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A mulher do fim do mundo ainda luta: Elza Soares na Virada Cultural 2016

O ambiente estava tenso. No empurra-empurra do aperto comum aos shows lotados, vez por outra irrompiam brigas e discussões meio à multidão, e o público alternava entre cantar as músicas e gritar um absoluto “Fora Temer”.  Até Valesca Popozuda se sentiu obrigada a comentar a atual conjuntura frente às exclamações de sua audiência: “Fora Temer? …

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O ambiente estava tenso. No empurra-empurra do aperto comum aos shows lotados, vez por outra irrompiam brigas e discussões meio à multidão, e o público alternava entre cantar as músicas e gritar um absoluto “Fora Temer”.  Até Valesca Popozuda se sentiu obrigada a comentar a atual conjuntura frente às exclamações de sua audiência: “Fora Temer? É isso, fora tudo o que não presta, né gente?”, ela disse- sem dizer muito-, mas agradando à multidão.

Valesca deixou o palco, e o clima de luta pareceu se intensificar em expectativa ao show de Elza Soares, que também tocaria no Palco São João da Virada Cultural, à meia-noite do domingo (22/05). 3 ou 4 cartazes e faixas de “Vaza Temer” (ou variações equivalentes da mesma mensagem) despontaram e bloquearam momentaneamente a visão do público, que não pareceu se incomodar. Os funcionários e membros da banda de Elza, que montavam o seu palco, também não ignoraram a situação. Em brincadeiras, testavam o equipamento ao mesmo tempo em que estimulavam o fervor do público: “Som. Som. Fora Temer. Som. Som”.

Até que ela subiu ao palco. No centro, um trono digno de sua presença, no qual ela se sentou imponentemente por todo o espetáculo- mas não por isso agitou menos sua audiência. Ela trajava um longo vestido preto, e a textura de sua cadeira dava a impressão de que ele se alongava por metros. Ao seu redor, vários dos músicos competentes que ajudaram a construir seu inesquecível último álbum A mulher do fim do mundo. Luzes neon brilhavam ao fundo. E então- silêncio, o show ia começar.

Só Elza fala agora. A apresentação começa com Coração do Mar, uma interpretação em a capella do poema de Oswald de Andrade, que anuncia sua chegada. Aplauso e exclamações pontuam o fim da música, mas a veterana do samba, não satisfeita, pede mais: “Barulho, barulho. Eu quero barulho. Nós temos que fazer muito barulho pra acordar quem tá dormindo. O povo tá dormindo. O povo tá acordado”. Durante a noite, esse pedido tornou-se um bordão, que ela repetia após cada música. Suas falas eram sempre assim: frases curtas, entrecortadas, imperativos que refletiam uma urgência.

As manifestações e os protestos que tomam conta das ruas e que tumultuavam o público estavam indubitavelmente presentes nos versos de Elza. Seu repertório, de músicas d’A mulher e outras faixas consagradas, era impressionantemente contemporâneo. Houve alguns destaques: em A Carne, a convulsão política atingiu seu ápice, conforme o show foi tomado por intervenções performáticas. 4 homens negros seminus subiram ao palco e sentaram-se ao pé de Elza, enquanto ela cantava: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Projetores iluminavam os prédios ao redor, com mensagens como “O medo serve a quem?” e “Temer jamais”, poeticamente lembrando a relevância das palavras cantadas no contexto de um ministério inteiramente branco. Progressivamente, a melodia dissipou e os versos se tornaram verdadeiras palavras de ordem: “A carne negra é a mais barata. A carne negra não é a mais barata! Minha carne negra! Revolta, minha gente! Revolta! Eu quero é democracia! Democracia!”.

O dueto mais alegre e leve da noite, Firmeza, se encerrou com uma conversa entre Elza e o compositor e membro da banda Rodrigo Campos, até que a cantora interrompeu o diálogo para avisar: “Atenção, atenção agora que eu vou falar uma coisa muito importante”. E tocou Maria da Vila Matilde- Porque Se a da Penha É Brava, Imagina a da Vila Matilde, seu hino contra a violência doméstica. “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”, ameaçava, e pedia para a “mulherada” a acompanhar. E, ao final, continuou: “180. Se ele levantar um dedo, 180. Chega de sofrer calada!”.

Já perto do fim do espetáculo, mais uma bomba: Celso Sim surge com piruetas para seu dueto com a veterana. Benedita explora o tema da transsexualidade na periferia, e a performance ressalta o talento da banda: a música encontra sua potência na instrumentação descompassada e agressiva, sobre a qual Celso e Elza trazem personagens raramente vistos na produção brasileira e internacional- “Ela leva o cartucho na teta/ Ela abre a navalha na boca/ Ela tem uma dupla caceta/ A traveca eterna chefona”. Passada a intensidade da apresentação, a intérprete chama Celso para deitar a cabeça em seu colo, e afetuosamente seca o seu suor. Gentilmente, começa um clássico: O Malandro, que consegue agradar a seu público mais antigo, como também conquistar novos ouvintes.

Seguindo com a atmosfera mais calma, a elegante Solto prometia fechar a noite levando a audiência pacificamente aos braços de Morfeu. No entanto, a festa não acaba por aí. De supetão, a banda entra em frenesi: as guitarras gritam e os tambores urgem, erguendo uma ensurdecedora parede sonora. Então, com a mesma rapidez com que começou o barulho, tudo silencia e só se ouve a voz de Elza, com a saideira Comigo– uma homenagem à sua mãe.

A multidão grita e pede bis, e a cantora lhes atende: “Eles querem mais um pouquinho”. Encerra o show, portanto, com mais duas canções de seu repertório antigo, num samba gostoso. Uma última demanda por barulho é respondida pelo canto de “Elza! Guerreira! Da pátria brasileira!”; e os músicos, ao se despedirem, erguem uma grande faixa de “Fora Temer”, ecoando a mensagem tanto repetida naquele evento.

Por Fredy Alexandrakis
fredy.alexandrakis@gmail.com

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