Neste ano de 2017, muitos filmes completam meio século de existência. Só considerando o arquivo de críticas do IMDB, encontram-se os precisos 2.957 “mais populares” longas de 1967. A maioria desses não ultrapassam os limites do tempo, vivendo apenas nas memórias esquecidas de poucos. Entretanto, algumas das produções desse ano conquistaram seu espaço na história de Hollywood. Até mesmo os jovens da atualidade que não sejam amantes de cinema reconhecem, de suas infâncias, a dimensão cultural de Mogli – O Menino Lobo (The Jungle Book), uma animação de 67. A Primeira Noite de um Homem (The Graduate) e No Calor da Noite (In the Heat of the Night) – que ganhou o Oscar de Melhor Filme – são outros clássicos do mesmo ano imortalizados entre cinéfilos de diferentes nacionalidades. Os longas estrelados pelas lendas Dustin Hoffman e Sidney Poitier, respectivamente, geram admiração por apresentarem excepcionalidade técnica e temáticas densas. Mesmo com esses três filmes celebrando seus 50 anos em 2017, o cinquentenário homenageado pela Academia de Ciências e Artes Cinematográficas para entregar o Oscar de Melhor Filme de 2016 foi Bonnie and Clyde. Por que?
O filme
Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967) é uma produção de Warren Beatty e estrelada pelo próprio galã ao lado da então desconhecida Faye Dunaway. Baseado na história verídica de Bonnie Parker e Clyde Barrow, a película é dirigida por Arthur Penn, renomado pelo filme A Caçada Humana (The Chase) no ano anterior. Bonnie and Clyde ainda tem em seu elenco os premiados Gene Hackman e Estelle Parsons, isso se desconsiderando uma participação especial de um ator, digamos, “fantástico”. Um agrado especial para aqueles mesmos jovens mencionados anteriormente. O filme foi lançado no dia 13 de agosto, com um custo estimado de 2,5 milhões de dólares, e um retorno financeiro em bilheteria mundial de 70 milhões. Com dez indicações aos Oscars de 1968, incluindo Melhor Filme, Bonnie and Clyde rendeu um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante a Estelle Parsons e um de Melhor Fotografia a Burnett Guffey.
Em meio à Grande Depressão, o ex-presidiário Clyde Barrow (Warren Beatty) e a garçonete Bonnie Parker (Faye Dunaway) se conhecem, se apaixonam, e passam a roubar bancos para sobreviver. O casal forma uma gangue com as chegadas do pequeno mecânico C W Moss (Michael J Pollard), e do irmão e da cunhada do ex-condenado Buck e Blanche (Gene Hackman e Estelle Parsons). The Barrow Gang, como passam a ser conhecidos, vagam pelo interior sul dos Estados Unidos cometendo crimes e gerando uma onda de violência e perseguições policiais muito distantes do que a gangue vislumbrava inicialmente.
As performances
É importante destacar que todos os cinco atores foram nomeados para o Oscar em suas respectivas categorias. Em sua estreia na sétima arte, Dunaway é quem apresenta a performance mais sólida e sofisticada. Ela comove com a personalidade complexa e bem aprofundada de sua personagem, cujos desejos, inseguranças, carências e valentia são muito bem destrinchados pelo filme. Beatty tem uma performance agradável, mas não no mesmo patamar de Dunaway. Ele se destaca nos momentos em que comporta a inquietude específica do atormentado psicológico sexual de Clyde. Beatty, porém, sucumbe um pouco à mesma expressão facial sorridente a qual ele porta, de maneira natural e costumeira. Uma expressão muito semelhante àquela com a qual ele presenciou La La Land – Cantando Estações (La La Land) ser premiado como melhor filme de 2016.
Um ponto interessante é como esses dois atores, oriundos dos estados da Flórida e da Virgínia, conseguiram personificar bem o perfil “hillbilly”, estereótipo do homem branco de baixa renda das áreas rurais do interior sul norteamericano, convincentemente. Gene Hackman também traz o espírito “hillbilly” em seu personagem, cujo grande carisma se dá não só pela bela performance do ator californiano, mas também pela estruturação consistente do personagem. O comportamento do personagem, seja em um momento de descontração ou sob pressão, assim como sua relação com os outros personagens, é completamente compreensível e de acordo com o que nos é apresentado de sua personalidade. Michael J. Pollard tem a performance mais sutil do elenco principal. Ele se expressa pouco para dar vida ao tímido e esquisito C. W. Moss. Estelle Parsons, premiada pelo seu papel no filme, emana o perfil irritante de Blanche. O clássico tipo da personagem que se ama odiar.
