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Xadrez narrado: o surgimento de uma profissão no mercado do entretenimento

Youtubers e streamers que narram partidas de xadrez de forma divertida ganham destaque após pandemia e série da Netflix

No final de 2020, um esporte não tão popular quanto futebol ou basquete ficou sob os holofotes do mundo: o xadrez. Com a estreia da minissérie da Netflix, O Gambito da Rainha (The Queen’s Gambit, 2020), o jogo de tabuleiro ganhou uma projeção imensa e bateu recorde de pesquisas. Além disso, a pandemia também fez com que as pessoas usassem seu tempo para tentar aprender algo novo ou encontrar algo para se distrair. Todos estes fatores somados fizeram aumentar o interesse pelo jogo, não apenas para aprender a jogá-lo, mas também para acompanhar partidas e simplesmente se divertir. 

É nesse contexto que canais no Youtube e na Twitch que produzem este tipo de conteúdo também começam a crescer. Pessoas jogando xadrez online e analisando partidas de um jeito mais descontraído passaram a ver o número de inscritos e seguidores aumentando como nunca. Exemplo disso é o youtuber Rafael Leite, que apostou no xadrez de entretenimento e, em 2020, transformou o seu canal, Xadrez Brasil, em um dos maiores canais do esporte do país. Graças ao sucesso, o engenheiro se viu com uma nova profissão e a com todas as dívidas quitadas.

É hora de saber mais sobre essa modalidade de entretenimento em crescimento no Brasil e ficar por dentro de como esse conteúdo é feito por meio da experiência de dois grandes mestres brasileiros que embarcaram nesse novo mundo.  

A minissérie O Gambito da Rainha foi um fator importante para aumentar o interesse no esporte [Imagem: Divulgação/Ken Woroner/Netflix]

Mas desde quando xadrez é divertido?

Uma pessoa que nunca jogou xadrez, mas assistiu à famosa série, realmente pode achar intimidador a seriedade com que uma partida é jogada e o funcionamento do jogo. Aliás, pode parecer que apenas gênios e prodígios são capazes de jogar. Mas acredite, as regras gerais e a movimentação das peças não são coisa de outro mundo e podem ser aprendidas facilmente.

Porém, o jogo em si é complexo e possui inúmeras variantes que levam a posições, muitas vezes, inéditas. Muitos enxadristas profissionais calculam por muitos minutos — quando não horas — para mexer uma única peça. Eles tentam ler a mente do adversário para prever com que lance o oponente responderá caso ele mova uma peça para determinada casa. E qual será o lance seguinte, e o seguinte, e o seguinte…às vezes seis lances à frente! 

Mas por que as pessoas estão interessadas nisso? Muitos narradores de xadrez na internet analisam partidas explicando o porquê de cada lance, como o jogador raciocinou tudo aquilo e quais as possíveis variações diante daquela posição. Entrar na cabeça dos jogadores e entender como eles pensam tende a ser fascinante. Ver alguém aplicando um xeque-mate em meio a uma partida muito complexa pode ser o equivalente a assistir um jogador de futebol fazendo um gol de bicicleta, por exemplo. 

E é assim que os youtubers e streamers de xadrez atuais encaram as partidas. Com narrações acaloradas, entusiasmo a cada jogada, comentários, bordões e brincadeiras, estes produtores de conteúdo trouxeram uma perspectiva diferente de um jogo que parecia ser para poucos ou até entediante de acompanhar por uma transmissão convencional. 

O canal do Youtube GM Krikor Mekhitarian possui mais de 100 mil inscritos [Imagem: Reprodução/Youtube/GM Krikor]

Antes, durante e depois do play

Para saber mais sobre a produção dos vídeos e lives, o Arquibancada conversou com dois grandes mestres (GM) brasileiros que fazem bastante sucesso nas redes: GM Krikor Sevag Mekhitarian e o GM Rafael Leitão. Ambos tiveram o seu primeiro contato com o xadrez na infância e sob a influência de seus pais. Logo se desenvolveram, começaram a participar de campeonatos e hoje já fazem parte de torneios mundiais. Ambos também tiveram a honra de jogar com campeões mundiais como Magnus Carlsen e Anatoly Karpov.

Rafael começou a fazer vídeos analisando partidas despreocupadamente para o Youtube. Com o crescimento do canal, passou a fazer mais lives na Twitch e a gravar para o Youtube com mais periodicidade, aproveitando seu conhecimento em gravação e edição adquirido por ter uma academia de xadrez online

Já Krikor começou com um blog por volta de 2008 para falar sobre a rotina de um enxadrista e a ideia de gravar vlogs surgiu pouco depois. Após uma pausa para focar nas competições, ele voltou a produzir conteúdo em 2016 de forma mais regrada e com um conteúdo mais instrutivo. 

