No dia 15 de maio de 2020, foi lançada na Netflix a quinta e última temporada da adaptação She-Ra e as Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power). Desde sua estreia em 2018, a produção é reconhecida por sua representatividade LGBTQIA+ e sobre a forma como aborda temas tocantes às relações humanas.
Após um ano de seu finale, muito aconteceu. A série foi vencedora, em março de 2021, do prêmio GLAAD de ‘Melhor Programação Infantil e Para Família’. Houve desilusões causadas por um trocadilho racista feito, e reconhecido como tal, pelo criador da série, Noelle Stevenson. Após e apesar de tudo, assistir à temporada derradeira de She-Ra continua uma experiência memorável.
A escalada de Glimmer
Após ser coroada rainha na temporada anterior, Glimmer (Cintilante, Karen Fukuhara) é obrigada a mudar e também vê sua imagem transformada para seus amigos com a morte de sua mãe, a rainha Angella (Reshma Shetty). As novas responsabilidades de Glimmer trazem discordâncias em sua amizade com Bow (Arqueiro,Marcus Scribner) e Adora (Aimee Carrero).
No final da quarta temporada, Glimmer chega a quase antagonizar com os dois, que passam a ter prioridades e visões diferentes sobre a proteção do planeta Etéria. Além disso, os próprios poderes da jovem rainha aumentam consideravelmente, dado que agora ela é a única que se alimenta da força da pedra de Bright Moon (Lua Clara).
Na quinta temporada, Glimmer é uma das personagens que encara as consequências de suas responsabilidades e decisões. A beleza e sutileza como a série aborda o processo de perdão entre ela e Bow, além da preocupação com o paradeiro dos pais do arqueiro, demonstra a força do sentimento entre eles. O último episódio, assim como a visão do futuro de Adora, deixa implícito que o amor deles também se tornará romântico.
Além da relação com Bow, Glimmer se vê forçada a enfrentar seu pai, Rei Micah (Daniel Dae Kim), ainda com sua poderosa magia controlada por Horde Prime. Na cena, quando parece que a personagem não resistirá ao poder da magia negra, ela se lembra de sua mãe e do amor desenvolvido entre elas nas temporadas anteriores. Ali, a personagem empossa verdadeiramente sua magia e poder, sem se desvencilhar daqueles que ama.
Catra e Adora
Na quinta temporada, é o amor de Catra por Adora que engata em definitivo a jornada de redenção da personagem, que já tinha indícios na temporada anterior. As atitudes de Catra em temporadas anteriores, se fossem provocadas por uma personagem menos complexa e por um roteiro simples, seriam imperdoáveis.
Invariavelmente, a narrativa de Catra também não seria a mesma se não envolvesse diretamente Adora. Além da infância no ambiente violento da Horda, ambas são órfãs e não têm nenhum tipo de ligação com suas origens — um acerto gigantesco para a narrativa, em comparação à original. Elas têm como figura materna Shadow Weaver (Sombria, Lorraine Toussaint), que abusa constantemente de Catra e exalta Adora.
Na série de 1985, Adora é a Guardiã do castelo de Grayskull e recebe a espada por meio de seu irmão gêmeo, Príncipe Adam (He-Man). Na nova adaptação, ela descobre a espada sozinha e não há nenhuma menção à ela pertencer à realeza.
Em She-Ra e As Princesas do Poder, mesmo que Adora saiba que pertence à raça dos First Ones (Os Primeiros), ela reitera diversas vezes que não luta pelos colonizadores de planetas, mas sim por Etéria, seus amigos e — ainda que verdadeiramente não reconheça isso — por si mesma.
Bow e Glimmer, amigos que evidentemente amam Adora, compreendem a postura da protagonista de tentar se sacrificar a todo momento pelo bem de Etéria. No entanto, ao longo das temporadas e, principalmente, na última, percebemos que os momentos em que a protagonista manifesta She-Ra genuinamente ocorrem em seu esforço para viver e salvar aqueles que ama. Ao longo da série, somente Catra e Mara, antecessora de Adora como She-Ra, tentam mostrar à personagem que ela tem outra saída que não a do sacrifício.
Diferentemente de heróis que abdicam de seu poder para alcançar seus objetivos sem renunciar de seus amores, em She-Ra temos como o principal desafio de Adora entender que seu papel como She-Ra não implica que ela não seja digna de viver e receber amor de outra pessoa.
Catra, ao contrário, mesmo que ame Adora ao longo de toda série, evita a todo tempo demonstrar seus sentimentos, muito pela repressão e pelo abandono ao longo de sua trajetória — motivação essa também para seus constantes conflitos com a heroína.
O clímax da série ocorre justamente entre as duas, à parte do confronto armado entre a Rebelião, que resiste à invasão de Horde Prime — e que se coloca como a grande trama da temporada — , quando Adora é confrontada por Catra se ela realmente deseja viver. Aqui a jornada de redenção de Catra mostra seu ponto mais relevante, quando ela se recusa a deixar Adora sozinha e, quando percebe que Adora está morrendo, declara que a ama.
Ao mesmo tempo que Catra finalmente se vê como uma pessoa capaz de amar outra e Adora responde a esse amor e enxerga sua vontade em ter um futuro além do sacrifício que estava prestes a fazer, Adora é capaz de se tornar She-Ra e liberar a magia de Etéria.
O final de She-Ra não foi memorável porque tivemos ‘meramente’ a entrega de um beijo entre as duas protagonistas — até porque as princesas Netossa (Krystal Joy Brown) e Spinnerella (Noelle Stevenson) têm um de seus beijos registrados na (ótima) abertura da série. Mas sim porque, a partir da escolha pelo amor próprio e abertura emocional, o amor recíproco e explícito entre duas mulheres foi o responsável por salvar não somente a protagonista She-Ra, mas toda Etéria.
*Imagem de capa: Reprodução/Netflix