As qualidades da trama
O enredo agrega características dos filmes de gângster das décadas de 1930 à 1950, muito claras nas cenas de tiroteios e perseguições policiais, aprimorando-as e incorporando-as de uma maneira mais cômica, mais digestível ao espectador, e imersa no ambiente country do interior sul dos Estados Unidos. A direção de arte, de Dean Tavoularis, e o figurino, de Theadora Van Runkle (nomeada ao Oscar por seu trabalho na produção) são os principais responsáveis pela efetividade de tal imersão. O espectador realmente se sente no interior sul dos Estados Unidos durante a Grande Depressão. A atmosfera da época, emanada pelos cenários, é bem recriada. Isso desconsiderando-se a participação sepulcral do clássico do gênero Bluegrass “Foggy Mountain Breakdown”, música composta por Earl Scruggs na década de 1940.
Outro fator inovador e pouco discutido é a presença do co-protagonismo feminino forte. Independentemente de suas inseguranças e conflitos internos, os quais incrementam sua personalidade, Bonnie Parker é retratada como uma mulher que adquiri coragem e audácia ao longo da trama. Tal vigor em uma figura feminina, marcada pela presença direta e ativa em cenas abastadas com ação e violência, era raro no cinema hollywoodiano de meados do século XX. Talvez, o exemplo mais icônico e próximo, cronologicamente, de Bonnie, seja o de Ellen Ripley, em Alien: O Oitavo Passageiro (Alien, 1979).
Sobre os protagonistas
Personagens bem estruturados e carismáticos nascem de uma apresentação completa, que deixa evidente, de maneira sutil e natural, seus traços principais, seus perfis iniciais e a primeira camada de suas complexidades, as quais serão destrinchadas com o decorrer do enredo. E, ainda mais, o motivo para os personagens não só se relacionarem entre si, mas para que eles queiram quebrar a situação inicial e dar início à trama.
O título dado à primeira cena de Bonnie and Clyde pelo canal Movieclips diz muito sobre a apresentação em si: “Birdcaged Bonnie”. É assim que somos introduzidos à co-protagonista. Note como as barras de ferro da cama servem como uma gaiola na qual Bonnie se encontra totalmente presa. O incômodo que isso causa a ela é refletido em cada golpe que ela desfere em suas grades. O olhar dela também indica sua desilusão. No plano metafórico mais superficial já é possível associar a cama e o quarto como a representação do conforto e, porém, da prisão da vida monótona e perdurante de Bonnie. Ela nem hesitou ao ter a oportunidade de sair para caminhar e conversar com um desconhecido e criminoso.
O detalhe talvez mais importante é quando Clyde julga, com sinceridade, Bonnie como uma garçonete e o silêncio consome a cena. A “garçonete” é um símbolo tão completo e compreensível quanto a cama e o quarto. Ser “garçonete”, em filmes, é, além da profissão, um estado. O estado de uma mulher jovem e que sonha com um futuro fascinante e, em seu pensar, remoto de sua realidade. No final, ela se choca levemente com o histórico criminal de Clyde, mas isso acaba por alimentar o fascínio dela pelo divergente: “the things that turn up in the streets these days” (as coisas que surgem nas ruas esses dias).
Clyde, em si, não é foco da cena, mas sim Bonnie e seu encontro com o fora da lei. Entretanto, isso não o impede de se exibir com classe. Atente-se para a reação dele ao ser surpreendido por Bonnie. Ele se envergonha um pouco, e disfarça, porque não tem pudor em ter sido flagrado. Ele se comporta como um clássico “pilantra”, e, acima disso, ele se identifica como um. O sorriso grande que ele porta por quase toda a cena é a prova de sua impudência. Com tal personalidade, ele se permite ser irônico com Bonnie, por quem ele se encantou, e convidá-la para “beber uma Coca-Cola”, mesmo depois de tentar roubar o carro da mãe dela.

