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‘Stop Motion’: a arte parente da magia

Com auxílio da tecnologia digital, alguns dos filmes mais icônicos da história do stop motion foram produzidos nos anos 2000
Por Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br)

Uma das formas de arte mais atrativas e admiradas no mundo, o stop motion é um tipo de animação que simula o movimento através de fotos sequenciais de um mesmo objeto.  O nome da arte, em tradução do inglês “movimento parado”, faz jus à ilusão de movimento quando, na verdade, tem-se a junção de fotografias estáticas para criar um efeito ótico.

O início

Segundo historiadores de animação, o primeiro filme a utilizar o stop motion foi The Humpty Dumpty Circus (1898), dirigido por J. Stuart Blackton e produzido por Albert E.Smith. Eles fizeram o curta-metragem utilizando o conjunto de brinquedos de madeira da filha de Smith, que, por conta de suas articulações móveis, permitiam o manuseio controlado desses objetos.

Apesar disso, cópias do filme não resistiram ao tempo e, hoje, reconhece-se como primeira obra de stop motion Viagem à Lua (Le Voyage dans la lune, 1902) do mágico e ilusionista George Méliès. O diretor incorporou a técnica em seu filme a fim de dar vida a objetos inanimados.

A Invenção de Hugo Cabret, longa de Martin Scorsese, presta homenagem ao filme [Imagem: Reprodução / Wikimedia Commons]

Ao longo do século 20, o stop motion foi aprimorado e repetidamente utilizado por diretores para criar efeitos especiais em seus filmes. Figuras importantes como Ladislas Starevich diretor de The Cameraman’s Revenge (1912) e Le Roman de Renard (1937) —  e Willis O’Brien — produtor de O Mundo Perdido (The Lost World, 1925) e King Kong, 1933 — serviram de inspiração para futuros animadores — como Ray Harryhausen, Henry Selick e Tim Burton.

O’Brien utilizou um modelo de 40 centímetros para “interpretar” o gigantesco King Kong, na versão de 1933. Já em O Mundo Perdido, ele animou dinossauros  combinados com imagens de seres humanos [Imagens: Reprodução / Wikimedia Commons]

Etapas do stop motion

Cesar Cabral, formado pelo Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo (CTR-USP) e criador do Coala Filmes, explica que, como no cinema, a ideia é o primeiro passo para o stop motion: “a gente trabalha no roteiro propriamente dito, para entrar numa fase de storyboard, depois passar para um processo de animatic”.

“O animatic é o processo de pegar os desenhos do storyboard e, com a ajuda de um programa de edição, botá-los em perspectiva. O que seria essa animação? Como é que ela vai funcionar? Quais serão os enquadramentos?”

Cesar Cabral

O processo de storyboarding, no formato em que é conhecido atualmente, foi desenvolvido no Walt Disney Studios durante o começo da década de 1930 [Vídeo: Reprodução/YouTube/@Pesfilm]

Depois, vem a fase de criação dos cenários e dos bonecos, que devem ter estruturas articuladas para sua movimentação. Com os objetos modelados, os artistas podem começar o processo de, quadro a quadro, fotografar as cenas e mover seus modelos. Geralmente, cada segundo de uma animação stop motion tem 24 frames (quadros), resultando em milhares de fotos individuais. 

Cabral adiciona que, por conta da natureza milimétrica desses frames, é importante manter o cenário controlado: “todos são orientados para evitar que algum problema aconteça. […] Mas sempre ocorre, temos um estúdio na Rua Augusta que, à noite, passa ônibus rápido, às vezes dá uma tremidinha no chão e a câmera tá levemente diferente. E na pós-produção a gente corrige isso”.

É nesse processo de edição e pós-produção que os frames são organizados na ordem e velocidade correta, além de efeitos sonoros e correções de erros na filmagem.

Revolução da técnica: da película à câmera digital

Desde os primórdios do cinema, em 1895, as obras cinematográficas eram distribuídas e exibidas em película. A montagem era realizada manipulando diretamente o positivo ou o negativo do filme, o que demandava um processo complexo de revelação. 

Mesmo com vantagens como rolos maiores — que permitem filmagens mais longas —, a película tem suas inconveniências: alto preço, dificuldade de manuseio e transporte.  

