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Celebridades musicais no cinema: meritocracia e capitalismo

Artistas do mundo musical têm ocupado papéis relevantes nas películas ao longo dos anos, o que gera debates sobre meritocracia e os reflexos do capitalismo

A sensação de assistir a um filme em que seu cantor preferido está presente no elenco frequentemente causa um impacto único, seja ele positivo ou negativo. A junção desses dois universos – musical e cinematográfico – tende a atrair fãs e espectadores, que dão visibilidade e bilheteria às obras. Contudo, esse fato suscita debates em relação ao caráter meritocrático dessa presença, especialmente em papéis relevantes para a história, já que esses artistas ocupam um espaço que, em teoria, seria exercido por um profissional das artes cênicas, além de provocar uma reflexão sobre o quão responsável pela presença desses cantores é o sistema capitalista. 

Um apanhado ao longo das décadas

Não é um fenômeno da atualidade os cantores serem encontrados em diversas obras cinematográficas, de variados gêneros e classificações indicativas. Ainda na década de 1980, a cantora Cher, consagrada como uma das maiores vozes do pop nos anos anteriores, fazia participações em filmes, como no norte-americano Feitiço da Lua (Moonstruck, 1987), ao lado de Nicolas Cage, interpretando uma viúva que decide se casar com um novo amor e acaba se apaixonando pelo cunhado, um padeiro. O longa foi considerado um sucesso, tornando-se a quinta maior bilheteria no seu ano de lançamento, além de ter sido elogiado pela crítica, que destacou principalmente o papel da cantora.

Outro que marcou presença nas telas foi David Bowie, uma personalidade ícone no meio do rock e lembrado por seu estilo andrógino. No filme O Homem que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth, 1976), Bowie interpreta um alienígena que se disfarça de empresário ao visitar a Terra, buscando a salvação de seu planeta. De acordo com as críticas no Rotten Tomatoes, uma plataforma de classificação, a película obteve 82% de aprovação, apesar das críticas direcionadas à atuação pouco intensa do músico.

Bowie como Thomas Jerome Newton, em O Homem que Caiu na Terra. [Imagem: Divulgação/Zeta Filmes]

A presença nos dias atuais

De volta aos dias recentes, a escalação de figuras do meio musical permanece frequente, podendo ser uma via de mão dupla tanto para os produtores, quanto para as celebridades escolhidas. Enquanto os primeiros têm a possibilidade de alavancar a bilheteria de suas produções, os segundos obtêm prestígio e público fiel que consumirá mais um de seus produtos. 

Nesse cenário, destacam-se figuras como Harry Styles, cantor ex-membro da banda inglesa One Direction, que participou do elenco do drama sobre a Segunda Guerra Mundial, Dunkirk (2017). O longa se tornou a maior bilheteria de filmes de guerra da história. Lady Gaga, cantora pop norte-americana, nos últimos anos, também ganhou espaço relevante nas telas. Entre suas participações estão Nasce Uma Estrela (A Star Is Born, 2018) e Casa Gucci (House Of Gucci, 2021), obra em que a cantora interpreta uma italiana que se envolve com o herdeiro da marca Gucci, mas sofre com um relacionamento turbulento. Sua atuação recebeu críticas, destacando a “superficialidade” de seu sotaque italiano e a falta de seriedade na interpretação.

Lady Gaga como Patrizia Reggiani no filme Casa Gucci. [Imagem: Divulgação/Universal Pictures]

Há meritocracia?

Diante dos fatos apresentados, é possível suscitar o debate sobre a meritocracia em relação a escalação desses indivíduos do meio musical nas grandes produções cinematográficas, visto que, ao ocuparem tais posições, retiram a oportunidade das pessoas formadas na área de artes cênicas efetivamente exercerem sua ocupação e demonstrarem suas habilidades.

Segundo Giovanna Cavalcanti, estudante no curso de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), “a presença dessas celebridades musicais representa uma falta de respeito em relação a profissão de artista, já que não só o tempo, mas também a experiência de um curso profissionalizante é, implicitamente, descartada, frente ao grande destaque, e, principalmente, a bilheteria que a escolha dessas pessoas implica”. Além disso, o meio artístico, tanto no âmbito estudantil quanto profissional, é extremamente agressivo, pois exige uma formação multifacetada. A atriz destaca também que, principalmente no Brasil, a arte é duramente desvalorizada, o que dificulta ainda mais o caminho trilhado pelos profissionais.

Ainda assim, Giovanna diz que é possível compreender a necessidade dos produtores em escalar cantores ou os chamados “influenciadores”, visto que esse segmento possui um público relevante, que frequentemente se mostra fiel, e que possivelmente acarretará em números expressivos de bilheteria. Não somente isso, há ainda uma oportunidade para que esses indivíduos possam exibir algumas outras habilidades que vão além do mundo musical, e, em alguns casos, isso torna-se quase como uma segunda profissão. 

Porém, esse cenário só se concretiza por essas pessoas já possuírem uma carreira consolidada, fãs e notoriedade, possibilitando que “explorem” livremente outros segmentos, caso que não ocorre com os artistas que optam por seguir o caminho “tradicional” – estudar, buscar cursos e estágios, participar de pequenas produções e crescer na carreira –, desestimulando não só os que estudam atualmente, mas também os que sonham em seguir a carreira no futuro. 

O sistema do capital e seus reflexos 

A presença das celebridades musicais nos cinemas também revela um aspecto crucial e consequente do estágio atual do sistema capitalista vigente – a necessidade dos profissionais serem “multifacetados”. Ainda que os cantores se aventurem no meio cinematográfico como um hobby, ao tornar-se um fato frequente, a comunidade artística passa a entender que o sucesso, e consequentemente o capital, só poderá ser alcançado se o indivíduo possuir mais de uma ocupação, refletindo diretamente na sociedade como um todo.

Segundo Lara Araújo, Bacharel em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH – USP), a sociedade industrial consolida a ascensão contínua da classe alta, na medida em que os espaços públicos – como uma produção cinematográfica, por exemplo – são ocupados por essas pessoas, acarretando na sua permanência nessa camada seleta e exclusiva, quase como um ciclo vicioso. Dessa maneira, além de precisar de um grande impulso para se destacar, os indivíduos precisam estar aptos a exercer mais de uma ocupação para se manter nesse meio. 

Lara destaca que, a partir da transferência do sistema de produção fabril para o campo da vida e da sociabilidade, após a Revolução Industrial, a cultura não só acompanhou, como também influenciou e foi influenciada por esse processo, fato esse que foi argumentado por Edward Thompson, historiador inglês. 

Sob essa perspectiva, é possível traçar um paralelo indissociável entre esse “novo perfil” exigido do trabalhador, que é quase obrigado a exercer mais de uma função, e a presença contínua de pessoas consagradas no meio musical nos papéis que deveriam ser destinados aos atores e atrizes de profissão.

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