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Ensaio | Sofia Coppola: A Cineasta das Garotas Melancólicas

Diretora é parte da realeza de Hollywood mas conquistou seu próprio espaço na indústria cinematográfica por suas perspectivas singulares
Por Clara Hanek (clarahanek@usp.br)

Sofia Carmina Coppola nasceu em 14 de maio de 1971, predestinada ao cinema. Filha de Eleanor e Francis Ford Coppola, ambos cineastas, sua estreia como atriz foi em O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), maior sucesso do pai, quando tinha meses de idade. O nascimento dela, inclusive, fez ele correr do set do filme, com uma câmera preparada na mão para registrar o parto. Essa foi a primeira vez, de muitas, que Sofia foi capturada pelas lentes do pai. Mais tarde, o vídeo do nascimento compôs uma instalação artística da mãe.

Ela amadureceu dentro dos sets, viajou o mundo, participou de filmes super aclamados pela crítica e cresceu em um ambiente no qual a família toda era artista. Não é surpresa nenhuma que Sofia tenha traçado uma carreira na indústria. Claro, existe uma grande discussão sobre o nepotismo, ao considerar que ela já nasceu com uma agenda de contatos influentes e simpatizantes, além de ter aprendido o ofício desde criança com um dos maiores nomes do cinema, seu pai. 

Apesar do berço de ouro hollywoodiano e de ter nascido na sombra de um legado cinematográfico, Sofia ultrapassou o título de nepobaby com suas produções melancólicas e femininas que divergem do comum e, principalmente, dos filmes típicos masculinos do seu patriarca. Sua carreira como atriz foi enterrada após o protagonismo em O Poderoso Chefão 3 (The Godfather Part III, 1990), que lhe rendeu inúmeras críticas negativas, mas trouxe a oportunidade de se estabelecer atrás das câmeras.

Com apenas 15 anos, ela foi estagiária na Chanel, em Paris, e trabalhou diretamente com Karl Lagerfeld [Imagem: Reprodução/Instagram /@tourist.souvenir]

Sua estreia como diretora e roteirista foi com o thriller romântico As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999) mas foi por seu segundo longa, Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), que ela recebeu um Oscar de Melhor Roteiro Original e uma indicação à Melhor Direção (terceira vez que uma mulher foi indicada à categoria). Mais uma vez, foi feito o questionamento pelo público: qual teria sido a chance dela ganhar um Oscar por seu segundo filme se não fosse o seu sobrenome? A Academia historicamente exclui mulheres e receber a estatueta logo na segunda produção foi uma situação quase sem precedentes. 

Sofia é fascinada na mente de mulheres, em especial jovens, e as suas angústias. O ponto de vista feminino define as narrativas das produções de Coppola e o perfil do maior público reflete isso. Ela foca nos sentimentos e na relação entre interior e exterior (eu x mundo), em produções esteticamente lindas. Em entrevista ao The New Yorker, Chloé Zhao, diretora de Nomadland (2020), disse que admirava Sofia pela construção de mundo que não era baseada só em fatos, mas também em emoções.

A estética dos filmes os caracteriza: Sofia começa suas produções ao reunir imagens e tudo que configure inspiração visual. O escritório da casa dela é conhecido nas redes sociais pelas fotos que mostram a “bagunça organizada” que a inspira, com elementos que o aproximam dos próprios cenários da ficção. Os longas de Coppola dependem muito mais das imagens e cenas em si do que de grandes diálogos e discussões. 

Ao The Globe and Mail, a roteirista conta, em tradução livre: “Assistir o Karl trabalhar, dos esboços ao show final, deixou uma grande impressão […] Eu me inspirei pela criatividade dele” [Imagem: Reprodução/Instagram /@filmfilemedia]

Os quartos bagunçados e cigarros são comuns aos filmes de Coppola, os quais podem ser facilmente reconhecidos: tons pastéis e rosados, elementos vintage, longos takes reflexivos e garotas intrigantes. Ela cria um universo próprio, único e detalhado para suas produções: seja o subúrbio estadunidense, um hotel em Tóquio, o palácio de Versalhes, um internato na Virgínia, Graceland ou o Chateau Marmont. Esses ambientes todos têm em comum a sensação de isolamento que conferem aos respectivos personagens, confinados pelos seus arredores.

