Um samurai ronin (Toshiro Mifune) chega a uma cidadezinha comandada por criminosos. Vê na situação periclitante uma oportunidade de lucrar. Yojimbo, o Guarda-Costas (Yojimbo, 1961) é um título pleonástico: yojimbo é japonês para guarda-costas, e parece ao samurai que é disso que precisam os líderes das gangues rivais, Seibei (Seizaburo Kawazu) e Ushitora (Kyu Sazanka).
Sabemos que estamos em algum momento pretérito da história do Japão, que a cidadezinha tem algo a ver com o comércio de seda, que a disputa tem algo a ver com os “apostadores”. Nada disso é de importância fulcral: o longa de Akira Kurosawa nos envolve nos estratagemas de Kuwabatake Sanjuro (o nome do samurai, ao que parece, mas seu caráter elusivo nunca nos deixa ter certeza) tão rapidamente que logo nos esquecemos de qualquer detalhezinho circunstancial. Aquilo que quase sempre nos perguntamos nos filmes — o “quem é quem”, o “quem quer o que”, o “que está em jogo” e “por que”— é rapidamente deixado de lado. Sabemos que é uma cidadezinha em guerra. Sabemos que nosso samurai misterioso tem truques na manga. E basta.
Dizer isso não é afirmar que o longa é simplista. Kurosawa não é amplamente considerado o maior nome no cinema japonês ao acaso: a levada do roteiro, a ambientação, a construção de cenas, os enquadramentos; toda a expertise de praxe está em jogo. De vez em quando, algo salta aos olhos — talvez o uso de uma maior profundidade de campo quando Sanjuro e o taverneiro (Eijiro Tono) espiam o “oficial do governo”, ou a orquestração dos atores nos grandes embates entre as duas gangues.
Mas a estrela verdadeira é mesmo Sanjuro. Não sabemos quase nada a seu respeito, nem mesmo o que planeja. Conhecemos o que vemos — e vemos Toshiro Mifune, com a competência de sempre, interpretando uma espécie de pícaro semi-sisudo que torce e retorce todos a sua volta, um desbravador em cenário tão genérico (em sentido positivo, quase sinônimo de universal) e atemporal que se torna praticamente fabular.
Fábula que atraiu a atenção do mundo. Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari, 1964), spaghetti western de Sergio Leone, é quase um plágio cena a cena. Legalmente, o western ítalo-americano rendeu um processo bem-sucedido movido pela Toho, produtora e distribuidora de Yojimbo; na prática, a cópia descarada é das formas mais sinceras de elogio.
A cópia (ou “adaptação”) tinha mesmo razão de ser. Podemos estranhar quando um dos personagens de Yojimbo puxa um revólver; até ali, a ambientação estava tão vaga que poderíamos ter acreditado que o filme se passava num “Japão feudal” um tanto atemporal. Essa é uma das razões para o sucesso do filme de Leone. O italiano pôde tranquilamente filmar uma história do Japão pré-Meiji nos desertos ibéricos como se fossem o oeste americano: a locação espaço-temporal pouco importa em Yojimbo ou em Por um punhado de dólares.
São importantes apenas os elementos centrais — Senjuki, a cidadezinha, um ou outro personagem secundário. É uma aventura universal cujo principal trunfo vem de seu foco obstinado em contar a história que quer contar. Yojimbo não se perde com explicações, desculpas, motivações ou quaisquer outras enrolações que tantos outros filmes creem cegamente necessárias para um “bom roteiro” ou para uma “história fechada”.
Yojimbo, na verdade, deixa tudo isso de lado: o filme é a sinergia entre Kurosawa e Mifune — ou “forma” e “conteúdo”, se quisermos ser menos diretos. E tudo dá certo.
O filme teve sua estreia original em 1961. Hoje, pode ser assistido no Brasil pelo Belas Artes À La Carte. Confira o trailer:
*Imagem da capa: Divulgação/Toho