Este filme faz parte do 22º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Existem trilhas sonoras inesquecíveis, que precedem o material visual. Seus temas são tão fortes, que não só as relacionamos diretamente com um filme, como muitas vezes saímos cantarolando-as do cinema. Existem outras que mesmo não tão memoráveis, funcionam por conseguirem transmitir perfeitamente a aura da obra. Outras se encontram numa máquina de moagem que torna instrumentos, composições e harmonias num miolo genérico de sons. Mesmo assim, nesses casos, conseguimos ainda diferenciar um tema de filme de ação com outro de drama. Outras ainda, que parecem não entender o tom de suas histórias: por exemplo, um filme de época, repleto de batidas modernas dificilmente encontrará uma coesão. Existem ainda aquelas que manipulam tanto as emoções que deveríamos sentir assistindo a algo, que ao invés de contribuir, tornam a experiência excessivamente melodramática. Dawson City: Tempo Congelado (Dawson City: Frozen Time, 2016) consegue fugir de todas elas: nunca antes uma trilha convidou seu espectador ao sono!
Começando até promissoramente, o documentário trata de uma coleção de negativos descoberta enterrada, que revela em filme toda a história de Dawson City, desde sua fundação durante a Corrida do Ouro, no início do século XX – que Chaplin se inspiraria para seu Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1926). Localizada numa região fria do país, rapidamente se desenvolveu uma infraestrutura que acomodasse a explosão de mineradores que chegavam todos os dias em busca da pedra. Semelhante, no entanto, a diversas outras explorações ao longo da América, os minérios logo se esgotaram, e a cidade se viu em abandono, abrindo pouco a pouco para que novas atividades fossem implementadas.
Interessante em sua proposta, o diretor Bill Morrison consegue, em seus 120min, levar o espectador ao desespero pela monotonia de sua condução. Após uma introdução dinâmica, com recortes de entrevistas e programas de TV, o filme deslancha para uma apresentação de slides inacabável, em que a maior subversão de linguagem se dá pela edição alternada de fusões e cortes secos. Optando por desenvolver a narrativa sem uma única fala, a ideia de reproduzir filmes mudos já naturalmente penaria para criar interesse, mas as investidas de Morrison conseguem prejudicá-lo ainda mais. Não só as legendas informativas não dão conta do trabalho, como a inclusão de uma trilha new age por cima se mostra a decisão mais imbecil que poderia ter sido tomada. Em reflexo disso, durante a sessão, competia o número de pessoas se retirando da sala com aquelas com a boca aberta recostadas na poltrona. Não à toa, o talvez momento de maior empatia da projeção (e que tirou alguns risos perdidos) tenha sido uma cena em que vemos um homem dormindo numa sessão de cinema.
Fora a riqueza metalinguística, o documentário ainda tenta experimentar, na própria música inclusive. Quando assistimos a negativos bastante judiados pelo tempo e por eventuais incêndios – frente a alta inflamabilidade do nitrato que os compunha –, o diretor se estende pela dança das manchas marcadas na película, enquanto intensifica a potência da trilha – o que até seria interessante, se não durassem duas horas ou, se pior, ele já não se utilizasse disso em toda obra que faz, como Light is Calling (2002).
Se na obra de 2002, o experimentalismo pretendia atuar por si só (e exatamente por isso funcionava), aqui fica a dúvida se Morrison se recobre em esteticismos por de fato querê-los ou por na verdade não saber manipular o campo do narrativo. Passando da mineração ao cinema, aos esportes, ao desenvolvimento da cidade, Dawson City: Tempo Congelado torna-se multifocal, mas ao mesmo tempo sem foco nenhum também. E mesmo que o ponto de coesão de todas essas narrativas sejam os negativos desenterrados, o que nos resta é um réquiem sonífero que talvez nem Morfeu aguentasse.
Trailer:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com