Assim, com a invenção da câmera digital, mais barata e mais prática, as produções do stop motion (e do cinema, em geral) tiveram seus processos agilizados pela tecnologia. Esse avanço também possibilitou a melhora significativa da qualidade das imagens.

De acordo com O Globo, em 2011, as câmeras digitais já equivaliam a 48% nos cinemas mundiais; na década de 2020, o uso da película passa a ser exceção à regra [Vídeo: Reprodução/YouTube/@scenebyisabelle]

O uso desse recurso digital se popularizou na animação stop motion nos anos 2000, fazendo da técnica uma forma de arte mais acessível e facilitando a vida de seus artistas. Pedro Iuá, diretor, animador e roteirista especializado em stop motion, compreende que esse foi um passo vital para a democratização da técnica: “ainda tinha a restrição da película, mas, depois, nos anos 2000, chegaram as primeiras câmeras digitais e isso começou a democratizar mais o acesso à produção.”

Iuá, tendo vivenciado essa transição do análogo para o digital, esclarece que, com a película, os artistas animavam às cegas, já que só conseguiam ver os frames no final do processo, fator que fazia as produções mais lentas e imprevisíveis. Com a chegada da fotografia digital, o visor proporcionou aos animadores a visualização de quadro a quadro de seus movimentos, revolucionando a arte do stop motion.

Os filmes dos anos 2000

Para dar início as produções da década, A Fuga Das Galinhas (Chicken Run, 2000) é lançado e produzido pela Aardman Animations e Dreamworks Animation.  O longa faturou mais de US$224 milhões, tornando-se o filme de animação em stop motion com maior bilheteria da história. 

O filme segue a história de uma granja onde as galinhas são obrigadas a colocarem uma certa quantidade de ovos por semana, caso contrário são degoladas. Indignadas com o abuso, as galinhas decidem fugir. A obra usa a técnica claymation, ou seja, modelos 3D esculpidos em argila de plasticina.

O filme ganhou uma continuação em 2023, A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets (Chicken Run: Dawn of The Nugget), que foi produzido com câmeras digitais. {Créditos vídeo: Reprodução/Youtube/Aardman Animations]

A Fuga Das Galinhas não foi uma produção feita em câmeras digitais, mas seu sucesso foi fundamental para que estúdios investissem mais no stop motion. Pode-se considerar que, efetivamente, longas do gênero começaram a usar a tecnologia digital a partir de 2003. 

No Brasil, Sushi Man (2003), dirigido por Pedro Iuá, é um exemplo de curta-metragem em stop motion usando câmeras digitais. A obra premiada segue três pessoas que, fechadas em um apartamento, tentam solucionar seu triângulo amoroso. 

No âmbito internacional, Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais (Wallace & Gromit: The Curse Of The Were-Rabbit, 2005), produzido pelos mesmos estúdios de A Fuga Das Galinhas, iniciou sua produção em 2003, mas dessa vez já com máquinas digitais. Inspirado pelos curtas de nome homônimo, o filme acompanha o inventor Wallace (Peter Sallis) e seu cão Gromit em sua aventura como agentes de controle de pragas antes de uma competição anual de vegetais.

Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais ganhou o Oscar de Melhor Animação em 2006 [Imagem: Divulgação/Aardman Animations]

Durante esse período, o estúdio Laika surge como uma figura de renome no mundo do stop motion. Fundada em 2005, a empresa teve seu pontapé inicial através de produções terceirizadas em filmes como A Noiva-Cadáver (Corpse Bride, 2005).

A obra conta com Victor (Johnny Depp) que, nervoso com a cerimônia de seu casamento, vai sozinho à floresta para ensaiar seus votos. No entanto, o cadáver da falecida Emily (Helena Bonham Carter) acredita que foi pedida em casamento e o puxa para o mundo dos mortos. Dirigido por Tim Burton e Mike Johnson, a produção utilizou máquinas fotográficas digitais e levou 55 semanas (com um total de 109.440 mil frames) para ser finalizada.

Jim Carrey e Angelina Jolie eram as escolhas iniciais para a dublagem dos personagens principais, Victor e Emily.  [Créditos da Imagem: Divulgação/Warner Bros.]

Os bonecos confeccionados tinham em torno de 25 a 28 centímetros e cenários relativamente grandes com um design vitoriano, fruto da imaginação de Burton. Apesar de ter trabalhado como produtor no clássico O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993), Burton teve sua estreia como diretor de stop motion com a Noiva Cadáver.

