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Câmeras analógicas: o retorno dos filmes na arte de fotografar

A fotografia analógica está em alta pelo seu teor vintage e cresce no mundo digital
a imagem mostra quatro câmeras analógicas e alguns rolos de filmes sobre um fundo marrom, com aspecto vintage de fotografia analógica '
Por Yasmin Constante (yasminconstante@usp.br)

Como a fotografia analógica funciona?

A fotografia analógica cria imagens através da exposição de luz em contato com um rolo de filme fotossensível de 36 poses, coberto de componentes químicos. Após a captura, as imagens gravadas ficam negativas no filme. Depois desse processo, a imagem será invertida e poderá enfim ser revelada. 

Flávio Kameda trabalha com fotos desde a infância e, durante a pandemia do Covid-19, em meio às inseguranças, resolveu vender parte dos equipamentos de fotografia em seu acervo. Atualmente, é dono da loja Puxando o Filme, que comercializa câmeras analógicas e digitais, junto com sua família.

Em entrevista ao Sala33, Flávio compara o processo da fotografia analógica ao de uma máquina de escrever. Ele revela que, quando errava ao escrever uma carta datilografada, não jogava todo seu trabalho fora, apenas riscava e passava para a próxima palavra. Então, entende  que a produção analógica permite os erros. Em sua percepção, não há a necessidade de ter uma foto perfeita, assim como no digital. 

O que me encanta tanto na parte analógica quanto na máquina de escrever é que existem os processos. Hoje, às vezes, não enxergamos esses processos e nos frustramos”

 Flávio Kameda, técnico da loja Puxando o Filme  

O primeiro registro fotográfico aconteceu em 1826 [Imagem: Reprodução/ Duplo olhar/ Carolina Amorim]

Analógico x Digital 

A fotografia, desde o início,  foi revolucionária: os registros antes feitos à mão, por meio de ilustrações, passaram a ser realizados por uma máquina controlada pelo homem. Desde então, a evolução foi constante e, com a facilidade proporcionada pelas câmeras de smartphones, a fotografia pode estar no cotidiano da maioria das pessoas. Diversas diferenças podem ser observadas entre as fotografias produzidas digital e analogicamente, como, por exemplo, a necessidade de usar filmes e realizar a  revelação. Porém, para Wagner Souza e Silva, fotógrafo e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), a diferença mais marcante nos processos é a possibilidade de publicação nas redes sociais, de maneira fácil e rápida. 

“A fotografia virou uma espécie de lápis para a gente fazer pequenas anotações durante o dia”

Wagner Souza

O professor explica que, em sua visão, é claro o movimento de volta das fotografias analógicas, mas que todo esse processo está ancorado no digital. Mesmo que um fotógrafo opte por trabalhar com câmeras analógicas, em geral, o seu trabalho será divulgado justamente pelos meios digitais.

Assim como as câmeras analógicas resistem ao digital, elas não representam uma ameaça para as novas tecnologias: os estilos caminham juntos e colaboram entre si. Flávio Kameda entende que os smartphones fazem parte do dia a dia e “vieram para ficar”, mas valoriza como a fotografia analógica permite que o fotógrafo experiencie um momento de conexão particular.  

Segundo o técnico, fotografar com câmeras digitais ou analógicas pode ser um momento de conexão porque, ao capturar imagens com smartphones, a pessoa recebe inúmeras outras informações ao mesmo tempo. “Quando você está com uma câmera, ela não está conectada com o mundo, ela está conectada com você”, explica Flávio. 

A fotografia mais cara do mundo é analógica [Imagem: reprodução/ Duplo olhar/ Carolina Amorim]

Depois do click: o processo das fotografias analógicas 

A fotografia analógica possui um processo muito artesanal. Do filme à revelação, as fotos passam por diversas etapas em laboratórios especializados, característicos por suas luzes vermelhas —  responsáveis por evitar a exposição da luz nas chapas fotográficas. Tudo começa com o rolo do filme em negativo, passando para o revelador, interruptor, fixador, lavagem e secagem. 

Wagner aponta que o processo manual foi um dos pontos que o atraiu a fotografia e que essas são as primeiras memórias que ele tem sobre o assunto. “Eu guardo com muito carinho essa lembrança das minhas horas de laboratório, em que a gente ficava na sala escura, só com aquela luz vermelha. Às vezes trabalhando uma tarde toda, um dia inteiro em cima de uma fotografia só”, completa. 

A fotógrafa Carolina Amorim revela que aprecia a dimensão palpável do analógico. “Essa imagem que a gente está criando na fotografia analógica a partir de um clique se materializa, vira realmente um objeto, um negativo.” Explica ainda que, mesmo que o digital seja visto, o processo é outro, com uma manipulação muito mais fácil.

