por Amanda Manara e Vinícius Crevilari
apmanara@gmail.com e vinicius.crevilari@gmail.com
Estupro, pedofilia, mutilação genital e sodomização não são situações convencionais em cenas de cinema. Por isso, podem levar à censura dos filmes que as carregam em seus roteiros. Mesmo assim, provocam o espectador a repensar os limites do que é ou não aceito na sociedade, além de aguçar a curiosidade que é despertada pelo fato de serem proibidos. Se tais obras trazem consigo tabus que levam suas veiculações a serem vetadas, não significa que não tenham potencial para se tornarem sucesso de crítica e público. O Cinéfilos indica, portanto, as obras que dividiram opiniões e por isso têm seu lugar entre os mais marcantes da cinematografia.
O último tango em Paris (Le Dernier Tango à Paris, 1972)
Dirigido por Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando, O Último Tango em Paris se tornou mundialmente famoso por suas cenas de violência sexual e pelo caos emocional das personagens. De um lado, Jeannie, uma jovem com a vida apenas começando, em dúvida se deve realmente se casar, interpretada por Maria Schneider. Do outro, Paul, um cinquentão recém-viúvo, em crise porque a esposa se suicidou sem nenhuma explicação, vivido por Marlon Brando. Os dois passam a se encontrar em um apartamento, sem trocarem nenhuma informação, nem ao menos nomes. Apenas conversam, transam e brigam, enquanto procuram um sentido para suas vidas.
Dentre as cenas mais polêmicas está a de penetração anal, conhecida como “a cena da manteiga”, em que Paul sodomiza Jeannie, usando um pedaço de manteiga como lubrificante. Na Grã- Bretanha, essa cena teve que ser diminuída para que o filme pudesse entrar no país. Já em outros países, a censura foi mais pesada. Na Itália, a justiça confiscou todas as cópias do filme, logo após sua estréia em 1975 e Bertolucci ainda foi processado por obscenidade. No Brasil o filme só foi liberado em 1979 e no Chile, passou 30 anos proibido. O filme foi censurado também na Espanha, Portugal, Nova Zelândia, Cingapura e Coréia do Sul.
O Tambor (Die Blechtrommel, 1979)
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro e da Palma de Ouro em Cannes (1979), O Tambor conta a história de Oskar Matzerath, um menino que se desilude com o mundo dos adultos e resolve parar de crescer. Ao se jogar de uma escada, o menino consegue o que queria, desenvolvendo um problema em sua coluna que o impede de crescer (apenas fisicamente, claro). O filme se passa durante a Segunda Guerra. O enredo quase como uma fábula à lá Peter Pan, e o triângulo amoroso entre a mãe de Oskar, o suposto pai, e o primo dela, fazem do filme um dos mais interessantes e bem sucedidos da década de 1970. No entanto, à medida que Oskar envelhece, suas atitudes mudam de acordo com sua idade, mas ele continua sendo interpretado pelo pequeno David Bennent, de 11 anos. Por isso, foi censurado em alguns países, como Canadá, por conter cenas de sexo oral com menores de idade e que insinuam sexo entre crianças, sendo o filme acusado de pornografia infantil.
