Por Beatriz Hadler (balmeidahadler@usp.br) e Thaís Santana (thais2003sc@usp.br)
O último dia da Bienal do Livro encerrou o cronograma das mais de 2000 horas de atividades com dinâmicas sobre a inclusão de temas cotidianos e diversos na literatura, principalmente a nacional. O evento teve o maior número de visitantes da última década, ultrapassando a marca de 722 mil pessoas. Apesar dos desafios quanto à dimensão do evento, os organizadores prometem edições futuras ainda melhores. Confira mais detalhes sobre o saldo geral dessa experiência na cobertura realizada pela Jornalismo Júnior.
Destaques do dia
Pela manhã, Ana Maria Machado marcou presença no encontro Crianças querem saber, realizado no Espaço Infâncias. A escritora, referência em literatura infantil e agraciada pelo Prêmio Hans Christian Andersen em 2000, compartilhou histórias e vivências com os pequenos. Mais tarde, a autora alemã Susanne Strasser esteve no mesmo local para falar ao público sobre seus sucessos infantis.
De modo a reunir grande quantidade de fãs na Arena Cultural Paper Excellence, a autora Bruna Vieira, a agente literária Alessandra Ruiz, a produtora Mayra Lucas e a atriz Nila comentaram sobre a série de livros De volta aos quinze (Gutemberg, 2013), que inspirou a série da Netflix com o mesmo nome. Durante a conversa, Bruna explicou sobre o contexto e o processo de escrita das suas obras.
Mayra e Nila – que interpreta a personagem Camila no seriado – expuseram os principais obstáculos superados na construção do roteiro e adaptação das personagens para o formato televisivo. A autora atribui o sucesso dos livros e da série à grande identificação do público com o enredo, que trata de temas reais e cotidianos, como a adolescência e a transição para a vida adulta. “É como uma viagem no tempo para diversas gerações”, destaca Bruna. A capa e o título do novo e último livro da trilogia foram divulgados ao final da mesa. De volta para mim tem previsão de lançamento para dezembro deste ano.
Autores internacionais também prestigiaram o último dia de evento. A escritora de livros da lista de bestsellers do The New York Times, Abby Jimenez, conversou com a mediadora e também romancista Frini Georgakopoulos na Arena Cultural sobre como a abordagem de assuntos reais em romances pode torná-los transformadores.
Recebida com carinho pelo público, a autora estadunidense Imogen Binnie participou de mesa mediada pela escritora e antropóloga Hailey Kaas sobre o seu livro Nevada (Topside Press, 2013), considerado um clássico cult da literatura queer internacional. O bate-papo envolveu questões sobre a universalidade existente em histórias particulares e o crescimento de narrativas trans na literatura.
Literatura popular, nacional e diversa
A edição da Bienal que se encerra pautou a diversidade literária. Com a presença de mais de 600 autores nacionais, tanto os livros como os temas abordados trouxeram à tona narrativas que refletem inúmeras realidades.
Enquanto esta foi a primeira vez de muitas crianças na Bienal, visitantes antigos também estiveram no evento e se mostraram satisfeitos com a edição deste ano.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, o escritor Carlos Cantoni, frequentador do evento desde 1986, afirma que a Bienal é uma experiência inesquecível e inspiradora. “Quando você se transforma de leitor para autor, é uma passagem de bastão, como se fosse um vestido novo, uma roupa nova que você coloca. Você começa a ver o público como parceiro”, compartilha o autor do livro Em volta de tudo tem poesia de amor à vida (All Print Editora, 2022). Aos 57 anos, ele comenta que a Bienal se atualiza de acordo com o público da época e oferece espaço para os escritores que querem entrar no mercado editorial.
Um dos escritores que divulgou seu trabalho nesta edição foi o poeta baiano Manoel Hélio Alves. A segunda edição do seu livro Uma Poesia Para Raul (2021) foi um dos lançamentos do evento. Além da escrita, Manoel também participa de vários projetos literários, culturais e sociais e é um dos mediadores do Sarau do Manoélio na Biblioteca do CEU Rosa da China.