A influência francesa
Percebeu um movimento distinto da câmera ao acompanhar e dar um close nos olhos de Dunaway enquanto ela se levanta de sua cama? E quão curioso é aquele ângulo dela descendo as escadas de sua casa? Adentrando nas camadas mais profundas do enredo, com o auxílio de relatos de Beatty, Penn e dos roteiristas David Newman e Robert Benton, é possível avaliar a peculiaridade mais intrínseca de Bonnie and Clyde: a influência da Nouvelle Vague.
A Nouvelle Vague foi um movimento vanguardista do cinema francês das décadas de 50 e 60, inspirado pelo Neorrealismo italiano da década de 1940. As dificuldades financeiras nas produções cinematográficas europeias e o choque sociocultural conseguintes da guerra impuseram a necessidade de uma nova forma de se realizar cinema, desencadeando uma visão antagônica aos axiomas do cinema clássico. Na França, o movimento ascendeu a partir de críticos de filmes, principalmente Jean Luc-Godard e François Truffaut, da revista Cahiers du Cinéma. Em seu artigo “Uma certa tendência do cinema francês”, de 1954, Truffaut critica aquilo que ele chama de “filmes de roteiristas”. “Depois que entregam seu roteiro, o filme está pronto. O diretor, aos olhos deles, é o cavalheiro que estabelece os enquadramentos”, complementa.
É uma crítica clara à repressão à criatividade dos diretores na narração do enredo, o qual era submetido ao controle quase que absoluto dos roteiristas. Os roteiristas Jean Aurenche e Pierre Bost são tratados como o símbolo dessa forma ultrapassada de abordar o cinema: “critico-os por menosprezarem o cinema ao subestimá-lo. Comportam-se em relação ao roteiro como se acredita reeducar um delinqüente dando-lhe um emprego”. Os dois limitam o filme a uma dicotomia entre cenas “filmáveis” e “não filmáveis”, cujas últimas tem como problema e solução o próprio roteiro e sua reformulação, desconsiderando-se o papel fundamental da filmagem em si.

A câmera não só mostra (de forma pragmática) o que acontece, ela o narra. Os diretores são criadores, assim como escritores e roteiristas. Eles são “auteurs”, e devem ter preservada a sua autonomia para moldar o filme, em todos seus aspectos técnicos e artísticos (dos enquadramentos à exposição e construção da narrativa). Esse é o cerne, muito resumidamente, do que prega a “Política dos Autores”, termo cunhado por Truffaut um ano após seu artigo mencionado neste texto. O cinema é então delegado a uma adaptação carcerária de seus roteiros muitas vezes pragmáticos. Truffaut, Godard e a Nouvelle Vague buscam, então, a reformulação desse cenário nas produções cinematográficas. E, como um movimento intelectual do século XX, seu “traço dominante”, segundo Truffaut, é “sua inclinação antiburguesa”.
A visão transcendental sobre a sétima arte da Nouvelle Vague repercutiu-se além do território francês. A indústria cinematográfica norte-americana se encontrava em declínio grave. O modelo clássico hollywoodiano de produzir e de distribuir filmes fadou-se à falência principalmente por dois fatores: jurídico e cultural. O primeiro é resumido ao Caso Paramount. Em 1948, o veredito do caso tribunal United States v. Paramount Pictures, Inc. resultou na restrição de medidas competitivas. A principal prática proibida foi a compra de exclusividade da programação de um cinema. Tal prática acarretava, simplesmente, em todas as salas e horários de um determinado cinema só passarem filmes de determinada produtora ou distribuidora. O efeito desmoralizante em Hollywood foi inevitável.
O segundo fator, o cultural, se deu pela renovação do público. A geração Baby Boomer havia se tornado a principal clientela dos cinemas. Entretanto, Hollywood ainda insistia em temáticas e modelos para filmes vistos como ultrapassados para a nova geração. Com exceção de A Noviça Rebelde (The Sound of Music, 1965), o classicismo hollywoodiano afastava a nova geração, aproximando-a de cinemas alternativos. O descrédito das produtoras e distribuidoras norte-americanas, agregada à necessidade de se adaptar a um novo e diferente público consumidor, propiciaram a afloração dos temas e estética da Nouvelle Vague adaptados à realidade norte-americana, sob o nome de New Hollywood. Os dois principais precursores da New Hollywood: A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967) e Bonnie and Clyde.
