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Torcedor ou Hater? O impacto das redes sociais no ato de torcer

O crescimento das redes sociais trouxe impactos positivos e negativos ao mundo da bola; confira a opinião de especialistas

Por Diego Coppio (diegocoppio@usp.br)

No dia 10 de agosto de 2022, o meia Willian anunciou a rescisão de seu contrato com o Corinthians, clube em que fez a carreira de base e despontou para o profissional, em 2007. Para o lamento do torcedor corinthiano, o desempenho do atleta — com passagens importantes pelo Chelsea e Seleção Brasileira — foi aquém do esperado, com apenas um gol marcado em 45 jogos. Ainda que as lesões tenham sido um percalço na volta do atleta ao Brasil, Willian destaca o linchamento virtual como o principal motivo de sua saída do Corinthians: “não vim ao Brasil para ser ameaçado, para ter minha família ameaçada a cada jogo que perdia ou se eu não fizesse um bom jogo”, desabafou o atleta ao Globo Esporte.

Apesar de o brasileiro ter retornado à Europa para atuar no londrino Fulham, o velho continente também não está isento das ameaças na internet. No dia 4 de abril de 2023, o Athletic Bilbao foi eliminado pelo Osasuna pela semifinal da Copa do Rei após uma atuação fraca de Nico Williams, atacante do clube basco. No dia seguinte, o atleta desativou sua conta no Instagram devido ao grande número de ataques virtuais que sofreu.

Os exemplos citados são apenas dois dentro um oceano de perseguições e ameaças subnotificadas no universo virtual. No futebol — um mercado e fenômeno de extrema visibilidade e importância — essa prática ganha ainda mais destaque. É importante frisar que proferir ameaças a alguém configura crime previsto no código penal, seja no mundo real, seja no virtual. No caso dos jogadores, essas ameaças chegam frequentemente em seus familiares e amigos, pessoas que não estão envolvidas com o resultado de partida alguma.

O torcer ao longo da História

Não há um consenso quanto à chegada do futebol no Brasil. Até mesmo a origem do esporte em si é difícil de ser traçada, tendo em vista as diversas nuances entre os registros. A narrativa consolidada no senso comum é que o futebol desembarcou no Brasil com os europeus que trabalharam aqui no final do século 19. Os filhos de engenheiros e empresários eram enviados à Europa para estudar e tinham contato com o futebol, já bastante popular naquele continente. 

Ao retornar, os jovens traziam consigo os equipamentos e as regras do jogo de acordo com a Football Association, com a intenção de introduzir o esporte em seus meios sociais. Os dois grandes pais fundadores do esporte no Brasil são Charles Miller, em São Paulo, e Oscar Cox — responsável por fundar o Fluminense Football Club, no Rio de Janeiro. 

Em se tratando de uma sociedade elitizada e segregacionista, o futebol inicialmente ficava restrito aos círculos sociais europeus no Brasil, como os clubes ingleses, onde se tentavam recriar práticas e vivências da terra natal dos filiados. Nessa época, os espectadores das partidas eram os membros desses clubes que gostavam do esporte. Uma quantidade reduzida, já que o futebol teve uma rejeição inicial por parte da alta sociedade, que o julgava violento. Reza a lenda que foi durante esse período que surgiu o termo “torcida”, devido ao hábito das espectadoras de torcerem seus lenços devido à tensão do confronto. 

A elite resistiu por muito tempo à popularização do futebol, usando da polícia para a repressão. O esporte era usado como uma marca de distinção em uma sociedade que há pouco perdera seu principal aporte jurídico: a escravidão. Na necessidade de outras formas para se distinguir dos recém libertos, as camadas elitizadas cercearam a prática e audiência do futebol até onde conseguiram.

Apesar das tentativas de segregação, as camadas populares foram conquistando seu espaço dentro e fora de campo ao longo das décadas. A profissionalização do futebol, em 1933, consolidou a entrada de atletas que antes tinham que trabalhar como operários ou empregados do comércio para garantir seu sustento. A partir de então, poderiam tentar viver apenas do futebol.