O diretor de O Estranho Mundo de Jack, Henry Selick, foi escolhido pela Laika, em 2006, para criar o primeiro longa propriamente do estúdio: Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2009). A história é uma adaptação do livro de fantasia infanto-juvenil de Neil Gaiman, que segue a menina Coraline (Dakota Fanning) adentrando um mundo invertido, mas parecido com o seu, através de uma porta em sua nova casa. 

O filme foi um sucesso de crítica e público, salvando o estúdio da crise de 2008. Segundo a Laika, foram 500 pessoas envolvidas na produção de Coraline, sob um orçamento de 35 milhões de dólares. Além disso, a obra é considerada a primeira a utilizar o 3D para a construção de rostos para seus bonecos.

No livro, o personagem Wybie não existe e Coraline não tem cabelo azul [Crédito da Imagem: Divulgação/Laika]

Selick, inclusive, desistiu de co-dirigir O Fantástico Sr.Raposo (Fantastic Mr. Fox, 2009) para focar em Coraline. Por isso, ele foi substituído por Noah Baumbach, que ajudou Wes Anderson a transpor o livro de Roald Dahl para o audiovisual. 

A adaptação gira em torno do Sr. Raposo (George Clooney), um criminoso, até que sua esposa, Sra. Raposa (Meryl Streep), descobre uma gravidez. Com o tempo, Sr. Raposo larga a vida de furtos, mas, a mudança da família para uma árvore localizada perto de fazendas, força-o a voltar ao crime. 

O Fantástico Sr. Raposo possui tudo que se espera de uma obra de Anderson — direção marcante, bela fotografia e humor afiado. O diretor se inspirou em Ladislas Starevich e seu clássico Le Roman de Renard para o design do stop motion e, ao todo, foram 4 anos de produção, 140 trabalhadores e 535 bonecos.

Anderson pediu para que os atores gravassem seus diálogos na natureza para acrescentar realismo [Créditos da Imagem: Divulgação/20th Century Fox]

Custo e tempo

Enquanto o contexto de produção stop motion brasileira é distinto ao internacional, um fato continua universal: a técnica demanda tempo e dinheiro. A quantia investida em grandes produções estrangeiras varia entre 200 a 1000 dólares por segundo, a depender do estilo de animação, complexidade das cenas e dos personagens. 

Soma-se a essa condição uma equipe de centenas de pessoas (entre eles animadores, fotógrafos, artistas e diretores) que, por dia, conseguem animar alguns segundos de cenas e, assim, é possível entender quão demorado o processo realmente é.

Cesar Cabral traz uma comparação: “Para aumentar a produção de um filme 3D, eu eu duplico o arquivo e tem um outro animador trabalhando em paralelo. Mas o stop motion necessita de espaço físico e equipamento, se eu preciso ampliar a produção, vou ter que duplicar tudo isso”.

Futuro do stop motion

Tempo e custo, acrescidos dos efeitos visuais da era digital — CGI, Computer Graphic Imagery, ou seja, imagens geradas por computador —, levam muitos a acreditar que a arte quadro a quadro passa por uma fase de declínio. Na prática, com tantos avanços tecnológicos, o stop motion deveria se tornar uma forma de arte extinta. Essa, no entanto, segundo Cesar Cabral e Pedro Iuá, não representa a realidade.

Cabral reconhece que, enquanto o número de obras não é tão alto quanto poderia ser, para ele, a técnica ainda recebe muita atenção: “Ele é afetado [pelo custo] sim, mas eu acho que a gente tá vivendo um momento glorioso do stop motion”. 

Iuá acredita que, desde sua invenção, a técnica passa por picos e vales. Com grandes filmes como Pinóquio (Pinocchio, 2022) e Wendell & Wild (2022), além da democratização do stop motion pelo digital, ele argumenta que a arte está em crescimento. Ademais, em direção contrária à Inteligência Artificial, a natureza artesanal e autoral desses filmes atrai um público fiel.

“O primeiro animador de stop motion foi o George Méliès e ele era um mágico, ilusionista. Então, o stop motion é um parente da mágica. Existe essa conexão direta das pessoas com o objeto que se mexe e ganha vida, elas reconhecem e amam esse trabalho”, declara Pedro Iuá.

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