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A psicologia das cores

As cores rodeiam o nosso mundo. Mas será que elas realmente têm algum poder sobre nós?

Provavelmente você já escutou frases como “o azul proporciona sensação de calmaria”, “o laranja de alegria” ou “as cores influenciam como vemos o mundo”, mas será que isso é verdade? As cores realmente têm algum poder sobre nós? É isso que vamos entender melhor nesta reportagem do Laboratório.

 

O processo físico das cores

“As cores são características perceptuais, ou seja, dependem da interação de certos comprimentos de onda eletromagnética com os nossos olhos que têm células para detectá-los”, afirma o professor Marcelo Fernandes da Costa, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). 

As cores são determinadas por frequências específicas da luz, e o que enxergamos é o espectro que foi refletido por determinado corpo. Por exemplo, ao iluminarmos um corpo verde com luz branca (que é a somatória de todas as cores), a luz verde será refletida, enquanto as outras tonalidades de cores serão absorvidas. No caso da cor preta, o que ocorre é a ausência de luz. 

Uma das experiências mais famosas envolvendo as cores é do físico Isaac Newton, que mostrou através de um prisma a decomposição da luz solar (luz branca), provando que ela é a soma das cores do arco-íris (vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta): 

Prisma mostrando a decomposição da luz.
Prisma mostrando a decomposição da luz. [Imagem: Reprodução/Brasil Escola]

 

Como podemos observar na imagem, a cor violeta apresenta um comprimento de onda menor e uma frequência maior e, portanto, sofre um desvio maior, já com a cor vermelha ocorre o inverso: maior comprimento de onda, menor frequência e menor desvio.

É interessante destacar que cada ser vivo tem diferentes receptores para captar a luz e, por isso, nem toda onda que nós — seres humanos — identificamos como luz, também é para outra espécie.

No olho humano, a retina é a responsável pela formação das imagens e nela existem dois tipos de fotorreceptores: cones e bastonetes. O primeiro é o responsável por identificarmos as diferentes tonalidades que enxergamos. Existem três tipos de cones: o L (“long” — longo) responsável por captar os comprimentos de onda longos, que ficam na faixa do vermelho; o M (“medium” — médio) capta as ondas da faixa do verde; e o S (“short” — curto) que detecta os comprimentos na faixa do azul. A combinação entre elas é responsável por formar as cores e tons que conseguimos enxergar.

 

Olho interno e as células que o compõem.
Olho interno e as células que o compõem. [Imagem: Reprodução/Delta Color]

 

Marcelo complementa: “Depois de [a onda de luz] ser capturada, esta informação sobre qual parte do espectro eletromagnético foi captada pelos nossos receptores é processada, ainda no olho, para criar comparações. Essas comparações de quais partes do espectro eletromagnético estão vindo daquela região do espaço são interpretadas pelo cérebro como cores. Apesar de percebermos as cores, elas são criações psicológicas e não existem na natureza como as percebemos, criamos mentalmente nossa percepção sobre esse mundo. O nosso cérebro não só cria uma representação mental, mas a projeta na direção de sua origem”.

Vale ressaltar que nossa percepção das cores se desenvolve ao longo de toda a infância e adolescência e, de acordo com o professor, após os 30 anos, as pessoas podem ter dificuldade para diferenciar tons entre azul e amarelo, devido ao envelhecimento natural do cristalino, que fica endurecido e amarelado, funcionando como um óculos de lente amarelo-alaranjado, atrapalhando esse processo de discriminar as tonalidades. 

Outro fato interessante é que as mulheres conseguem enxergar mais tonalidades. “Aqueles receptores de nossos olhos são criados com base em códigos genéticos existentes no cromossomo X. As mulheres têm 2 cromossomos X, enquanto os homens têm 1 X e 1 Y. No entanto, essa diferença não é percebida no dia a dia e nem todas as mulheres têm essa “vantagem” em enxergar cores. No laboratório de pesquisa, com equipamentos extremamente refinados, é possível observar uma discreta maior discriminabilidade cromática em parte dessas mulheres”. Contudo, a prática pode fazer com que essa diferença desapareça.

 

Significado das Cores

A atribuição mais comum de associação das cores às sensações e sentimentos é essa:

Azul: promove a sensação de tranquilidade. É uma cor fria que pode intensificar estados de tristeza e melancolia. Promove também a sensação de tranquilidade e estimula o pensamento criativo. Utilizado para passar confiança e credibilidade. 