Homens e garotos em cima de telhado para assistir à partida do Fluminense [Foto: Jornal O Malho/out. 1905]

Fora das quatro linhas, não foi diferente. O futebol rapidamente se tornou uma grande paixão nacional, com destaque para o Campeonato Sul-americano de 1919, o primeiro título brasileiro. Mas o momento de maior êxtase até então foi a Copa do Mundo de 1938, na França, na qual o Brasil fez boa campanha e chegou ao inédito terceiro lugar. Foi a primeira Copa com transmissão por rádio no Brasil, fator fundamental para a difusão do torneio.

Além dos fãs da seleção, os clubes também tiveram torcedores fanáticos e apaixonados. De um esporte limitado a uma marca de distinção, o futebol virou um verdadeiro fenômeno de massas no século 20. Conjuntos de fãs reuniam-se em frente às vitrines de lojas que enviavam correspondentes ao campo para informar os lances e os resultados em tempo real. Há casos pitorescos, como o do escritor Coelho Netto, que ao acordar em uma tarde descobriu que seu filho Mano permitiu a entrada de torcedores do Fluminense em sua casa — contanto que pagassem mil-réis cada —, para acompanhar o confronto do tricolor com o Corinthian da Inglaterra em 1910 a partir do telhado de sua casa.

Na década de 1940, surgiram novas configurações de torcedores responsáveis por promover a festa nas bancadas: as charangas e as torcidas uniformizadas. Longe de ser uma torcida organizada como conhecemos hoje, as charangas instituíram o costume de ir uniformizadas aos estádios, além da tradicional cantoria. Já as uniformizadas são fenômenos mais complexos, muito relacionadas à política de estado varguista que buscava controlar todas as esferas de sociabilidade no Brasil. 

Por se tratar de um fenômeno de massas, o presidente Getúlio Vargas via com bons olhos a aproximação de sua imagem com o futebol, tendo discursado diversas vezes em estádios. Com o fim do governo varguista, aos poucos as Uniformizadas perderam sua força e deram espaço à busca da mídia por torcedores-símbolo, como o rubro negro Jaime de Carvalho e a corinthiana Elisa

As torcidas organizadas propriamente ditas surgiram no final da década de 1960, caracterizadas pela aglomeração espontânea dos torcedores, pela forte presença de jovens e pelo caráter de cobrança às diretorias de seus clubes. Inicialmente vistas com bons olhos pela imprensa, a partir da década de 1980 começaram a ser retratadas como instituições transgressoras e violentas, com destaque para a Batalha do Pacaembu, em 1995

Na partida entre Palmeiras e São Paulo, válida pela Supercopa São Paulo de Juniores, torcedores de ambos os times invadiram o gramado e se enfrentaram fisicamente. Um torcedor morreu e outros 102 ficaram feridos. Esse embate marcou uma virada de chave na cobertura da imprensa sobre as torcidas organizadas e moldou a opinião pública sobre seu caráter violento.

A chegada das redes sociais

Uma das principais atribuições das torcidas organizadas é a cobrança à diretoria e ao elenco. O canto Contra todo ditador que no Timão quiser mandar, entoado pela Gaviões da Fiel, a maior organizada do Sport Club Corinthians Paulista, é um exemplo disso e mostra como a cobrança sempre foi algo comum na vida dos atletas.

Sobre sua passagem no México, o lateral Fábio Santos disse — em tom descontraído — ao programa Bate Bola da ESPN que sentia saudades da Gaviões da Fiel quebrando seu carro após uma derrota. No entanto, as redes sociais alteraram a configuração dessa cobrança, que agora é mais frequente e atinge também os familiares dos jogadores.

Ameaça recebida pelo atleta Willian no Corinthians [Foto: Reprodução/Redes sociais]

Mariana Capra, jornalista e editora plena das redes sociais da ESPN Brasil, acredita que os ataques virtuais são um fenômeno que não se limita apenas à esfera do esporte. “Muita gente acha que internet é terra sem lei, que eu posso expor meus preconceitos e nada vai acontecer comigo”. 

