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BookTok: O “queridinho” do TikTok também tem seus defeitos 

Mesmo com influência positiva no consumo literário da geração Z, muitos títulos recomendados através da rede social não possuem classificação indicativa e indicação de temas sensíveis
parede branca com várias capas de livros famosas no booktok, o segmento do tiktok de livros
Por Clara Hanek (clarahanek@usp.br) e Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br)

Cada vez mais popular nos últimos anos, o TikTok, rede social de vídeos, acumula mais de 98.6 milhões de usuários apenas no território brasileiro — o quarto país mais ativo no aplicativo. Com a popularização e a crescente demanda por conteúdos no aplicativo, diversos nichos se desenvolveram, entre eles o BookTok, uma subcategoria em que os internautas têm acesso a conteúdos literários. 

A comunidade do BookTok, entre usuários e criadores de conteúdo, não apenas se expandiu recentemente, como também impactou de forma direta o mercado editorial brasileiro. Títulos populares dentro da rede social ocupam os rankings de mais vendidos das editoras e as listas de leitura da Geração Z. 

No entanto, em meio à influência positiva no hábito de leitura, livros sem classificação indicativa e que ocultam a presença de temas sensíveis podem ser alarmantes para a formação de  jovens leitores, que ainda não tem discernimento adequado para a interpretação de tais tópicos. Influenciadores digitais e as editoras têm um papel fundamental na conscientização desses temas, mas apresentam discordâncias em como lidar com a situação. 

A ascensão do BookTok 

O fenômeno BookTok é recente: cresceu junto com a rede durante o período de isolamento social da pandemia. Desde 2020, esse nicho chama a atenção principalmente da geração Z, que é o maior público da rede, seja como criadora ou usuária. A produção de conteúdo literário uniu a tecnologia à literatura, de modo que ela interessasse mais os jovens que cresceram com celulares e tablets na mão. A divulgação e indicação de livros começaram pequenas, mas se tornaram agentes de mudança do mercado editorial. 

Em entrevista, Tiago Valente, mestre em Letras e booktoker com mais de 500 mil seguidores na rede social, explica um pouco sobre esse movimento: “O que o BookTok fez foi levar a literatura para uma conversa próxima, de um jeito que não existia até então […] Os vídeos verticais e o TikTok criaram uma relação de proximidade com os espectadores [em relação ao BookGram e BookTube – comunidades literárias no Instagram e no Youtube, respectivamente] e isso traz a literatura para essa conversa mais íntima e pessoal.” 

 Os dados não mentem: o mercado editorial, em contrapartida à maioria dos setores, cresceu durante a pandemia e começou a recuperar as quedas da década anterior. As pesquisas do 7º Painel do Varejo de Livros no Brasil (2021), realizado pela Nielsen Book e divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel), provam isso. No primeiro semestre de 2021, a venda de livros aumentou em 48,5%, em relação ao mesmo período de 2020. E a principal razão entre todos os aumentos parece ser a mesma. 

A venda digital também cresceu muito: os próprios livros são divulgados na Amazon como ‘sucesso do TikTok’, o que transforma a popularidade na rede em um selo de qualidade

O consumo do público jovem interferiu no mercado editorial para além do evidente aumento de vendas. Tiago pontua como as diferentes demandas dos adolescentes, que são a maioria dos seus seguidores, influenciam diretamente nos produtos que chegam até eles: “Eles [jovens] querem ver histórias com mais diversidade, representatividade, pautas sociais, saúde mental… Isso criou um grande efeito em cadeia e fez a gente [criadores] buscar essas obras, os escritores abordarem essas temáticas e as editoras perceberem a demanda”. 

A necessidade de ter válvulas de escape de tudo que acontecia no mundo durante a pandemia do Covid-19 influenciou as pessoas a criarem (ou retomarem) hábitos, sendo a leitura um deles. As comunidades virtuais sempre existiram (e.g. Orkut, MSN, Reddit etc), mas ganharam força no período em que as pessoas tinham menos chances de interações sociais presenciais. Esse foi o terreno fértil para o crescimento do TikTok e seus respectivos nichos. 

Essas redes interligadas de relacionamentos virtuais, formadas por pessoas com interesses comuns, se adaptaram com a nova gama de ferramentas disponíveis pela evolução da tecnologia. Uma das mudanças é a possibilidade de compartilhamento de diferentes mídias, como as lives, por exemplo. Além disso, as novas ferramentas permitem que as pessoas passem do papel de consumidor para o de criador de forma fácil, ao produzir conteúdo original. 

Lívia Reginato é influenciadora literária, dona do perfil @livresenhas, com mais de 600 mil seguidores no TikTok, e é conhecida pelas suas lives (transmissões ao vivo) de leitura. Elas acontecem na Twitch e são uma transmissão da jovem lendo, para que os espectadores possam ler com companhia. As transmissões são compostas por sprints de leitura, em que a influenciadora coloca uma música tranquila e apenas lê, e momentos de “pausa”, com conversas e “fofocas” literárias. A duração é de mais ou menos quatro horas — exceto nas versões especiais, apelidadas como “maratonas”. De acordo com Lívia, a intenção é ajudar leitores a focar, não se sentirem sozinhos durante a atividade e conhecerem pessoas com os mesmos interesses. 