Sofia captura a transição da infância à vida adulta (de meninas à mulheres) e as dores do crescimento com narrativas profundas, óptica humana quase documental e feminina. Pela melancolia que os filmes carregam, os próprios espectadores associam a estética da cineasta à garotas tristes e virou uma piada na internet se definir como “escrita e dirigida por Sofia Coppola”. A exploração das temáticas e nuances da vida adolescente e seus entornos garantiu a posição da diretora na indústria.

Em As Virgens Suicidas, cinco irmãs criadas por pais muito restritos e religiosos são o objeto de fascínio de um grupo de quatro garotos nos anos 70, em um subúrbio de Michigan. De forma trágica e conforme indica o título do filme, todas cometem suicídio. A mais nova, Cecilia (Hanna R. Hall), foi a primeira. Após sua tentativa inicial, falha, um médico a disse no hospital: “Você nem tem idade o suficiente para saber o quão difícil a vida fica”. Para o que ela responde: “Obviamente, Doutor, você nunca foi uma garota de treze anos”.

A ambientação na casa e, principalmente, no quarto delas é feita com crucifixos, figurinhas e imagens da Virgem Maria, iconografia católica, xícaras, ursinhos, perfumes, batons, espelhos, velas, decorações de zodíaco, posters e flores. As meninas sempre estavam com vestidos de estampas florais ou brancos rendados; em casa usavam frágeis pijamas ou regatas de cores claras e detalhes delicados. Todos os elementos remetem à estética feminina que Sofia busca explorar na sua filmografia. 

A repressão praticada pelos pais das irmãs Lisbon se intensifica ao longo da narrativa, ao ponto que elas são proibidas de frequentar a escola, em uma tentativa da mãe de limitar o contato com o sexo oposto à zero. Depois de semanas trancafiadas em casa, elas orquestram o grand finale: todas cometem suicídio, por diferentes métodos, na mesma noite. 

Em 1994, Sofia lançou sua própria marca de roupas, Milkfed — que só era vendida no Japão —, em parceria com sua amiga, Stephanie Hayman [Imagem: Reprodução/Instagram /@mack_books]

O narrador, um dos garotos do grupo, afirma que, mesmo 25 anos depois, eles continuam fissurados pelas irmãs Lisbon e analisam os souvenirs que guardaram delas (o diário da Cecília, fotos, cartinhas, bilhetes, papéis e etc) para desvendarem o mistério que elas representam. Eles percebem por meio dessas conexões o que é estar na mente de uma menina, ativa e sonhadora. As garotas permanecem um quebra cabeça não resolvido. Assim como os meninos, o espectador não consegue entendê-las por inteiro, o que parece ter sido justamente a intenção de Sofia ao seguir o livro e manter a abordagem pela perspectiva deles.

“Em todos os meus filmes, existe uma característica em comum: sempre tem um mundo e sempre tem uma garota que tenta navegá-lo. Essa é a história que sempre me intriga”

— Sofia para a jornalista Lynn Hirschberg (em tradução livre)

Em Priscilla (2023), sucesso mais recente da diretora, Sofia aborda a história de Elvis por um lado nunca explorado antes no cinema e, como seu padrão, feminino. O longa foi baseado na autobiografia da Priscilla, Elvis e Eu, de 1985. A inspiração para o roteiro surgiu quando a diretora leu a obra e pensou no quanto a autora deveria se sentir sozinha naquela casa, quase uma parte da decoração. Através do figurino e dos penteados, Coppola realça as mudanças calculadas na aparência da garota que era moldada para se tornar a mulher de um astro musical.