Amarelo: sensação de agito e pressa, muito utilizado em redes de fast-food. Também passa a imagem de agressividade e advertência, por ser uma cor que chama a atenção. Por outro lado, remete à luz e ao calor, por lembrar o Sol, além de trazer maior conforto visual quando comparado às luzes azuladas (modo noturno dos aparelhos eletrônicos).

Branco: é vista como a cor mais pura e, por isso, passa a ideia de pureza, paz e limpeza. Muitas vezes usada para representar a vida.

Laranja: tonalidade entre o vermelho e o amarelo, transmite alegria e energia. 

Preto: remete à sofisticação, modernidade e luxo. Pode ser também associado ao medo ou a morte.

Rosa: transmite a sensação de tranquilidade e inocência — em suas tonalidades mais claras, e de paixão e sedução — em suas tonalidades mais escuras.

Roxo: é uma cor pouco presente na natureza e um pigmento difícil de ser obtido, por essa razão passa a ideia de algo raro e misterioso. Por isso, antigamente, essa cor era atribuída aos nobres, representando poder e respeito. Como não é uma cor vista facilmente à nossa volta, pode muitas vezes causar repulsa a quem vê.

Verde: é a cor que se encontra no meio do espectro das cores, por isso transmite a sensação de equilíbrio. É muito presente na natureza, transmite tranquilidade e também é vista como a cor da esperança. 

Vermelho: promove a elevação temporária da pressão arterial e, por isso, causa agitação, nervosismo e ajuda a prender a atenção das pessoas. Usada para representar o amor e a raiva, pois é uma cor muito intensa.

As diversas sensações que temos com as cores podem, sim, ser reais. O professor Marcelo explica que como as cores são uma construção psicológica, elas não têm um significado específico, mas são reflexo de uma construção social. Assim, dependendo da cultura em que o indivíduo está inserido, esses significados podem mudar. 

E é dessa construção que muitas vezes o marketing e o design se aproveitam para construir e divulgar imagens. Uma pesquisa realizada por Neil Patel do Quick Sprout indicou que para 93% dos consumidores a aparência visual é o fator que mais contribui para a compra de um produto e que a cor representa 85% do motivo pelo qual você o comprou.

O professor doutor, João Carlos de Oliveira Cesar, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo explica sobre os 4 fundamentos existentes para avaliar e escolher as cores, baseado no livro Color, Environment, & Human Response do autor Frank H. Mahnke:

 

  1. Reações Fisiológicas Inevitáveis, a forma como o corpo reage quando vê o estímulo, como mostramos nos exemplos das cores.
  2. Questões Arquetípicas: questões culturais, que devem ser estudadas especificamente e atentamente
  3. Modas (algo criado e que provavelmente será momentâneo), tendências (algo natural que se manifesta) e estilos. Um exemplo claro é, atualmente, em que o amarelo é utilizado para quem defende o governo Bolsonaro e o vermelho para quem é de esquerda.
  4. Relações Pessoais 

 

Ele define o quarto tópico como um dos mais importantes, pois, por mais que na teoria aquela cor possa, por exemplo, transmitir uma sensação de tranquilidade, se o indivíduo tiver alguma relação negativa com ela, nenhum estudo o convencerá a utilizá-la. Ou se a pessoa gostar muito daquele tom, ela não irá abrir mão dele.

João Carlos exemplifica com uma experiência pessoal como consultor de cores para casas, em que ele compôs o escritório do dono em tons de verde para proporcionar tranquilidade no ambiente em que ele trabalhava. Contudo, o dono não gostou, pois odiava a cor verde que era a cor principal do Palmeiras, rival de seu time Corinthians, do qual era diretor na época.

Casos assim são comuns, principalmente no futebol. No Rio Grande do Sul, por exemplo, no estádio do Grêmio (azul) não é permitida a entrada de Coca-Cola (vermelha) e no estádio de seu rival, Internacional (vermelho), o mesmo ocorre com a Pepsi (azul).

Círculo Cromático
Círculo Cromático. [Imagem: Reprodução/Mundo Educação]

 

Pessoas com Daltonismo ou Transtornos Mentais

Se as cores podem afetar a nossa vida, como é então para uma pessoa com daltonismo?