O Anticristo (Antichrist, 2009)
A produção do polêmico Lars Von Trier, estrelada por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg (prêmio de melhor atriz em Cannes pelo papel) retrata um casal lidando com a perda de um filho, que caiu da janela enquanto eles transavam. A mulher, se culpando pelo acontecido, passa a ter vários problemas, entrando numa espécie de coma emocional, se tornando depressiva e violenta. O marido, psiquiatra, tenta ajudá-la de todas as maneiras, realizando uma terapia informal na qual se mudam para uma floresta que sempre iam com o filho, tornando a situação ainda pior. As cenas de sexo explícito e violência foram as responsáveis pela censura do filme em diversos países. Lars Von Trier quis transformar as dores que o casal sentia em dores físicas, como na cena da mutilação genital da personagem de Charlotte. Anticristo não é um filme de terror, é um filme de terrores pessoais, onde as personagens tentam exorcizar seus próprios demônios, descobrindo até onde um ser humano é capaz de lidar com a dor.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)
A versão de Stanley Kubrick para a obra homônima de Anthony Burgess tornou Laranja Mecânica um dos filmes mais censurados da história do cinema. Alexander DeLarge, interpretado por Malcolm McDowell, é líder de uma quadrilha de arruaceiros que percorrem as ruas de Londres, cometendo roubos, estupros e assassinatos. Durante um assalto, Alex é capturado pela polícia londrina e levado a uma prisão. No local, passa por cobaia em experiências torturantes, desenvolvidas pelo Estado como forma de conter a criminalidade na sociedade. O resultado é a criação de um outro tipo de indivíduo: um “cidadão” que não consegue praticar a violência, mas que se torna incapaz de lidar com a brutalidade que o cerca. As fortes cenas carregadas de crueldade e sexualidade provocaram a censura da película em diversas partes do mundo, mas o curioso foi que na Inglaterra sua veiculação nas salas de cinema fora interrompida pela Warner Brothers à pedido do próprio diretor, já que sua família vinha recebendo constantes ameaças. O filme só foi liberado após a morte de Kubrick, em 1999, e os ingleses só conseguiam ter acesso a Laranja Mecânica através de VHS importadas de outros países ou pela obtenção clandestina do vídeo.
Terra em Transe (idem, 1967)
Glauber Rocha é considerado um dos maiores cineastas brasileiros de todos os tempos. E talvez o mais subversivo entre os precursores do Cinema Novo – corrente cinematográfica criada no Brasil que fora influenciada pelo Neo-realismo italiano e pela Novelle Vague, na França. Não é de estranhar que sua subversividade tenha causado a censura de seus filmes e provocado seu exílio político em 1971. Terra em Transe foi uma das obras responsáveis pela perseguição da ditadura brasileira ao criador da máxima que revolucionou a cinematografia tupiniquim: “uma câmera na mão, uma idéia na cabeça”.
Na obra, o jornalista e poeta visionário Paulo Martins se desvincula do político tradicionalista Porfírio Diaz e passa a apoiar o vereador populista Felipe Vieira, acreditando que este possa mudar a situação de miséria da pequena província de Alecrim. Porém, suas esperanças de mudança social se frustram após perceber que Vieira não difere dos outros estadistas conservadores. O caráter revolucionário da obra, bem como a pesada crítica às correntes políticas da época, fez o filme ser duramente comentado pelos críticos e proibido em todo o país pela censura, que identificou na película “frases, cenas e situações com propaganda subliminar […] mensagens negativas e contrárias aos interesses da segurança nacional”, segundo a análise de um dos censores da época.
Terror sem Limites (A Serbian Film, 2010)
Miloš, um ex-ator de filmes pornográficos, casado e pai de um menino, promete nunca mais voltar a atuar. No entanto, recebe proposta milionária para participar de um projeto megalomaníaco, filmado pelo obscuro diretor Vukmir. A principio, ele nega o convite, mas volta atrás, após perceber que o montante acumulado ao longo de sua carreira vai se esgotando. Depois de assinar o contrato, mesmo sem saber ao certo do que se trata, Miloš é levado ao local de filmagens. Ele só percebe o nível das cenas que serão gravadas após ter de fazer sexo com uma mulher arrasada por hematomas e toda suja de sangue, enquanto é observado por uma garota, sentada em uma cadeira. A partir daí, seguem-se quadros ainda mais aterradores, tanto para o personagem quanto para o espectador. Estupros, sexo oral seguido de assassinato, violação de cadáver, necrofilia e pedofilia são algumas das diversas bizarrices sexuais explicitadas na obra.
A Serbian Film foi proibido em diversos países, sendo inclusive retirado das programações de festivais ao redor do mundo. Na Inglaterra, a censura das cenas mais fortes resultou em 49 cortes. No Brasil, a Caixa Econômica Federal ordenou a retirada do filme (liberado por aqui em 2012) do Festival de Cinema Fantástico do Rio de Janeiro, já que era patrocinadora da mostra. O diretor, Srđan Spasojević, se defende dizendo que sua fita trata de uma “leitura a respeito dos limites da crueldade humana, especialmente na Sérvia, país que presenciou atrocidades nas últimas duas décadas”, além de ser uma metáfora da exploração do trabalhador pelo sistema capitalista.
Ótimo gostei muito obg…….