Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Mesmo com o fim da escravidão, a história dos EUA guardou diversos momentos de rixa entre negros e brancos. Nos últimos anos, por exemplo, uma série de protestos fizeram manchete em resposta ao abuso e truculência de policiais brancos contra a população negra. Black Live Matters e #OscarsSoWhite são apenas alguns dos focos que pouco a pouco alcançam o cinema, em obras como Selma – A Luta Pela Igualdade (Selma, 2014) e A 13ª Emenda (13th, 2016); A Prisão em Doze Paisagens (The Prison in Twelve Landscapes, 2016) é mais um deles. Dividido em 12 capítulos entitulados com nomes de cidade americanas, o trabalho apresenta diferentes formas e consequências do sistema prisional na vida de estadunidenses ao redor do país. Seu diferencial, no entanto, é que além de toda abordagem político-social característica de documentários do gênero, ele ainda investe em metáforas e situações inusitadas que enriquecem muito o resultado final.
Assim, se por um lado, a repressão dos protestos da Detroit de 67 e da Baltimore dos dias de hoje nos lembram da luta constante e necessária que se faz por maiores direitos, por outro, os moradores de uma cidade de Kentucky comentam preferir viver à sombra de uma grande penitenciária do que perderem a única fonte de renda da região – “as companhias de carvão [que antes dominavam] fecham, o sistema penitenciário nunca”. Por um lado, uma senhora negra conta que foi presa por deixar a tampa do lixo aberta, e por outro, um homem nos conduz num tour pelo segundo maior monopólio empresarial dos EUA – que senão uma prisão, contribui para que outras (da desigualdade social) existam. De um, constatarmos que a composição das filas de multa de trânsito serem predominantemente escuras, e de outro, assistirmos a tomadas de florestas queimando, enquanto ouvimos a voz de uma presidiária negra, que diz se sentir mais livre envolta aos paredões de fogo como bombeira do que detrás das grades.
Detroit, Baltimore, Kentucky, Los Angeles, Nova York. Passando por uma dúzia de locações, o documentário ganha dimensão justamente por particularizar situações ímpares em regiões bastante distantes, mas que por sua vez, carregam o estigma da pele para “legitimar” um sistema falido. A todo momento, os entrevistados traçam comentários que remontam a questão da reabilitação social – ideal ainda longe de ser cumprido, principalmente frente a depoimentos que corroboram que para a parcela da população negra, a prisão supera o ambiente da penitenciária e alcança as ruas. Assim, é inteligente que a diretora Brett Story se demore em planos vazios das fachadas de escolas, parques e vendas toda vez que passamos para uma nova cidade. Se esses locais deveriam representar ambientes de liberdade, e em última análise, de reabilitação, a desocupação deles, por outro lado, institucionaliza a extensão do preconceito e encarceramento – que a cada dia mais segrega detentos da vida comum.
Um outro grande acerto se dá por parte da montagem, que justamente por iniciar com cenas mais metafóricas e pouco a pouco alcançar outras mais combativas, nunca perde o interesse; pelo contrário, o fomenta. Com isso, a cada nova mudança de cenário, fica a expectativa de qual outra problemática encontraremos. Inclusive, essa progressão dialoga até mesmo com a realidade, onde tudo aquilo que é inicialmente velado (metafórico) é, em determinado momento, exposto à sociedade (combativo). Numa relação mais clara, as penitenciárias são apenas expressão de um racismo marginal (metafórico) que eventualmente após anos toma corpo em protestos (combativo). Não à toa, o estranhamento levantado pela cena inicial só será literalmente respondido ao final da projeção.
Dessa forma, é preciso ressaltar, como mesmo episódico, a narrativa é bastante equilibrada. Trabalhando com uma temática ampla, A Prisão em Doze Paisagens se dá ao tempo de apresentar ideia atrás de ideia, sem se atropelar. E assim, os doze cenários surgem passivos e críticos, esperançosos e desiludidos, revoltosos e apaziguados, como os diversos momentos da vida de um, preso ou não, ser humano. Dualismos esses expressos perfeitamente no sorriso de um negro que diz apenas viver, mas que nas costas carrega 27 anos de reclusão.
Trailer em inglês:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com