No entanto, os dois enxadristas precisaram adaptar o formato dos vídeos com o passar do tempo e com os feedbacks que recebiam de seus seguidores. O público desse conteúdo não estava unicamente interessado em aprender xadrez, mas se distrair assistindo a uma partida. “O principal é ter sempre a parte do entretenimento porque o que as pessoas buscam é isso”, explica Krikor.

As plataformas em que o conteúdo é produzido também influencia na forma dos vídeos e no espectadores alcançados. Rafael Leitão conta sobre a principal diferença entre um conteúdo feito na Twitch e no Youtube: “Fazer a transmissão ao vivo é muito divertido porque você vai interagindo com o público, não tem nenhum roteiro, você vai falando as coisas que você acha e vai vendo como a partida vai se desenrolando. Já no vídeo, você precisa pelo menos saber o que você vai mostrar e já ter feito uma análise prévia da partida”.

Para fazer análises de partidas já jogadas para o Youtube, ambos têm métodos um pouco diferentes. Ainda que não se prendam muito a uma roteirização, Leitão prefere sempre checar os lances com o auxílio de inteligência artificial antes de dar play na câmera para não cometer gafes. Por outro lado, Mekhitarian olha rapidamente a partida antes e prefere gravar baseado em seu conhecimento, sem muita preparação. 

Muitas vezes, os jogos que comentam na internet são partidas que eles mesmos jogaram, sendo assim, outro aspecto muito importante é compartilhado com o público: até os profissionais erram e ficam tensos durante uma partida.  “Tem muita coisa pessoal ali envolvida e aí eu falo que ‘aqui eu fiquei nervoso, aqui eu fiquei feliz, aqui eu fiquei triste, aqui eu estava tenso com tal coisa’”, exemplifica Krikor. Fazer com que os espectadores se identifiquem com quem narra e joga também é fundamental.

O GM Rafael Leitão não só analisa e faz lives, como também possui uma academia de xadrez online [Imagem: Reprodução/Youtube/Rafael Leitão]

Xadrez para todos: narração para deficiente visuais

A modalidade de xadrez às cegas existe. Nela, os jogadores jogam a partida vendados e apenas anunciam para qual casa determinada peça deve ser movida. Eles devem manter a posição das suas peças e as do seus adversários na mente e, ainda sim, calcular e pensar qual será o próximo lance.

Mas os vídeos e lives são bastante visuais. É muito comum que alguns youtubers e streamers apenas mostrem o tabuleiro em seus vídeos e comentem os lances. Dessa forma, pessoas que possuem deficiência visual acabam não conseguindo  acompanhar o jogo por não poder visualizar. Mas este cenário está em mudança.

Hoje, muitos produtores deste conteúdo estão adaptando as gravações para abranger este público também e vêm recebendo feedbacks positivos, além de aumentar a comunidade. Basicamente, o narrador “canta” o lance de ambos os jogadores como na notação de xadrez: “as brancas jogam Dama em d7”, “as pretas movem o Cavalo para g4”, e assim por diante. Da mesma maneira que o xadrez às cegas, os deficientes visuais conseguem visualizar o tabuleiro a partir da narração e aproveitar o vídeo.  

O atual campeão mundial Magnus Carlsen joga xadrez às cegas contra três oponentes [Imagem:Reprodução/YouTube/Magnus Carlsen]

Conexão entre pessoas e uma nova profissão

O xadrez online se transformou numa fonte de renda para muitos jogadores e amantes do esporte. Leitão conta que, se não fosse pela academia, ele optaria por se dedicar quase integralmente à produção de vídeos e lives, já que as premiações dos torneios brasileiros são baixas e os incentivos no Brasil para enxadristas são escassos. Mekhitarian também transformou o Youtube e a Twitch em uma atividade principal depois do ano passado e dedica a maior parte de seu tempo fazendo conteúdo para estas plataformas. 

As partidas narradas vão muito além do divertimento ou do ensino de como jogar, mas podem contar histórias pouco ouvidas. Rafael Leitão explica que aborda em seus videos aspectos históricos do xadrez brasileiro e mundial, assuntos pouco falados e que podem ser úteis para divulgar e valorizar o esporte. 

Krikor também conta que recebe mensagens de pessoas dizendo que, graças ao seu conteúdo, relembraram da antiga paixão pelo jogo e passaram a ensiná-lo a seus filhos e sobrinhos. Ele pontua que despertar o gosto pelo esporte nas pessoas e ter um impacto positivo na vida delas é uma das partes mais incríveis de seu trabalho.

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