Para ela, essa sensação de impunidade faz com que haja uma diferença entre o comportamento das torcidas no estádio e na internet: “Por mais que as pessoas pensem algo, elas têm medo de externalizar, pois sabem que a repreensão pessoalmente é muito maior que na internet. A editora também destaca a importância que a modernização dos estádios tem nesse processo, com a instalação de sistemas de monitoramento, reconhecimento facial, câmeras e biometria.

“A geração mais jovem recebe uma chuva de informações e acaba querendo encontrar problemas e ter razão, em vez de apoiar incondicionalmente o time. O torcedor que vai ao estádio, em sua maioria, sabe que faz parte da história do jogo, que tem o poder de incentivar seu time e amedrontar o adversário”

Leandro Viana, ex-membro da Pavilhão 9

Para além das ameaças e ataques, o que antes era restrito às mesas de bar e às pausas no trabalho, hoje tem no Twitter um grande suporte de difusão. Para o jornalista Andrew Sousa — ex-setorista do Corinthians pelo portal Meu Timão e hoje apresentador no canal Salve Drew —, a questão geracional é um fator importante para essa diferença entre as torcidas. “É algo quase automático, quem vai ao estádio é um pouco mais velho do que quem está na internet. Então quem faz mais barulho é uma galera mais nova, e aí tem toda essa questão da FielTT [termo utilizado para se referir aos torcedores do Corinthians no Twitter] ser mais imediatista, escolher jogadores para gostar e desgostar”.

Ele ainda destaca o imediatismo presente na geração de jovens que circula pela internet: “um vídeo para eles tem que ter 15 segundos. São adolescentes em sua maioria que estão loucos para mostrar sua opinião”. 

Leandro Viana, frequentador de jogos do Corinthians há mais de vinte anos e ex-membro da Pavilhão 9, torcida organizada do clube paulistano, concorda com Andrew. Para o torcedor, essa mudança não se limita apenas às redes sociais e já se faz notar na própria arquibancada, devido aos preços altos dos ingressos. Ele acredita que esse fator traz um novo perfil de torcedor ao estádio, mais racional e menos passional.

Pensando no fator geracional, alguns campeonatos vem tentando inovar em seu modelo de transmissão para alcançar esse público mais jovem e imediatista. Em 2021, a Copa do Nordeste e o aplicativo TikTok entraram em acordo para as transmissões do torneio na plataforma chinesa, em uma tentativa de adequar as partidas à linguagem do aplicativo, muito popular entre os jovens, permitindo a interação entre os torcedores no meio da partida.

Ambos os jornalistas concordam que a internet foi um potencializador para algo que já existia anteriormente. Mariana Capra afirma que o que ocorre na internet é reflexo do que ocorre em uma sociedade com opiniões fortes e de como ela reage a isso. Andrew acrescenta que a internet disponibiliza uma ampla gama de informações que antes não possuíam tanto destaque: “O torcedor corneta sempre existiu, mas o que corneta durante o jogo. A internet entrega muitos pontos para o torcedor analisar, como o treino do time por um vídeo, o preparador físico, como o atleta se comporta nas redes sociais. Não é só dar espaço para os torcedores criticarem, mas também dar conteúdo”.

Mariana também entende que as páginas dos grandes veículos formam comunidades nas quais os torcedores se sentem à vontade para repercutir notícias negativas. Segundo ela, o ódio é o sentimento que mais engaja nas redes. “A imprensa oferece um espaço de interação com o torcedor e nessa interação ele se sente na liberdade de destilar o ódio. A gente vê isso na internet muito nos posts sobre futebol feminino, por exemplo”.

Andrew, cujo principal campo de trabalho é o YouTube, nota um número de mensagens pagas muito maior nas derrotas do Corinthians do que nas vitórias. “Muita gente paga para colocar na tela alguma crítica a alguém. As pessoas querem se ouvir dizendo o que elas pensam de negativo.” 

Além da plataforma de vídeos, o jornalista também utiliza o Twitter para fins de trabalho e nota que o comportamento é semelhante em ambas as redes: “Pensando no Twitter, dificilmente você consegue argumentar sem um adversário. Você não consegue falar ‘eu acho o Romero (atacante do Corinthians) bom’, tem que falar ‘tem gente que acha o Romero ruim’. É um debate imaginário”. 