No livro, Priscilla escreve que Elvis havia a ensinado tudo: como andar, se vestir, se maquiar e se comportar. “Ao longo dos anos ele se tornou o meu pai, marido e quase Deus”. Apesar da manipulação e comportamento abusivo de Elvis, Priscilla consegue tomar as rédeas e construir sua própria identidade, principalmente após a separação dos dois. A Elvis Presley Enterprises, que detém os direitos autorais das músicas, não apoiou o filme e negou a Sofia o direito de usá-las, o que não a impediu de montar uma trilha sonora digna.

Sofia sempre nutriu essa relação íntima com a moda e a sua afinidade com o mundo fashion transparece nos filmes: os figurinos cuidadosamente selecionados influenciam suas construções detalhistas [Imagem: Reprodução/ Instagram/@a24]

Bill Murray descreve Sofia, em um documentário sobre o backstage de Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006), como “delicada, quieta e doce”, mas também “feita de aço”. O longa acompanha a vida da adolescente austríaca na corte francesa, do início à queda de Versalhes. Desacostumada com tantos costumes e tradições, Maria Antonieta (Kirsten Dunst) se volta aos luxos e excessos da vida real, enquanto o povo passa fome. Sofia tenta mostrar a ingenuidade e juventude que influenciavam as ações da jovem. 

Com dificuldade de consumar seu relacionamento com o Delfim, por falta de interesse dele, a austríaca ocupa seus dias com as suas poucas amigas. Enquanto era criticada pela corte francesa e por sua própria família por não produzir um herdeiro, ocupava seu tempo ao experimentar todo tipo de doces e roupas. Pirâmides de macarons em tons pastéis, fileiras de sapatos de cetim, penteadeiras, banquetes, festas e garrafas de champanhe: Maria Antonieta se esbaldava sobre o sofrimento do povo. 

A diretora não se compromete em momento algum à acuracidade histórica e, pelo contrário, reconstrói a figura controversa da jovem. Sofia representa como a Delfina trouxe uma certa modernidade para a monarquia francesa com um all star azul bebê misturado aos elementos de época, penteados extravagantes e músicas dos anos 70 e 80, que selaram a atmosfera de rebeldia. 

Tudo tem sentido, inclusive, as escolhas de vestimenta. A única que vestia cores fortes e escuras era a prostituta do rei, Madame du Barry. As outras mulheres da corte vestiam cores claras e repudiavam a amante dele. 

A trilha sonora transmite a sensação de que o espectador enxerga através da perspectiva de Sofia como adolescente [Imagem: Reprodução/Instagram /@atelierlaurenjane]

Não diferente dos demais filmes da diretora, O Estranho que Nós Amamos (The Beguiled, 2017), também conta com um universo detalhado e único. Durante a Guerra de Secessão, em um internato com cinco alunas, as meninas e suas duas professoras resgatam um soldado rival aos sulistas. Entre aulas de bordado e costura, cuidados ao quintal, sessões de preces e apresentações de música, surge uma tensão sexual entre as mulheres solitárias e o soldado. 

No thriller, a ambientação é super detalhada e o figurino colabora demais. Os vestidos floridos e pastéis lembram a estética de Virgens Suicidas, só que adaptada a 1864, período da Guerra Civil nos Estados Unidos. A outra referência perceptível é que há um grupo de meninas católicas e situações inesperadas que culminam em morte, nos dois filmes. Sofia transfere a narrativa para a female gaze ao mudar a perspectiva, antes pelo ponto de vista do soldado, na primeira adaptação da novela, para a das mulheres.

