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‘Uma mulher incomoda muita gente, três mulheres incomodam muito mais’: ativistas discutem sobre feminismo e sociedade

O Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA-USP recebe pesquisadoras para conversa sobre a proteção de mulheres contra o discurso de ódio na internet
Três mulheres em uma mesa
Por Beatriz La Corte (beatrizlacorte@usp.br) e Júlia Sardinha (jusardinha.eca@usp.br

Um encontro entre mulheres e redes sociais. Essa foi a proposta da discussão sediada no auditório Freitas Nobre do CJE, realizada no mês de maio. Por quase duas horas – com mediação de Carolina Pedrosa – Simony dos Anjos e Lola Aronovich ministraram o evento sobre “Diálogos e alianças possíveis na proteção das mulheres contra o discurso de ódio na internet”.

Carolina Pedrosa iniciou contando sobre sua pesquisa de doutorado – “As mulheres livres e seus retratos roubados: como as imagens do movimento ‘#elenão’, de 2018, foram deturpadas pela vingança ressentida”. O estudo aborda as distorções feitas pela sociedade, em destaque nas redes sociais, sobre as manifestações femininas tratadas em seu trabalho, tópico que proporcionou sua presença na mediação do debate. 

Simony dos Anjos também enriqueceu a discussão. Co-deputada e membro da bancada feminista do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), é graduada em Ciências Sociais pela Unifesp e, pela USP, é mestre em Educação e doutora em Antropologia. Como principal foco das suas pesquisas, Simony desenvolve estudos sobre mulheres negras evangélicas ativistas dos direitos humanos – grupo com o qual se identifica.

Lola Aronovich é docente da Universidade Federal do Ceará (UFC) e ativista do movimento feminista no Brasil. Criadora do blog “Escreva, Lola, escreva”, a professora incentiva o espaço digital para a discussão de diversas temáticas relacionadas à mulheres . A Lei Federal 13.642/2018 recebe o seu nome como resultado de sua luta contra os discursos de ódio machistas na internet.

O que é a Lei Lola?

Mulher fala ao microfone
Lola Aronovich conta já ter sido vítima de comentários de ódio na internet. [Imagem: Nícolas Dalmolim/Arquivo Pessoal]

A Lei Lola, para a história da luta feminista, é recente. Promulgada em 3 de abril de 2018, a norma atribui à Polícia Federal a responsabilidade de investigar crimes praticados na rede mundial de computadores contra mulheres. É a primeira lei brasileira que designa  o termo “misógino” – que significa ódio, desprezo ou preconceito com o sexo feminino – dentro das ferramentas jurídicas e institucionais do país.

“Ao mesmo tempo em que cresce [o ativismo feminista], os discursos de ódio contra as mulheres na internet também crescem”

Lola Aronovich

Já em voga, a lei reforça a resistência feminina e feminista presentes nos veículos sociais de comunicação pela internet. Mas mesmo com a sua implementação,  milhares de mulheres ainda são vítimas do ódio propagado nas redes virtuais. Este é o caso de Simony dos Anjos.

Lola e Simony se conhecem há quase dez anos. A parceria entre as ativistas iniciou com a publicação de um texto-reportagem feito por Simony para o blog de Lola. De início, por sua identidade de mulher feminista negra evangélica, a postagem não foi bem recebida pelo público da plataforma – formado, em sua maioria, por feministas. Ao mesmo tempo, o texto alcançou as redes sociais da extrema-direita e também não foi bem recebido.

As palavras de Simony chegaram à deputada estadual de Santa Catarina, Ana Campagnolo – do Partido Liberal (PL) -, que promoveu discursos de ódio contra a antropóloga por meio das redes sociais. O alcance das mensagens de xingamentos e ameaças de morte destinadas a Simony a deixaram com ‘medo pela vida’, afirma. 

Para Simony dos Anjos, a implementação da Lei Lola precisa responsabilizar os criadores das narrativas e comentários preconceituosos a fim de não relativizar o ódio. “O discurso de ódio que existe na internet, existe também na vida real”, declara.

A disseminação da informação e a desinformação nas redes

Simony ressaltou que o debate a respeito das redes sociais deve abordar também o funcionamento desses veículos de comunicação. Nesse sentido, a socióloga analisa que para um conteúdo “viralizar” na internet, ele deve ser rápido, legível e simples. Para ela,  o sucesso dos discursos de extrema-direita está na compreensão e reprodução desse modelo. Políticos e corporações extremistas teriam compreendido que um conteúdo raso – e até mesmo não verídico – pode ser mais eficiente na disseminação de seus ideais do que argumentos mais extensos e elaborados. 

É nesse ponto que a socióloga destaca o grande desafio da comunicação nas redes para as pessoas que querem um debate sério: falar de algo profundo de maneira simples, compreensível e rápida. Simony pontuou que temas complexos usualmente requerem a compreensão de outros conceitos e que dificilmente esse conteúdo pode ser simplificado sem comprometer o seu sentido pleno.

