No dia 25 de Maio de 2020, George Floyd, um homem negro, foi brutalmente assassinado por um policial branco na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos. A ação foi filmada e viralizou na internet resultando em protestos por todo o Estados Unidos e pelo mundo.
Por conta da magnitude do evento, todos os setores da sociedade estadunidense envolveram-se no assunto, inclusive os atletas de futebol americano da NFL (National Football League). Em meio a essas discussões, um nome voltou aos holofotes: Colin Kaepernick.
O ex-quarterback de 32 anos, que está fora da liga desde 2017 – pouco tempo depois de protestar contra o racismo das forças policiais nos EUA – voltou a se posicionar. Seus protestos de 2016 voltaram à pauta e sua história de luta contra o racismo ganhou novos capítulos.
Como o racismo a aparece na NFL
A NFL sempre foi uma liga que teve predominância de atletas negros, atualmente são mais de 70%. Muitos possuem lugares de destaque dentro de seus times, dominam certas posições e são ídolos do esporte.
Entretanto, o racismo se mostra muito presente ao se analisar certas posições de liderança. Donos de time, treinadores principais, gerentes gerais e quarterbacks são algumas das posições de maior poder dentro de uma equipe na liga, dentro e fora dos campos. E, nelas, é nítida a desigualdade racial.
Bruno Rosa, ex-jogador e comentarista de futebol americano, analisou como esse cenário faz parte de uma mentalidade racista da NFL e do futebol americano universitário: “Enquanto os jogadores, mais de 70% pretos, colocam seus corpos em risco em campo, quem mais lucra são os donos, que fazem parte de um ‘clube’ fechado. A respeito dos treinadores, é clara a evidência do racismo, pois tem exceções como treinadores pretos” também comentou Bruno.
As franquias da NFL, como são chamados os times, possuem donos, como empresas, e chegam a valer bilhões de dólares. Esse cargo, então, normalmente é ocupado por pessoas muito ricas e poderosas e nunca na história da liga houve um dono de time negro.
Pedro Bethania, apresentador do podcast Fumble na Net, mencionou como essa realidade é particular da liga de futebol americano. Contou que, em outras ligas estadunidenses, grupos de ex-jogadores negros frequentemente compram partes de times. Mas se mostrou esperançoso: “Acredito, honestamente, que é uma questão de tempo até que algum time seja adquirido por algum ex-jogador ou grupo de ex-jogadores negros”.
Os cargos de chefia fora dos campos mais importantes, que envolvem a parte tática e de contratações, são o de gerente geral (general manager) e de técnico principal (head coach). Neles, mais uma vez a desigualdade é escancarada. Apenas dois gerentes gerais – Miami Dolphins, com Chris Grier, e Cleveland Browns, com Andrew Berry – e três head coaches – Miami Dolphins, com Brian Flores, Pittsburgh Steelers, com Mike Tomlin, e Los Angeles Chargers, com Anthony Lynn – são negros, dentro das 32 equipes que compõem a liga hoje.

Andrew Berry, general manager do Cleveland Browns [Imagem: cleveland.com]
Já dentro dos campos, a posição de maior liderança e destaque no esporte é a de quarterback. Esse lugar mostrou, ao longo da história, resistência com atletas negros. Até os anos 2000, eram poucos que tinham oportunidade de serem titulares de suas equipes e comandá-las pela temporada. Havendo, muitas vezes, hiatos de vários anos sem quarterbacks pretos na liga.
Nos dias atuais, já é notável uma grande evolução nessa participação. Dos 35 quarterbacks que começaram oito jogos ou mais na temporada de 2019, dez são negros. Entre eles está o melhor jogador da liga no ano, Lamar Jackson. O atleta, que completou apenas dois anos na NFL, teve, por reiteradas vezes, a mídia e os fãs questionando seu potencial no posto e discutindo possíveis trocas de posição.
2016, um ano marcado
A temporada de 2016 da NFL ficou marcada dentro dos campos por um dos maiores Super Bowls de todo tempos. Uma vitória espetacular do New England Patriots sobre o Atlanta Falcons no jogo final daquela temporada, provavelmente é o fato mais recordado pelos fãs. Mas nas sidelines a história do esporte ganhava um novo símbolo.
Durante a pré-temporada, em um jogo contra o Green Bay Packers, Colin Kaepernick, então quarterback do San Francisco 49ers, se recusou a levantar durante o hino nacional, que é tradicionalmente cantado antes do início das partidas. A atitude do jogador chamou atenção da mídia, porque é protocolar que todos jogadores e comissão técnica levantem durante a execução do hino.
Ao ser perguntado no fim da partida sobre o ato, ele falou: “Eu não vou levantar para mostrar orgulho a uma bandeira de um país que oprime pessoas pretas e pessoas de cor. Para mim, isso é maior que futebol”. Kaepernick se juntava ao crescente movimento que protestava contra a violência policial às pessoas negras nos EUA.
Tanto Bruno quanto Bethania ressaltaram a validade e a legalidade daqueles protestos: “Quem ainda não entendeu que o protesto de ‘Kaep’ não era contra a bandeira, e sim uma forma de chamar a atenção para um problema muito maior, não entendeu nada. De forma pacífica, ele demonstrou sua insatisfação contra a violência policial e desigualdade racial” ressaltou Bruno.
Sua atitude e fala causaram grande repercussão, gerando diversas declarações de apoio por parte de companheiros da NFL e atletas de outros esportes. Mas a profunda relação do povo americano com seu hino e bandeira gerou muitas críticas ao jogador, que foi acusado de desrespeito com a pátria. No jogo seguinte, no dia 1º de Setembro, ele e seu colega de equipe Eric Reid fizeram pela primeira vez o famoso ato de se ajoelhar a beira do campo.