Manoel Hélio conta que o livro, composto por poesias, contém partes da sua infância, adolescência e juventude. “Eu comecei o projeto deste livro em 1993 e eu só consegui editá-lo durante a pandemia. Então, para eu não ficar louco, eu comecei a trabalhar nele para poder lançá-lo.” Ele afirma que a maior Bienal da América Latina lhe oferece uma ampla rede de conexões e trocas emocionantes com os leitores.
A Bienal do Livro também é um espaço de divulgação do setor de venda de livros. Esse foi o caso da Rayra, proprietária de um pequeno sebo, que escolheu o último dia da edição para apresentar seu negócio aos leitores. Ela afirma que o evento conecta profissionais independentes da área e apresenta importância cultural.
“Eu acho que esse tipo de evento agrega muito a lembrança do livro físico. Hoje em dia com a internet, o Kindle, o e-book e o PDF, a gente acaba esquecendo do papel. Então, é uma forma de relembrar que o livro físico também é importante.”
– Rayra, dona do Bello Sebo
Já no estande da Amazon, o escritor Pedro Rhuas causou agitação entre os leitores ao falar sobre seus últimos lançamentos. Autor do best-seller Enquanto Eu Não Te Encontro (Seguinte, 2021), romance jovem com representatividade LGBTQIAP+ e nordestina, ele comentou sobre o impacto das contradições políticas do país no trabalho dos escritores nacionais. Durante a palestra, Pedro se posicionou a respeito de pautas como as recentes tentativas do Congresso Nacional de proibir o casamento queer, as queimadas ambientais e os ataques à cultura.
Estandes
Entre outros estandes de destaque, há o da editora Leya, que encerra o evento com edições limitadas de lançamentos e sessões de preço organizadas por cores. O público infantil da Bienal aproveitou a estética de floresta do estande da Culturama, além de livros de atividades e jogos. Um dos melhores pontos para a literatura de não ficção foi o estande do Senac, que programou várias palestras com especialistas.
Mesmo os estandes menos famosos atraíram um público amplo e variado, o que revelou o sucesso e a diversidade do evento. A Geek Point reuniu fãs de quadrinhos e animes a partir da venda de miniaturas, pôsteres e HQs; o espaço L&PM atraiu leitores de clássicos pelas edições de bolso e o grupo editorial Universo dos Livros, aqueles apaixonados pelas franquias da Disney.
“Queridinhos da internet”
Após o boom das redes sociais, como o TikTok e o Instagram, criadores de conteúdo começaram a explorar o nicho literário em suas produções e encontraram um grande público interessado. Nas últimas duas edições, a Bienal buscou fortalecer a relação com influenciadores digitais do ramo, que trazem suas comunidades ao evento.
Luca Guadagnini, escritor, cantor e ator que fala sobre livros, séries e filmes nos seus perfis online, atribui o crescimento do hábito de leitura na juventude às bookredes. “As redes sociais furam todas as bolhas, como a escola e a família, se comunicando diretamente com os jovens – que muitas vezes precisam de alguém para falar com eles. Acredito que ver a Bienal lotada é um reflexo de como nós estamos alcançando esse público e fomentando o desejo pela literatura”, explica.
Na palestra “Tecendo Histórias: O Papel dos Autores e Criadores de Conteúdo na Formação de Leitores”, realizada no espaço Papo de Mercado, ao lado de Deko Lipe, Yasmin Morais e Carlos Eduardo Pereira, a youtuber Isabela Lubrano comentou sobre maneiras diferentes de incentivar a leitura por meio das redes sociais. “Eu não sou a influenciadora com mais visualizações e engajamento, mas com certeza sou a que mais estimula as pessoas a lerem clássicos – e tenho muito orgulho disso”, expõe ao falar sobre seu conteúdo.
A criadora do canal Ler Antes de Morrer defende a presença de influenciadores literários na Bienal do Livro não apenas pela oportunidade de estabelecer uma conexão direta com seus seguidores, mas também para a manutenção do mercado editorial. “Fico feliz em ver as pessoas prestigiando esse evento, porque entendo a importância disso para que a economia das livrarias e editoras continue saudável, principalmente depois da pandemia”, reitera. Além disso, a ocasião proporciona networking entre criadores, editoras e autores e a produção de conteúdos exclusivos, de modo a propagar lançamentos e novidades do mundo da literatura.