“Os conceitos que mobilizamos, eles não são conceitos por si só”

Simony dos Anjos

Família como centro de discussão política

Simony defende que para compreender as dinâmicas sociais que influenciam o quadro político é preciso “conhecer muito o que puxa o afeto das pessoas”. Segundo ela, na estrutura da sociedade, o conceito que une indivíduos de realidades diferentes é o conceito de família, que perpassa classe, gênero e raça. 

Por esse motivo, ressalta a importância de “retirar o termo da categoria de moralidade e entendê-lo como aspecto basilar da configuração brasileira” Ou seja, para Simony, ‘família’ não deve ser percebida apenas como uma questão moral/moralista, mas também como um direcionamento para as ações de política pública. 

“Por que a gente permite que todo discurso relacionado a família seja reacionário? A gente tem que disputar o termo de família”

Simony dos Anjos
Mulher fala ao microfone olhando para um computador
Em palestra, Simony dos Anjos afirma que as mulheres são a ‘espinha dorsal’ da sociedade e que não devem aceitar serem tratadas como cidadãs inferiores. [Imagem: Nicolas Dalmolim/Arquivo Pessoal]

A socióloga defende que o afeto pessoal é relevante para os indivíduos e que isso influencia na escolha dos representantes eleitorais e nos meios de manifestação da sociedade.  Para exemplificar essa relevância, Simony aponta que termos como “família”, “comunismo” e “Deus” sempre foram palavras utilizadas em discursos políticos. Para ela, certos conceitos sozinhos já alcançam a memória afetiva das pessoas e, por isso, são apropriados por movimentos ideológicos.

“Terraplanismo” de gênero

Um dos tópicos que Lola Aronovich analisou na palestra foi o crescimento na visibilidade do movimento red pill. Essa corrente ideológica faz uma alegoria ao filme Matrix (1999), no qual o protagonista escolhe tomar uma pílula vermelha, que seria responsável por torná-lo consciente da realidade em que vive. De acordo com a pesquisa de Lola, Indivíduos nas redes sociais adotam essa metáfora como defesa da conscientização  dos homens a respeito da suposta opressão feminina.

Lola define o movimento como um verdadeiro ‘terraplanismo de gênero’, ou seja, uma contestação dos fatos – obtidos por dados e pesquisas científicas – a partir de teorias conspiratórias. Entre outros fatores, a professora atribui a visibilidade do movimento às eleições de Donald Trump (2016), nos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro (2018), no Brasil. Lola reconhece que a misoginia não é um fenômeno novo, mas que, após 2016, a identidade misógina passou a ser recompensada com apreciação, coletividade e, até mesmo, com a presidência.

Por uma (des)universalização da mulher

A chamada ‘terceira onda do feminismo’ faz parte das discussões atuais sobre as mulheres e a sociedade. Desde a década de 1990, a ‘nova’ pauta do movimento feminista questiona a existência de uma mulher universal, afirmam Lola e Simony. 

Essa terceira onda abarca a heterogeneidade feminina. “As mulheres enfrentam problemas diferentes e, por isso, têm percepções da realidade e de seus corpos também diferentes”, coloca Simony. Dentre as discussões do feminismo atual, o movimento de mulheres negras evangélicas ativistas – pesquisado por ela – se destaca.

Lola também participa de debates relacionados ao feminismo cristão – apresentado a ela por Simony. Apesar de ser ateia, a professora da UFC reflete sobre a influência da religiosidade no comportamento da população brasileira e na política nacional. 

“A religião pode ser vista como um campo de batalha onde várias discussões são postas, e o feminismo é uma delas” 

Lola Aronovich

A legalização do aborto, por exemplo, é uma pauta que divide a sociedade: de um lado, a luta feminista e, do outro, a manutenção da moralidade cristã. “Para a Igreja Católica, o aborto é um ‘crime’ pior que o estupro. O estupro inicia uma vida e o abordo, teoricamente, põe fim”, explica  Lola Aronovich.

Simony e Lola enfrentam uma luta contra a misoginia: já foram – e continuam a ser – vitimadas pelos discursos de ódio na internet. As duas mulheres refletem se há uma possibilidade de dialogar com defensores da extrema-direita – como o grupo denominado ‘300 pelo Brasil’ -, responsáveis pela exposição da identidade de uma menina de 10 anos que realizou um aborto legal após ter sido estuprada. 

Carolina Pedrosa, Simony dos Anjos e Lola Aronovich concordam que formar alianças sociais em defesa das mulheres vítimas de violência – seja virtual, física ou psicológica – é uma ação possível de se concretizar e que não deve excluir os homens do diálogo. “Para mudar o mundo é preciso, primeiro, mudar os homens”, afirma Lola.

Mulher faz gesto de pensativa
Carolina Pedrosa complementa a discussão sobre a legalização do aborto ao dizer que o estupro na Idade Média era ‘aceitável’ quando cometido contra mulheres pobres. [Imagem: Júlia Sardinha/Arquivo Pessoal]

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