Apesar dos problemas, Mariana acredita que a internet facilitou a criação de comunidades torcedoras que muitas vezes não se formariam ou não se manteriam vivas fora dela. “Quando eu me mudei para São Paulo, a primeira coisa que eu fiz foi buscar na internet se existia um consulado aqui do meu time para eu poder assistir aos jogos com pessoas que torcem para o meu time, então a internet facilita muito essas interações.” A jornalista, que tem experiência em assessoria de clubes, ressalta que a interação clube-torcedor pode ser fortalecida com o intermédio da internet, por meio de histórias que chegam dos fãs.

Andrew também destaca o lado positivo. “Por mais que você traga mais pontos para a torcida criticar, você leva mais informação e aproxima as pessoas do clube. Nem sempre é ruim o torcedor saber de tudo. Na maioria das vezes é até positivo para cobrar.” Ele relembra o caso Cuca no Corinthians, que renunciou ao posto de técnico após dois jogos, atuações fracas e protestos intensos vindos da torcida nas redes sociais. 

O jornalista ainda valoriza a diminuição das distâncias gerada pela internet: “Hoje, um cara que mora na Bahia, ou no Rio Grande do Sul consegue acompanhar o Corinthians 24 horas e se faz ouvir. Na televisão, você assiste o programa esportivo, mas só recebe a informação. Hoje você assiste uma live da imprensa sobre o seu time e participa do debate”.

E a imprensa?

Simultaneamente às redes sociais, surgem os influenciadores digitais —- ou influencers —, personalidades que alcançam a fama divulgando um estilo de vida, geralmente associadas à publicidade. Devido ao número colossal de seguidores que alguns influenciadores conseguem angariar, o fenômeno pode se tornar perigoso: uma pessoa com um grande público tem suas ideias cada vez mais fortalecidas; ideias que muitas vezes não têm o rigor crítico necessário para serem divulgadas com tanta repercussão, mas que tem um poder destrutivo grande.

A esfera do futebol também possui sua parcela de formadores de opinião que conseguiram conquistar um grande público nas redes sociais por meio de uma linguagem despojada e passional. Andrew identifica na questão geracional uma razão para o crescimento desse tipo de influenciadores em detrimento dos jornalistas ditos tradicionais. “Hoje, os torcedores procuram alguém que fale a língua deles, um torcedor”. Diferentemente do jornalista, que mantém o decoro ao tecer críticas e opiniões fortes, o influenciador “fala a mesma língua” do torcedor. 

“Quando eu estava no Meu Timão, nós sofremos justamente por estarmos em um ambiente jornalístico. Às vezes, eram as mesmas opiniões dos influenciadores, mas o torcedor entra no perfil de um influenciador e vê uma opinião muito mais exagerada e desrespeitosa. Aí ele pensa que se o jornalista não se expressa dessa maneira ele está passando pano, gerando discurso do ’nós contra eles’, ‘nós contra os jornalistas’”. 

No que diz respeito à função do jornalista esportivo, Andrew crê que haverá adaptações: “Acho que a imprensa vai perder um pouco de força, muita gente vai abandonar e ir para um cara um pouco mais torcedor, mas não tem muito o que fazer. Acredito que as adaptações máximas sejam segmentar, rejuvenescer um pouco a linguagem, mas migrar para o lado torcedor de fato acho que não cabe.” 

O jornalista acredita que o papel da imprensa é manter o debate no mais alto nível, algo incompatível com migrar para o lado torcedor em sua visão. Leandro Viana complementa, ressaltando a importância de uma apuração jornalística bem feita, o que nem sempre acontece na internet, onde o foco muitas vezes está no dinheiro e nas visualizações.

Em relação ao papel do jornalista diante de ameaças e situações de risco, Mariana Capra acredita que “a imprensa tem que ter responsabilidade com as coisas que ela escolhe noticiar para que isso não dê margem para que as pessoas acabem destilando ódio e ferindo algum direito humano”. Ela valoriza o filtro das informações e a seleção das imagens no caso das invasões de campo, por exemplo, como algo que deve ser feito pelos profissionais da comunicação para evitar comportamentos nocivos à sociedade.

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