O roteiro de Bonnie and Clyde foi discutido entre Warren Beatty e Truffaut bem antes do início da produção. Por conta do comprometimento deste com a direção de Fahrenheit 451 (1966), sugeriu Robert Benton e David Newman para o roteiro. Truffaut havia gostado do roteiro e convidado os dois para desenvolvê-lo, visando uma maior liberdade criativa aos moldes da Nouvelle Vague. Newman reconhece a importante influência do francês:
“Houve uma série de lições estruturais em que aprendemos com ele e houve também, em termos do filme em si, uma sequência (de cena) que ele nos ditou. Nós simplesmente pegamos as anotações dele e incorporamos-as diretamente no roteiro”
Godard também foi abordado pela produção, tendo sido considerado para ocupar a direção do longa. O cineasta francês, entretanto, desagradou muito aos produtores ao cogitar alternativas para o set de Bonnie and Clyde, como New Jersey e, até mesmo, Tóquio. A insistência da produção em gravar no próprio estado do Texas, aproveitando a estabilidade do clima, levou a uma célebre resposta de Godard: “Je vous parle de cinéma, vous me parlez de météo. Au revoir.” (Eu falo sobre cinema, vocês falam sobre o clima. Adeus.)

Agradando a muitos, aposentando a um
Bonnie and Clyde não foi aclamado unanimemente pela crítica da época. A infame e pesada análise de Bosley Crowther, do The New York Times, repercutiu por destoar da recepção, em geral, positiva do filme. Crowther atacou a produção de Beatty pela falta de um tratamento adequado ao acontecimento factual: “[O filme] trata as horríveis depredações desse par desprezível e imbecil como se fossem tão cheias de diversão como as cenas de jazz em Thoroughly Modern Millie (uma comédia musical cujo título no Brasil foi traduzido para Positivamente Millie, de 1967)”. A implicância de Crowther com Bonnie and Clyde, a qual se repetiria em pelo menos mais três ocasiões, pode ter resultado em sua “aposentadoria” meses mais tarde, como supôs o também crítico Roger Ebert, do Chicago Sun Times, em dezembro de 1967.
Pauline Kael, do The New Yorker, é responsável pela principal e mais aprofundada crítica sobre o filme. Ela comenta sobre como “As dificuldades do tempo (da Grande Depressão) não são a razão para os crimes, mas apenas a desculpa”. E complementa: “Eles não são vítimas da sociedade, mas apenas ‘caras’ comuns”. Assim, nega-se o maniqueísmo enraizado no cinema da época: eles não são heróis, nem vilões, apenas “caras comuns”. O espectador sente empatia pelos personagens, mas sem o senso de defender ou justificar todas as atitudes deles. Já a crítica do The Hollywood Reporter, creditada à equipe da revista, aponta a importância simbólica do cenário para a trama, valorizada pelas técnicas de filmagem: “Penn consegue enfatizar a relação da história ou lenda com o seu tempo e lugar através da excelente reformulação de cortes amplos e distantes (…) colocando-a [a câmera] na perspectiva da terra”.
As estrelas nesses 50 anos
Antes da cerimônia do Oscar de 2017, muitos telespectadores talvez não conhecessem Beatty e Dunaway. Deviam vê-los como “dois velhinhos que algum dia já fizeram algo”. Warren Beatty e Faye Dunaway vão muito além da “desconhecida” dupla que cometeu a maior gafe da premiação. Como visto, Bonnie and Clyde imortalizou os dois na história do cinema. Cinquenta anos se passaram, e o filme de Arthur Penn não foi o único “algo de bom” que as duas estrelas fizeram.
Prova disso é que no ano seguinte, Faye Dunaway co protagonizou Crown, O Magnífico (The Thomas Crown Affair) ao lado de Steve McQueen, uma das principais estrelas do cinema durante o período de auge do movimento da Contracultura da década de 1960. O longa, que narra o conflito entre um milionário por trás de um grande assalto de banco e a investigadora do caso, foi mediano tanto na recepção crítica quanto na bilheteria.