Jogo entre San Francisco 49ers e San Diego Chargers, 01/09/2016. Primeira vez que Colin Kaepernick e Eric Reid se ajoelharam durante o hino [Imagem: Michael Zagaris/San Francisco 49ers/Getty Images]
Um ano depois, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump decidiu se pronunciar sobre os protestos que voltavam, em pequena quantidade, a acontecer na liga. Enquanto participava de comício no Alabama, o presidente disse: “Vocês não adorariam ver um desses donos de time da NFL, quando alguém desrespeita nossa bandeira, dizer: ‘Tirem esse ‘filho da puta’ de campo agora mesmo. Fora! Ele está demitido’”. Trump ainda incentivou os fãs a saírem do estádio, caso presenciassem os protestos no local.
Dois dias depois, no domingo em que aconteceria a maior parte dos jogos da terceira semana da temporada, mais de 200 jogadores por toda a liga aderiram ao protesto durante o hino, se ajoelhando ou sentando, em resposta às declarações do novo presidente. Aquele foi, de longe, o maior protesto do tipo e eles continuaram, em menor escala, durante aquela temporada.

Jogadores do Jacksonville Jaguars se ajoelhando e com os braços dados no domingo após as declarações de Donald Trump. Na imagem aparece de terno Shahid Khan, dono do time e um dos dois donos não brancos da liga [Imagem: Tim Ireland/The Associated Press]
Colin Kaepernick desde sua saída
Como mencionado, ao fim da temporada dos primeiros protestos, Kaepernick foi liberado do San Francisco 49ers em um acordo entre as duas partes e não assinou com nenhum novo time para a temporada seguinte. Em outubro de 2017, menos de um ano após sua saída e pouco depois do início da temporada, o atleta processou a liga, acusando os proprietários dos times a praticarem um conluio para não contratarem ele.
Existe muita divergência em relação a sua saída e a essa acusação de conluio. Inclusive entre os entrevistados. Bruno Rosa ratifica a versão apresentada pelo jogador: “Na minha opinião, ele claramente foi usado de exemplo e boicotado”. Já Pedro Bethania não vê exatamente como um boicote, como algo armado para que não o contratassem, mas, sim, uma falta de vontade das franquias de terem um nome polêmico como o dele em seus elencos. “Outros jogadores também protestaram, mas o fato de Kaepernick ser um quarterback pesou. Ele ocupava a principal posição em uma das franquias mais tradicionais do esporte” também pontuou o podcaster.
Contudo, um ponto que é quase consensual entre comentaristas é que ele ainda tinha espaço na liga. O quarterback vinha apresentando uma queda de desempenho, desde seus ótimos primeiros anos na liga. “Mesmo com falhas técnicas, ele teria nível para, ao menos, disputar uma vaga de reserva. Chega a ser surreal pensar que entre 64 jogadores de uma posição (considerando os 32 QBs titulares e seus reservas), um atleta que chegou a um Super Bowl não pudesse ao menos disputar posição” afirmou Pedro.
Além disso, em seu último ano, o jogador fez 11 jogos como titular e ele é o único da posição a iniciar tantos jogos em uma temporada e não receber nenhum tipo de contrato na temporada seguinte na última década – sem considerar jogadores que se aposentaram ou estavam machucados. Em fevereiro de 2019, ele chegou a um acordo com a liga e encerrou as acusações sem dar detalhes da negociação.
Em setembro de 2018, após alguns meses fora dos holofotes, Kaepernick foi o protagonista da nova campanha da marca Nike, que comemorava 30 anos de seu slogan “Just do it”. O emocionante vídeo trouxe ele como narrador e teve como slogan principal a frase “Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo” fazendo referência a sua saída da NFL após seus protestos.

Campanha da Nike na qual Kaepernick foi protagonista [Imagem: Nike]
Uma série de outra divergências surgiram nos poucos dias que existiam entre o convite e o evento. Então, o jogador decidiu, horas antes, mudar o local e realizar o treino, porém sem vinculação com a liga. No fim, apenas oito olheiros compareceram, mas ele declarou que estava pronto, e esteve durante os três anos desde sua saída, para voltar para o esporte.
Kaepernick nos protestos de 2020
Com o assassinato de George Floyd pela polícia e a intensa onda de protestos nos EUA, o nome de Colin Kaepernick voltou à mídia. O jogador rapidamente se pronunciou em relação ao acontecimento, sentindo a morte de Floyd e prestando solidariedade à família.
Bruno e Bethania também concordaram como seus protestos ganharam ainda mais sentido após esse recente acontecimento. “Hoje, com todos os protestos e manifestações que vem acontecendo pelo mundo, fica claro como o que ele começou lá atrás tinha um motivo” comentou Pedro Bethania
Logo no início dos protestos, o quarterback anunciou que pagaria advogados para manifestantes que fossem presos. Um fundo ligado a sua instituição, forneceria todo o auxílio jurídico que fosse preciso para pessoas detidas nas manifestações em Minneapolis.
Pouco tempo depois, o Comissário da NFL, Roger Goodell, fez um vídeo admitindo erro da liga no tratamento em relação aos protestos contra o racismo feitos nos anos anteriores e encorajou todos a protestar pacificamente. Além disso, Goodell também deu declarações que encorajará os times a assinarem com Kaepernick. Entretanto, cabe esperar para ver se essas falas se concretizarão em uma volta. Bruno Rosa não se mostrou esperançoso: “Sinceramente não acho que surtirá efeito”.

Capa da revista Sports Illustrated do dia 01/06/2020 [Imagem/Scott Cunningham/Getty Images]