Ela destaca que o fotógrafo se torna mais exigente por ter um número limitado de cliques. O fator da incerteza cria um lugar de precaução com o trabalho, o fotógrafo passa a ter mais consciência da luz e de outros fatores que podem influenciar na captura das imagens.

“O processo da incerteza gera uma um pesquisador de imagens”

Carolina Amorim

Renato Riani, pesquisador de processos históricos fotográficos, explica que  ser um fotógrafo vai muito além de apenas tirar fotografias. Ele valoriza os processos laboratoriais ligados ao analógico e os compara com o mundo do skate: andar de skate também não te torna um skatista, porque isso está muito mais ligado ao estilo de vida do que à uma prática. 

As fotografias são registros visuais que preservam nossas memórias e histórias [Imagem: Reprodução/ Duplo olhar/ Carolina Amorim]

O Retorno das Câmeras Analógicas: nostalgia, vintage e moda cíclica

A moda cíclica trata-se da volta de tendências sazonais, adaptadas aos gostos atuais. Conforme o conceito, a moda tem uma vida útil de 20 anos, surgindo a ideia do vintage, algo antigo que volta a ser tendência pelo charme.

Mesmo com o fácil acesso às câmeras através dos smartphones, a fotografia analógica ainda chama a atenção. Um dos fatores que explica esse fenômeno é o consumo. O desejo de parecer diferente dos demais é atrativo, em um mundo com tantas fotos límpidas e perfeitas, imagens imprecisas se destacam.

Segundo Wagner, o anseio pelo vintage é crucial para o retorno do analógico, mas  essa estética foi apresentada no digital. A primeira logo do Instagram, por exemplo, era uma câmera polaroid e os aplicativos de filtros transformavam imagens límpidas em fotografias com aparência analógica. 

“Tem uma palavra chave que não tem como a gente escapar, que é a questão do consumo, uma necessidade de querer se afirmar com uma certa identidade e fugir do lugar comum”. Explica Wagner, que completa ao dizer que o processo é curioso, uma vez que você sai de um lugar comum para outro. 

Para Renato, a volta do analógico está muito ligada a um lugar de fetichismo e ao hype, ou seja, um produto ou ideia que está em alta. Em sua perspectiva, a fotografia é elitista e os smartphones permitiram que ela se tornasse muito mais democrática. O pesquisador pontua que agora os sujeitos podem se documentar, um processo de dentro para fora.

Há ainda quem acredite que as fotografias analógicas não voltaram à moda,  o que é o caso da Carolina. Já que a fotografia digital passou a ser mais acessível, as pessoas passaram a buscar por algo mais exclusivo: a analógica. Ela explica que, justamente por ser uma prática elitista, o acesso é difícil. Entende, então, que a fotografia analógica só voltaria a ser uma tendência se novos modelos voltados para o público jovem fossem criados, com valores mais acessíveis. 

Histórias contadas através de fotos

Diferentes histórias podem ser contadas através da fotografia  devido a relação entre o tempo e os registros fotográficos. Com as incertezas do futuro, olhar para o passado gera segurança e sentimento de nostalgia. A fotografia permite que as pessoas retornem aos mais diversos momentos, um dia registrados pelas lentes.

Segundo a fotógrafa, este trabalho reúne “reflexões sobre a fotografia enquanto linguagem no campo da arte a partir das experimentações”. [Imagem: Reprodução/ Duplo olhar/ Carolina Amorim]

“Talvez a fotografia seja essa âncora de conforto. Ao olhar uma foto, de alguma maneira, a gente sabe que aquilo se cristalizou. E ganha outros significados à medida que o tempo vai passando, olhando hoje uma fotografia, talvez eu não enxergue as mesmas coisas que enxergava antes”, explica Wagner.

A ligação com suas origens é um dos fatores destacados por Flávio. Ele explica que sua família sempre estava com uma câmera por perto. Por isso, a fotografia o acompanhou durante a vida. Para ele, as pessoas estão tão focadas em olhar para o futuro que esquecem de refletir sobre suas origens. 

“A foto faz a gente se reconectar com o passado, porque acabamos não lembrando de tudo. Então, quando a gente olha uma foto, começamos a ter a percepção do que nós vivemos”

Flávio Kameda

De acordo com Carolina, a fotografia é responsável pela reconstrução de memórias, ao funcionar como uma matriz para outras formas de linguagem. Em seu trabalho, ela busca dar um novo significado para fotografias que foram abandonadas:  é um lugar de criação. 

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