Marcelo explica que o “fato das cores serem uma criação perceptual e as nossas relações com elas serem aprendidas para os daltônicos não há diferenças. Muitas pessoas descobrem que são daltônicas em fases bem avançadas da vida, outras até nem percebem”. Com isso, não há nenhuma interferência, já que o cérebro nunca recebeu esses estímulos.

Comparação entre a visão normal e os tipos de daltonismo. [Imagem: Reprodução/Vista Oftalmólogos]

 

Por outro lado, alguns estudos indicam que pessoas com transtornos mentais, como depressão e ansiedade, apresentam uma percepção diferente das cores. “Em pacientes com depressão, as cores parecem estar menos vivas, além de estarem um pouco mais escurecidas, com menos brilho. Em outras doenças, como a esquizofrenia, as cores podem aparecer mais vivas do que o normal, além de estarem diferentes das originais, como lábios verdes, por exemplo. As causas neuropsiquiátricas dessas alterações ainda não são entendidas, pois ainda são poucos os estudos sobre o assunto, mas sabe-se que há alguma relação com o desequilíbrio de neurotransmissores como a serotonina, o Gaba e a dopamina nos circuitos cerebrais, incluindo os visuais”, explica Marcelo.

 

Ambientes Monocromáticos

Uma das pesquisas realizadas pelo professor João mostrou como a falta de diversidade cromática causa uma sensação de incômodo nas pessoas. “O nosso habitat natural é a natureza, que, por princípio, é diversa. Por isso, o nosso natural é conviver em um meio com diversidade cromática”, afirma ele.

A partir disso, entendemos por que um indivíduo quando colocado em um ambiente acromático puro, acaba ficando inquieto já que é contra a nossa construção viver em um ambiente monocromático. Essa experiência é fácil de ser entendida com o reality show Big Brother Brasil, em que uma das provas (ou castigo) foi o confinamento de alguns integrantes em um quarto completamente branco. A prova foi considerada uma das mais difíceis e ocorreu nas edições de 2009 (2 vezes), 2010 e 2020. Em todas, os participantes não aguentaram ficar o tempo estipulado e pediram para sair antes.

Em alguns países como o Irã, o quarto branco é chamado de white torture ou tortura branca e é utilizado como uma forma de tortura de prisioneiros, em que vestem a pessoa de branco e a coloca no ambiente da mesma cor. Além disso, o local é feito de forma que nenhum som do mundo externo entre no cômodo e até a comida servida é branca (arroz).

 

Quarto branco da edição do Big Brother Brasil 20.
Quarto branco da edição do Big Brother Brasil 20. [Imagem: Reprodução/Globo]

 

Outro aspecto interessante é que em países que passam por um inverno longo e rigoroso, principalmente os localizados próximos aos polos norte e sul, é comum ocorrerem casos de depressão sazonal, relacionada à falta de luz. “A luz é um importante sinalizador externo e existem células específicas em nossos olhos chamadas de células ganglionares intrinsecamente fotossensíveis que, apesar de não serem receptores sensoriais da visão, respondem à luz pois têm um fotopigmento, a melanopsina. Essas células se conectam com diferentes áreas do cérebro, nas quais há importantes centros que controlam nosso funcionamento básico, como o sono, o acordar e nossos níveis de alerta ao longo do dia, temperatura corporal, fome e sede, entre outras informações. Parte destas informações são projetadas destas estruturas para áreas que controlam nossas emoções. Daí que a falta de luz modifica nossos estados de ânimo e pode gerar a depressão sazonal”, afirma Marcelo. 

 

Imagem de uma estrada com neve no Inverno.
A mudança da luz no inverno é relacionada a chamada depressão sazonal. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

 

E a Cromaterapia?

Algo que tem se popularizado é a Cromaterapia, que se trata do uso das cores para o tratamento de condições físicas e emocionais. Contudo, as cores que fazem parte da luz visível apresentam um comprimento de onda que não é capaz de atravessar a nossa pele e curar tecidos.

O efeito que muitas pessoas afirmam que as cores têm em sua saúde ou em suas emoções são, na verdade, efeitos de sugestão ou autossugestão. “Se alguma cor fosse benéfica, bastaria tomar sol que estaria recebendo um complexo vitamínico de luz e sabemos que de luz ninguém sobrevive”, explica Marcelo.

Além disso, é muito complicado obter luzes monocromáticas, pois essas apresentam um comprimento de onda específico e são difíceis de serem feitas, já que necessitam de equipamentos sofisticados para sua produção. Até o momento, não há comprovação científica de que a cromaterapia é eficaz.

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