A popularização da leitura por meio das redes sociais também levantou reflexões acerca da padronização do gosto literário das novas gerações. Nos estandes, foi comum ver seções dedicadas aos sucessos do Tiktok com os mesmos tipos de livro. Diante do fenômeno, a discussão acerca da responsabilidade dos criadores de conteúdo sobre as indicações em seus perfis chamou a atenção de algumas pessoas.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, a influenciadora literária Marcella Garbatti relata que a maior dificuldade em divulgar diferentes tipos de livros está relacionada às incertezas do trabalho com as redes sociais. “Tentamos indicar leituras de autores independentes, com temas variados, mas são vídeos que engajam muito pouco. Por isso, muitas vezes falamos dos mesmos livros porque é o nosso trabalho, é o que paga as nossas contas”, lamenta.
“Nós fazemos questão de tentar ao máximo diversificar, mas trabalhamos com editoras e algoritmos.”
– Marcella Garbatti
A escritora Dayane Borges acrescenta que a popularização dos mesmos gêneros e autores também envolve a procura do público. “As pessoas costumam ficar retidas à uma bolha, ao mesmo perfil de criadores, que consequentemente indica os mesmos livros”, explica a redatora da perfil @dayescreve. “É importante enxergar novas possibilidades. Nós devemos sempre lembrar aos leitores que existem diversos nichos e influenciadores.”
Bastidores
Antes das portas se abrirem e depois de fecharem, um grande grupo de pessoas contratadas pelo evento ou por cada estande trabalhou intensamente para fazer a 27ª edição da Bienal acontecer. A jornada incluiu sete dias de instalação, dez de realização e mais dois de desmontagem.
Além disso, a organização prévia para um evento de tamanha proporção se desenrolou por meses. O promotor da Faro Editorial, Arthur Faria, conta que a editora se preparou durante os últimos dez meses. Desde a criação do design e disposição do estande até a definição dos preços dos livros, ele comentou que o trabalho em conjunto com os organizadores da Bienal foi fundamental.
Durante dois meses, Arthur esteve envolvido diretamente com a montagem do espaço e a decisão sobre o que seria exposto. “Quando cheguei aqui era tudo mato – até então só haviam as vigas de madeira expostas”, brinca. Ele compartilha que o evento ocorreu conforme o esperado pela editora, mas criticou os preços altos de insumos como alimentação e as filas longas para os ônibus que realizaram o transporte gratuito entre o Distrito Anhembi e a estação de metrô Portuguesa-Tietê.
A visão do evento na perspectiva de quem trabalha por trás dos livros e dinâmicas é diferente da do público. “Você vê mais os detalhes na produção: se está faltando alguma coisa, se existe acessibilidade e como os clientes estão sendo atendidos e localizados, por exemplo”, descreve Eliezer Augusto, colaborador oficial da Bienal. Para ele, estar no evento também envolve memórias afetivas. “A primeira vez que vim na Bienal foi com meu pai e eu era bem novo. De lá para cá, vim muitas outras vezes. Estar nos bastidores, sabendo como tudo funciona, me traz uma emoção ainda maior por poder contribuir com o que acontece aqui.”
Muitos trabalhadores aproveitaram o tempo vago no expediente para aproveitar a Bienal. “Não dá para fazer como os visitantes, mas sempre curtimos o evento. Afinal de contas, trabalhamos mas também consumimos”, aponta Davi, um dos colaboradores. Conhecer outras pessoas, saber mais sobre a programação e estar de olho em possibilidades de leitura e novidades são consideradas vantagens de estar nos bastidores.
“São dez dias difíceis, mas compensa porque é cultura. Isso agrega muito na nossa personalidade e experiência de vida.”
– Davi
Segundo Davi, uma das dificuldades enfrentadas nesta edição da Bienal foi a logística em relação ao crescimento do número de participantes – que deixou aprendizados e expectativas em relação à 2026. “Foi desafiador trabalhar nessas condições, mas ficamos pensando no que vai vir. O que deu certo vamos aproveitar e ampliar. O que deu errado será aperfeiçoado para garantir um atendimento ainda melhor aos visitantes”, expõe o colaborador.
*Imagem de capa: Beatriz Hadler/Acervo Pessoal
O fim da bienal fechou o evento com chave de ouro!