A década de 70 foi muito frutífera para Dunaway e para Beatty. Em 1970, Dunaway e Dustin Hoffman estrelaram em O Pequeno Grande Homem (Little Big Man). O faroeste, do mesmo diretor de Bonnie and Clyde, Arthur Penn, foi aclamado pelos críticos e pelo público. No ano seguinte, Beatty atuou como protagonista no também faroeste Onde os Homens são Homens (McCabe and Mrs Miller). Mesmo considerado o oitavo melhor faroeste da história pelo renomado American Film Institute, o filme de Beatty não se equiparou em popularidade ao de Dunaway.

Em 1974, é lançado Chinatown, co-protagonizado por Dunaway e Jack Nicholson. A atriz, repete seu feito em Bonnie and Clyde, ao interpretar uma mulher de atitude e personalidade forte. Desta vez, o nome é Evelyn Mulwray. Dirigido por Roman Polanski, conceituado pelo seu trabalho em O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968), o longa neo-noir foi nomeado a 11 Oscars, um recorde. Chinatown tornou-se um dos maiores clássicos de Hollywood. Entretanto, foi em 1976 que a atriz chegou ao seu ápice. Em Network – Rede de Intrigas (Network), Dunaway assumiu o papel da antiética profissional da mídia Diana Christensen. Sua performance foi consagrada com o Oscar de Melhor Atriz.
Nessa mesma década, Beatty produziu e estrelou em Shampoo (1975) e em O Céu pode Esperar (Heaven Can Wait, 1978). O segundo também contou com a direção dele. Ambas as produções geraram prestígio para sua carreira. O Céu pode Esperar rendeu a Beatty 4 indicações aos Oscars: Melhor Ator, Melhor Diretor, Melhor Roteiro (Adaptado) e Melhor Filme. Tal proeza só havia sido realizada antes pela maior lenda do cinema Orson Welles com Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941). Beatty finalmente conquistaria a estatueta, pela primeira e única vez, em 1982 pela direção de Reds (1981).
A película trata sobre a história verídica de John Reed, um jornalista norteamericano socialista que cobriu a Revolução de Outubro de 1917, publicando-a no livro “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Com mais de três horas de duração, há os testemunhos de pessoas que presenciaram os fatos abordados, trazendo um certo teor de documentário ao filme. O restante da década de 1980, para Beatty, seria marcada por filmes de baixa qualidade e expressão, uma experiência não muito distinta à de Dunaway. Em 1987, talvez a única exceção, a atriz contracenou com Mickey Rourke em Barfly – Condenados pelo Vício (Barfly), película baseada na vida do poeta Charles Bukowski. O longa foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, tendo apenas uma boa receptividade dos críticos e do público.
Beatty iniciou a década de 1990 com Dick Tracy (1990). O cineasta norte americano acumulou as mesmas funções que já havia feito em 1978. Baseado nos quadrinhos do protagonista homônimo, Dick Tracy teve uma recepção geral mediana, sendo a estética diferenciada e fiel ao gibi seu principal valor. Nessa mesma década, Bugsy (1991), nomeado a dez Oscars, e Politicamente Incorreto (Bulworth, 1998) seriam até bem recebidos pela crítica, mas sem conferir apelo popular à carreira de Beatty. Dunaway também vivenciou isso com Arizona Dream: Um Sonho Americano (Arizona Dream, 1993). A produção indie surrealista, aprovada pelos críticos em geral, esteve em cartaz oficial nos Estados Unidos em apenas três cinemas, arrecadando menos de 115 mil dólares.
Desde então, a carreira de ambos, inevitavelmente, sucumbiu à inevitável decadência. A filmografia de ambos, desde o novo milênio, apenas figura produções mal-sucedidas ou, de uma maneira mais insensível, fracassadas. É difícil, para não se dizer impossível, se manter no topo da indústria cinematográfica por 50 anos, mas isso não retira o prestígio, um dia alcançado, por Beatty e Dunaway. Eles vão definitivamente muito além dos “dois velhinhos que algum dia já fizeram algo”.
por Caio Mattos
caiomattcardoso@gmail.com