A experiência ultrapassa o exercício individual da leitura com o uso das bookredes. Existem até aplicativos específicos para sustentar as comunidades virtuais. O Skoob, equivalente brasileiro ao gringo Goodreads, é o maior deste gênero no Brasil. No aplicativo, é possível marcar atualizações de leitura, fazer comentários conforme o livro é lido, definir metas e organizar as estantes — nas categorias “lido”, “quero ler” e “lendo”. Os comentários e resenhas do usuário aparecem na timeline compartilhada pelos leitores, para que outros possam responder, curtir e colocar suas próprias opiniões. 

O conteúdo no TikTok faz sucesso porque é produzido, em grande parte, organicamente, de leitores para leitores. A comunidade literária lê e depois comenta, discute e recomenda para outras pessoas, sendo o TikTok o campo ideal para essa interação próxima. Os vídeos que nos primórdios da rede eram curtos e humorísticos evoluíram para vídeos de até 10 minutos e nichados (ArtTok, FashionTok, CulinaryTok, entre outros).

Responsabilidade dos influenciadores literários 

Além de todos os aspectos benéficos que a prática literária traz ao público jovem, é preciso atentar-se à influência dos conteúdos nesse público, que nem sempre é positiva. Muitos títulos famosos nas redes têm temáticas sensíveis, com as quais o público mais novo pode não ter discernimento para lidar e interpretar com a maturidade necessária. O maior exemplo da popularidade de livros que abordam temas complicados é a autora Colleen Hoover, apelidada como “CoHo”, gigante do BookTok. Seu livro mais famoso, É Assim que Acaba (It Ends With Us, 2016), aborda um relacionamento abusivo e casos de violência doméstica. Todos os seus títulos, no entanto, têm casais problemáticos e que são, frequentemente, romantizados. De forma similar ao livro After (2014), que foi fenômeno entre garotas adolescentes, é preocupante o consumo desse tipo de conteúdo — não só divulgado, como também escrito sem a responsabilidade devida. 

Os 3 livros mais lidos no Skoob são da Colleen Hoover, conhecida por ser uma autora problemática. [Imagem: Reprodução/ Instagram @skoob] 

O que se observa, entretanto, dentro da comunidade literária, é que existe uma falta de indicação sobre esses temas. Tomando-se como exemplo os livros da CoHo: diversos influenciadores divulgam a leitura como uma história de romance entre dois dos protagonistas e não abordam a parte sensível do livro — o que pode ser difícil de lidar para adolescentes que, em geral, não possuem discernimento para entender as questões concernentes aos relacionamentos das tramas. 

Tiago explica a relevância de assuntos sensíveis na literatura, mas com o cuidado devido: “É muito importante falar sobre violência doméstica e misoginia, mas para um público específico, adulto, que já tem repertório emocional para entender e saber lidar com essas temáticas”. Para o influenciador, tudo começa na curadoria dos livros e no planejamento de como abordar as histórias: “Eu cancelo publicidades toda semana por conta de livros que não estão lidando com essas temáticas de forma responsável”. 

O booktoker completa: “Ainda existe um trabalho muito irresponsável dos criadores que falam sobre essas temáticas sem alertar que é um livro adulto. Esses conteúdos são adequados para um tipo específico de público e isso deve ser deixado claro [pelos influenciadores].” 

Classificação indicativa: preocupações e busca por padronização 

Outra preocupação ao tratar do conteúdo literário é a falta de classificações indicativas. Diferente do sistema de cinema e televisão, o editorial não possui uma regulamentação específica para a descrição de classificações indicativas e nem possui obrigatoriedade de apresentá-las, de acordo com o próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que considera os livros como produtos não classificáveis. 

Autoras como Penelope Douglas, por exemplo, escrevem romances classificados como ‘dark’, o que não seria um problema se esses livros contivessem alertas para conteúdo adulto. Contudo, uma vez divulgadas nas redes sociais, as obras atingem um público majoritariamente adolescente (maioria no BookTok), o que é preocupante por inúmeros motivos. Além do conteúdo sexual explícito, a romantização de relacionamentos abusivos, violentos e até de stalkers são temáticas presentes em muitos dos livros que fazem sucesso. A hashtag ‘#darkromance’ tem quase quatro milhões de publicações na rede. São livros feitos por e para mulheres adultas que têm maturidade e capacidade de separar ficção e realidade, mas lidos em massa por adolescentes. 

Além de romances ‘dark’, muitos livros com gatilhos ou conteúdos explícitos, do drama ao terror, também entram na questão da falta de avisos. Mas, mesmo com muitas preocupações, as próprias redes e as editoras parecem desinteressadas em mudar o cenário atual. 

Tiago conta que existe uma questão de cuidado com o que é aceito pelo algoritmo. Ele já foi orientado a não falar termos como “mais de 18 anos” ou “mais de 16 anos”, por serem mal vistos pelo algoritmo e pela plataforma, o que afeta a entrega e, consequentemente, o engajamento dos vídeos. Isso faz com que muitos influenciadores, pela necessidade de visualizações, evitem orientar o próprio público e até ocultem a presença de temas considerados polêmicos para não afastar o público do conteúdo. Para evitar a leitura indevida, as editoras poderiam padronizar a presença de classificações indicativas — de preferência nas capas dos livros e em todas as plataformas de venda online. “A responsabilidade é de quem está levando essas informações, é da editora, da influenciadora, de quem cadastra o livro na internet, de quem escreve […] não se deve por essa responsabilidade no público jovem. Acho que eles não têm como saber lidar”, finaliza Tiago.

[Imagem de Capa: Reprodução/ Acervo Pessoal/ Clara Viterbo Nery]

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