Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
O Rebanho (El Corral, 2017) é o mais recente longa do jovem diretor argentino Sebástian Caulier e o mais obscuro até agora dentro de sua temática “thriller adolescente”. O filme é o segundo de uma trilogia que se iniciou com a obra mais famosa de Caulier, A Inocência da Aranha (La Inocencia de la Araña, 2011).
Os protagonistas são introduzidos como dois extremos do espectro “adolescente deslocado”. Esteban Ayala (Patricio Penna), cujo ponto de vista norteia todo o enredo, autodescreve-se como antissocial, ruim em esportes, míope e poeta. Ele é o autêntico garoto tímido, franzino, alvo fácil de bullying – embora, como o próprio diz, na época não existia tal palavra: era apenas a vida. Já Gastón Pereira (Felipe Ramusio Mora), uma mistura intrigante de protagonista e antagonista, também é deslocado e sem amigos, porém por vontade própria. Sua atitude autoconfiante e descuidada cria uma atmosfera de respeito em torno dele, e é exatamente por isso que ele inicialmente ganha a admiração de Esteban.
A amizade de ambos é alimentada por um ódio cada vez mais declarado de todos ao redor, e essa raiva rapidamente evolui para um perigoso desejo de destruição. Logo, esses dois extremos começam a se confundir, até se tornarem quase o mesmo – e é aí que o resultado desta aliança passa a ser realmente assustador.
O enredo e a progressão de O Rebanho é muito similar ao da comédia estadunidense Atração Mortal (Heathers, 1988), exceto que, de certa maneira, mais atual, no âmbito de abordar temáticas mais facilmente identificáveis com a juventude dos anos 2000.
Também, a decisão por esta época traz uma nostalgia, presente nos uniformes escolares, na ausência de tecnologias como o computador e o celular, e um sentimento de isolamento da pequena esfera social na qual a história se desenvolve. Mas a recente volta de várias tendências dos anos 90 auxilia em tornar o contexto atual e identificável; os figurinos, acessórios, maquiagens, penteados são muito comuns também entre adolescentes brasileiros hoje.
A contemporaneidade também vem da tentativa talvez um pouco tímida de abordar a sexualidade dos dois protagonistas, que compartilham constantes momentos de tensão sexual palpável, embora nunca seja abordada verbalmente.
No entanto, o que realmente vence o espectador é a habilidade do diretor Caulier em explorar aspectos normalmente escondidos da psique adolescente – o que o próprio chama de “lado B” da juventude. Em entrevista, ele atribui sua preocupação com este aspecto à experiências próprias, sendo também um jovem deslocado e constantemente temendo não estar aproveitando totalmente aquela época.
Talvez por isso a revolta de Gastón, ao comparar a sociedade ao seu redor a um rebanho de ovelhas e depois desenhá-las com detalhe apavorante sendo moídas por grandes máquinas, parece tão real, tanto quanto a desconexão de Esteban até mesmo com os membros mais próximos de sua família e sua infinita dificuldade em se comunicar com qualquer um.
O nível de violência e tensão vai aumentando rapidamente a partir da decisão da dupla em romper a organização do “rebanho”, o que começou com lâmpadas cheias de tinta atiradas na fachada da casa de um valentão rapidamente escala para ameaças de morte. Esteban tenta eventualmente escapar da teia de planos de Gastón, mas é aí que percebe estar muito mais envolvido do que inicialmente pensava.
O enredo traça um círculo, iniciando-se como um drama adolescente comum e chegando a um suspense de qualidade e com cenas de explícita violência – e muito sangue envolvido. E então, inesperadamente volta ao início, tudo parecendo exatamente igual ao que era antes de Gastón; no entanto, ao fim do ciclo a vida de três personagens mudou de maneira irreparável.
Confira o trailer de O Rebanho:
por Juliana Santos
jusantosgoncalves@gmail.com