Sofia não se desdobra para atender pedidos e expectativas de executivos: ela recusa projetos, mesmo aqueles com orçamentos milionários, se não puder escolher sua própria equipe criativa e ter controle sobre o resultado final [Imagem: Reprodução/Instagram/ @karsisinema] 

Em Encontros e Desencontros, Charlotte (Scarlett Johansson) e Bob Harris (Bill Murray) se encontram pela primeira vez no bar de um hotel de luxo, em Tóquio, porque não conseguem dormir. Harris é ator e viajou para filmar um comercial de uísque e Charlotte está na cidade para acompanhar o marido, que é fotógrafo. Sofia confirmou as crenças do público: estava tentando entender seu relacionamento com o ex-marido, Spike Jonze, enquanto escrevia o roteiro. Acredita-se que o filme é um retelling da dissolução do próprio casamento deles. Em resposta, Jonze lançou Her (Ela, 2013), que também trata da solidão na modernidade e, supostamente, representa a sua perspectiva sobre o fim do relacionamento.

Meio a um mar de pessoas, Charlotte se sente completamente sozinha e é, em maior parte, ignorada e negligenciada por seu parceiro. A mulher encontra refúgio em Harris, que sofre com a crise da meia idade e a solidão nas terras estrangeiras. Os dois, então, decidem se aventurar pelas ruas da cidade e criam uma relação de companheirismo. Foi essa “comédia romântica” que rendeu à Sofia o seu primeiro Oscar. 

Apesar do sucesso na Academia, a diretora recebeu críticas dos espectadores. Os personagens japoneses foram caracterizados de modo xenofóbico e raso. As personagens principais de todos seus filmes são garotas brancas sofridas e não há uma pessoa de cor bem representada. Sofia escreve conforme suas próprias perspectivas e vivências, o que explica isso, mas ao mesmo tempo não é uma desculpa boa o suficiente ao público.

Além disso, no início das filmagens, Johansson tinha apenas 17 anos, o que levanta problemáticas, ao considerar a exposição de seu corpo e certas interações em tela com Murray, que tinha 52 anos na época. 

No fim do filme, Charlotte e Harris se despedem com um abraço. Ele sussurra para ela algo que o espectador não tem direito de saber. Essa cena só confirma mais uma vez a tendência de Sofia em priorizar as imagens ao diálogo. Ninguém precisa saber o que foi dito. O momento provavelmente seria menos poderoso sem esse sussurro misterioso, o qual permite um silêncio mais significativo que qualquer frase. 

Em 2014, durante o desenvolvimento do live-action da Pequena Sereia, que seria produzido por Sofia com a Universal Studios, as disputas e a sensação de que os negócios estavam se sobrepondo à arte a fizeram desistir da adaptação [Imagem: Reprodução/Instagram/@filmsational] 

Oito anos após o divórcio com Jonze, Sofia casou com o atual marido, Thomas Mars, músico francês. Eles se conheceram no set de As Virgens Suicidas, quando ele colaborou com a trilha sonora. Desde então, têm trabalhado juntos em vários projetos e, hoje, são pais de duas meninas, Romy e Cosima Mars.

Em entrevista à Teen Vogue, Romy, de 17 anos, diz, em tradução livre: “Minha mãe sempre me disse que ela sentia, às vezes, que adolescentes eram desrespeitados no cinema e meio que vistos como crianças burras […] Isso sempre foi muito legal para mim. Por ela mostrar a vida de adolescentes, eu senti que minhas histórias também eram importantes.” A jovem lançou algumas músicas recentemente e fez aparições em filmes, inclusive no mais recente de seu avô, Megalopolis (2024). Tudo indica que ela seguirá uma carreira artística, como o padrão na sua família. 

Mesmo no longa cujo personagem principal é homem, Sofia explora detalhes de um jeito muito feminino. Em entrevista ao The Gentlewoman, a roteirista afirma que a inspiração de Somewhere (2010) foi um amigo playboy e sua filha, que entrava na adolescência e trazia dilemas à vida de solteiro dele. Em um momento do filme, ela traz uma crítica por meio de um paralelo entre noite e dia: de noite ele assistia strippers performarem e, na manhã seguinte, assistia sua filha na performance de patinação. No longa, que é considerado uma dramédia (mistura do gênero drama com comédia), nada de grandioso acontece e parece que o espectador espera um grande evento que nunca chega.

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