A fronte muito jovem e o timbre de voz sossegado até poderiam desconcertar a firmeza do ideal de Victor Sanches, designer gráfico, blogueiro e, há dois anos, vegano. Mas há que se ter como certo que o fundador do RotaVeg – além de peregrinar pela face vegana de São Paulo – leva, em si, as mais sólidas reflexões sobre sua própria identidade.
“No início, fui indo e voltando, com fases ovo-lacto, até assistir Terráqueos e virar vegano duma vez. O mais difícil é a quebra do hábito. A transição é um salto que bate de frente com toda a experiência social e se sua ideologia não for convicta… É duro aguentar a pressão, sobretudo, na família.”, ele revela. “Eu emagreci, não sabia cozinhar e comia mal. O veganismo é um processo contínuo. E vai continuar sendo, até a minha morte”.
Quando tantas conclusões enganosas ainda se reproduzem pelo pensamento coletivo, a incompreensão social se torna um desbravamento diário para veganos. E eles saberão – como bem sabem as minorias – que não é fácil rumar na contracorrente da cultura dominante.
“A primeira reação é o choque”, conta Victor. “Muita gente me aborda como se fosse um sacrifício, uma privação, como se eu abdicasse de um prazer na vida. Então, se questionam: isso ele come? Isso ele não come? Mas, em certo instante, elas se ligam… E deixam de estranhar tanto. É como se avançássemos da rejeição, à digestão até o entendimento”.
Recostada na mesa de um refúgio ecológico e vegano, em meio à incerteza urbana de São Paulo, Luísa Nico, há 5 anos abraçada ao vegetarianismo, também o confirma. “No fundo, eu acho que as pessoas se sentem questionadas. Parece até que estou forçando-as a isso, mas, na verdade, é uma escolha que é nossa”.
Veganismo além do prato
É de se notar que, distante do que aposta o senso comum, o veganismo escapa aos domínios do costume alimentar. Muito para além disso: trata-se, em verdade, de uma questão de fibra ideológica – sobretudo, se levarmos em conta a resistência cultural enfrentada por esse paradigma de vida.
Luísa partilha, nesse sentido, sua experiência de coexistir com uma decisão que pode ser incômoda para os outros. “As pessoas não tentam entender. Mas, sim, me mostrar o quanto estou errada, sabe? E falam sobre quão bom é não ser vegetariano, ao invés de buscarem porque é bom para mim, sê-lo.”
Victor engrossa essa realidade, contando que, não raro, ainda é interpelado por estigmas de “fresco” e “adoentando”. Apesar disso, ressalva. “Quando se acredita muito em sua ideologia, você aprende a enfrentar a resistência com leveza, sem sofrer. Eu sinto ter um papel na sociedade, uma postura política, mesmo. E é importante ter uma atitude positiva em relação ao veganismo, porque quando você empurra uma pessoa contra a porta… Ela se afasta”.
Por outro lado, sobretudo no status quo da cidade, a dedicação e a vigília alimentar que o veganismo demanda poderiam torná-lo um desafio concorrente à vida ordinária. Ainda assim, Verônica Goyzueta, que é onívora, crê que o olhar do mercado está em disputa. Adepta à tendência sensível de exploração da bandeira, ela dirige a Tubaína Bar, em São Paulo, o qual se lançou, recentemente, em um cardápio vegan-friendly.
“Todos somos muito suscetíveis às ofertas de consumo. Muitos de nós não sabíamos a diferença entre veganismo e vegetarianismo, mas a atenção com esse público é cada vez maior. Se as empresas de carne estão investindo em campanhas milionárias de TV com garotos propaganda famosos, é porque devem estar preocupados com alguma coisa.”, reflete ela.
“Se lembrarmos, elas [as empresas] não costumavam fazer isso. Afinal, fomos criados em uma cultura de carne; nascemos aprendendo que cheiro de churrasco é uma delícia. Mas o veganismo está fazendo uma campanha de guerrilha, que aos poucos vai conscientizando as pessoas e corroendo essa cultura pelas beiradas.”
A fábula do preço de ser vegano
A Sociedade Brasileira Vegetariana, por sua vez, pondera um dado que se aparta de conclusões precipitadas, mas muito comuns sobre o veganismo. Isto é: não necessariamente persegui-lo precisa ser mais caro. “Há evidências de que, diminuindo o consumo de processados, o custo da alimentação tende a cair. Existe uma migração do supermercado para a feira livre e as pessoas se tornam mais próximas de uma comida natural; os produtos da época, afinal, são mais baratos também”.
Lucas Eduardo, estudante de Engenharia e livre de hábitos onívoros por mais de um ano, haveria de atestá-lo, ao contar que pode usufruir de uma possibilidade vegana em quase todos os lugares. Perfazendo sua rotina, ele também derruba a falácia de que o veganismo encarece o estilo de vida. “Eu faço muito feira e, uma vez por mês, vou à zona cerealista. Fica relativamente barato. Agora, se eu for ficar comprando comida industrializada, vai sair caro, sim. Mas a questão aqui não é o veganismo. Se uma pessoa come carne, por exemplo, mas consome sempre produtos como castanhas e quinoa, [assumidamente caros], ela gastará muito, também. De um modo ou de outro, é fundamental saber cozinhar”.
Recorte de classe
Em contrapartida, tanto o veganismo como outros conceitos de alimentação ideológica, por exemplo, carecem de um apanhado de classe. Ainda que fosse ideal que todos vivessem de comida genuína, em abundância e preço justo, o consumo consciente custa uma reflexão subjetiva; além do gasto material e do esforço de tempo. Por isso, não raro, acaba sendo usufruto de apenas um cerco econômico da sociedade.
“Eu não posso julgar”, externa Sanches. “Eu não posso condenar alguém comendo um cachorro-quente com Coca-Cola na esquina. Por vários motivos, ele não está refletindo sobre o mal que está fazendo a si mesmo naquele momento; pode não ter tido oportunidade, condição, vontade, tempo, estudo. É preciso levar isso em conta”.
Uma reflexão aos não-veganos
Ainda assim, se Victor pudesse acudir alguém que enxerga o vegetarianismo como norte, diria-lhe para pensar sobre toda a história por detrás de um prato de comida. “Se pusermos na balança o peso do prazer instantâneo paladar versus o impacto dos hábitos de uma vida em outras vidas, saberemos que não vale a pena. Não seremos completos ou, sequer, preenchidos por isso. A evolução do processo existe quando a ideologia supera o seu paladar”.
E qual o destino, afinal, de sua tarefa?
“Eu não vou ver o mundo virar vegano, mas vou gerar uma reflexão nas outras pessoas. Ao mesmo tempo em que sinto ter esse papel, não fico desesperado como se todas as coisas estivessem perdidas, contaminadas, sem solução. Há uma força direcionadora que nos inspira a nadar contra a correnteza, contra a cultura do ego. Mas a mudança é em longo prazo; é um projeto de existir.”