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45ª Mostra Internacional de SP | ‘Quando Uma Fazenda se Incendeia’

Premiado nos Festivais de São Paulo, Berlim, BFI London e CPH:DOX, o documentário é, nas palavras do diretor, ‘uma história sobre minha mãe e irmãos de outras mães’

Há coisas da família que nunca seremos capazes de compreender. O que levou nossos progenitores a fazerem as escolhas que fizeram no passado? O que poderia ter sido diferente? Fazer essas perguntas é um caminho que muitos de nós evitamos. Preferimos acreditar que o passado deve ficar no passado. Que os segredos existem para nos proteger, e não para serem revelados. Mas Jide Tom Akinleminu, roteirista e diretor de Quando Uma Fazenda se Incendeia (When a Farm Goes Aflame, 2021) não é uma dessas pessoas. 

Filho de Greta e Akin, mãe dinamarquesa e pai nigeriano, em seu novo filme o diretor mergulha no segredo que foi escondido durante 30 anos por sua família — a informação de que seu pai Akin possuía uma outra família na Nigéria sem que sua mãe o soubesse. Algo que foi revelado enquanto Jide filmava seu primeiro documentário, Portrait of a Lone Farmer (2013).

Pôster de Quando Uma Fazenda se Incendeia, em que uma pessoa aparece translúcida em um fundo metade alaranjado e preto e metade cor de areia
Pôster de divulgação do filme. [Imagem: Divulgação/IMDb]
Em Quando Uma Fazenda se Incendeia, Akinleminu foca na história de sua mãe Greta. Em sua experiência de se mudar para a Nigéria na década de 1980 para constituir uma família. No seu retorno para a Dinamarca após 16 anos morando no país africano. No casamento mantido à distância com Akin. E, finalmente, na sua busca pelo divórcio após a descoberta do adultério. 

“No novo filme, estou me concentrando mais na personagem de minha mãe e em seu papel na situação de não saber a história toda, aceitando as coisas [sem] saber [e] decidindo não fazer perguntas”, ele disse em entrevista para o RFI.

Bom, é difícil não se solidarizar com Greta. A câmera nos coloca literalmente dentro de sua casa. Acompanhamos seus encontros com suas amigas, sua dificuldade em se abrir e a sua decepção. Em cartas, conhecemos também uma Greta mais jovem, enquanto ela ainda estava encantada com o casamento e amava morar na Nigéria. Depois, quando ela sente medo e decide voltar para a Europa com seus três filhos. 

É bonito ver a sensibilidade e o amor usado pelo diretor ao retratar sua mãe. A forma de entrevista escolhida, sem se preocupar com um grande número de perguntas, e a preocupação em manter no filme os momentos de silêncio trazem naturalidade às conversas, além de dar espaço para que Greta apareça em toda a sua profundidade. 

 

Cena de Quando Uma Fazenda se Incendeia, em que os personagens estão sentados ao redor de uma mesa branca vestindo roupas de frio escuras. A mulher sorri e o homem apoia sua mão na parte inferior do rosto.
Jide aparece várias vezes conversando com Greta. Na cena acima, os dois tomam café da manhã juntos na Dinamarca. [Imagem: Divulgação/Syndicato]
Por outro lado, Greta não é a única personagem de Quando Uma Fazenda se Incendeia. Jide está determinado a reconstruir a história de seu pai, Akin. Por isso, ele viaja ao Canadá e aos Estados Unidos, atrás de seus meio-irmãos. Vai à Nigéria conversar com outros familiares e com o próprio pai. Trajetos que não são lineares e que tornam a narrativa cada vez mais complexa e envolvente. 

Logo no começo, aprendemos que o filme não é somente sobre um problema familiar. Em segundo plano, o documentário trata de questões importantes, como as relações interraciais e os papéis de gênero, sendo capaz de debater esses temas sem cair no clichê. Sobre isso, destaco a coragem da obra em nos fazer refletir sobre um assunto tão caro aos homens: a paternidade. 

 

Cena em que cinco homens sorriem olhando para a televisão, iluminados por uma luz verde escura.
Cena de quando Jide encontra seu meio irmão caçula no Canadá. Chama atenção o belo trabalho de coloração da fotografia em que cada país visitado, ganha uma tonalidade diferente. Por esse primor técnico,  o documentário ganhou o prêmio de melhor cinematografia no Festival de Berlim de 2021. [Imagem: Divulgação/Syndicato]
É complexo pensar que ainda hoje seja tão comum pais abandonarem seus filhos, mesmo quando têm condições de não fazê-lo. Ou ainda, quando não abandonam objetivamente, mantêm uma relação de distanciamento, mentindo e simulando uma vida que não existe. Assim, quando o documentário mostra a busca de Jide por seus irmãos, na ideia de poder compreender a história de seu próprio pai, somos levados a refletir: que padrão de masculinidade é esse que permite ao homem ser tão violento com seus próprios filhos e com as pessoas que eles amam?

É claro que em Quando Uma Fazenda se Incendeia há uma forte influência cultural que não pode ser ignorada. O comportamento de Akin é frequentemente justificado por elementos da  sociedade nigeriana que nem mesmo Jide é capaz de compreender, como a magia ou a própria poligamia. Mas o diretor não fica satisfeito com essa justificativa. E quando achamos que o filme atingiu o ápice da sensibilidade, ele vai ainda mais fundo. Prestando atenção aos detalhes, fica claro que, desde o início, o ponto central do filme é sobre uma questão ainda mais fundamental: o amor é realmente capaz de mudar quem nós somos? Bom, na história dos pais de Jide, a resposta por enquanto foi “não”. 

Nota do Cinéfilo: 5 de 5. Excelente!

 

Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:

 

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