do filme) no meio do sertão. Ao encontrar crianças no meio da estrada, arranca a enxada da mão de um garoto, solta um passarinho da gaiola e, com pompa e circunstância, diz: “De que adiantam essas campanhas demagógicas se essas crianças continuam aqui na estrada e com fome.Todos os pequeninos merecem proteção, alimentação amor e paz”.
Seria um belo e educativo final. Mas estragaram essa apoteose colocando os pesonagens em cena novamente para dançar “Segura o Tchan”. E o filme acaba com essa bela festa da democracia onde todos rebolam os quadris. Até o fantasma da mãe de Cinderela aparece para constar presença. No fundo é uma grande comemoração de “Ufa, enfim o filme acabou”.
<a href="http://www.youtube.com/watch?v=qd-DE_MGEJg">http://www.youtube.com/watch?v=qd-DE_MGEJg</a>
Um conselho: assista Cinderela Baiana. É o tipo de filme que todo cinéfilo deve ter no repertório para poder falar mal nas mesas de discussão com os amigos. Em 4.000 caracteres é impossível descrever todos os detalhes dessa jóia rara. Aproveite que está disponível na integra no youtube e deixe que o trash contamine todo o seu corpo.