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99 anos de Mel Brooks, o imortal mestre da comédia no cinema

Com uma longa trajetória, desde roteiros para programas de TV até direção de clássicos da comédia, Mel Brooks não têm planos para se aposentar
Por Ana Carolina Mattos (a.carolinamattosn@usp.br) e Ana Julia Oliveira (anajulia.oliveira@usp.br)

“Para cada dez judeus que se lamentam batendo no peito, Deus designou um para ser louco e divertir os outros. Desde os cinco anos, eu sabia que era esse um.” Dono de um senso de humor único e responsável pelo sucesso de obras como O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, 1974), S.O.S. – Tem Um Louco Solto no Espaço (Spaceballs, 1987) e Banzé no Oeste (Blazing Saddles, 1974), Mel Brooks completa 99 anos neste mês, e incríveis 75 anos de carreira.

Nascido em 28 de junho de 1926, no Brooklyn (Nova York), Melvin Kaminsky, caçula dentre quatro irmãos, sofreu com a perda do pai desde muito cedo, aos dois anos. Por ser uma criança pequena, enfrentou bullying durante a infância, e justamente por isso, aprendeu a usar o senso de humor como um mecanismo de defesa. 

Filho de imigrantes judeus, serviu como cabo no exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, onde trabalhou desarmando minas terrestres para que a infantaria pudesse ultrapassar. Sobre o período, ele respondeu à revista Spiegel: “Aonde quer que fosse, sentia um grande alívio pelo fim da guerra. Eu fiquei abalado pela extensão da destruição.”

Ao adotar uma abreviação do antigo sobrenome de solteira da mãe, Brooks, sua carreira artística teve início, sem previsão de encerramento. Com o privilégio de fazer parte do seleto grupo de artistas a se tornar um EGOT – vencedor de um Emmy, Grammy, Oscar e Tony – Mel Brooks se tornou uma referência, não só na comédia, mas na sua forma de fazer cinema e de lidar com tabus sociais.

Mel Brooks ao lado de sua esposa Anne Bancroft, falecida em 2005, no Prêmio Emmy de 1997 [Imagem: Reprodução/ Flickr]

A vocação para fazer rir

Apesar de ter se consolidado na indústria cinematográfica, Brooks começou a entreter o público pela televisão. Aos 24 anos, foi convidado por Sid Caesar, conhecido por Grease: Nos Tempos da Brilhantina (Grease, 1978) e Deu a Louca no Mundo (It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World, 1963), para participar do roteiro de Your Show of Shows (1950-1954).

Foi a partir daí que seu estilo de comédia começou a se consolidar, em um roteiro em que várias piadas são lançadas uma atrás da outra, sem tempo para o espectador descansar. No início da década de 1960, ficou conhecido por criar, juntamente com Buck Henry, a série de TV Agente 86 (Get Smart, 1965-1970), uma clara sátira aos filmes de espionagem e agentes secretos, como os de James Bond.

Em entrevista ao Cinéfilos, Marcos Kurtinaitis, mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela USP, afirma que Mel Brooks praticamente inventou o que se conhece hoje como humor televisivo. “A marca do trabalho dele acabou sendo essa capacidade de rir dos ícones culturais, dos padrões e gêneros da cultura”, completa Marcos.

Mesmo fazendo sucesso na comédia televisiva, Brooks não parou por aí. Sua estreia no cinema foi como roteirista e diretor do filme Primavera para Hitler (The Producers, 1967), uma obra satírica que lhe rendeu um Oscar de Melhor Roteiro Original, assim como uma série de questionamentos acerca da sua forma de lidar com determinados assuntos.

O humor como transgressor de tabus sociais

Em entrevista ao Cinéfilos, Sérgio Rizzo, Doutor em Audiovisual, ressalta a nova fase do humor norte-americano da qual Mel Brooks faz parte. “O humor que esses comediantes desenvolvem têm menos haver com um humor físico que tem Charles Chaplin e Harold Lloyd como referências. Um humor que sai do corpo desses atores e aqui, já estamos em outro lugar”, explica o professor.

Sérgio não descarta o corpo como objeto de indiferença e destaca Woody Allen, outro importante comediante da mesma geração que Brooks, e como suas características físicas servem para construção de uma persona para a comédia, coisa também utilizada por Mel Brooks. “Mas agora com um humor intelectualizado, cheio de referências eruditas da literatura, filosofia e um humor mais verbal, e até o que nos nossos termos atuais chamamos de politicamente incorreto”, diz o professor.

Conhecida como uma de suas obras mais polêmicas, Primavera para Hitler acompanha Max Bialystock (Zero Mostel) e Leo Bloom (Gene Wilder), um produtor de teatro e um contador, respectivamente, que desenvolvem um plano para lavarem dinheiro: criar um fracasso para a Brodway e ficar com todo dinheiro investido.

Com o objetivo de que a peça dure apenas um dia em exibição, os dois criam o enredo mais ofensivo possível, um verdadeiro culto à figura principal do 3º Reich. O que eles não esperavam é que a peça fosse um verdadeiro sucesso.

Em seu primeiro trabalho como diretor no cinema, Brooks conseguiu causar espanto e até revolta por parte do público. “Os judeus ficaram horrorizados. Eu recebi cartas ressentidas de protesto, dizendo coisas como: ‘Como você consegue fazer piadas sobre Hitler? O homem assassinou 6 milhões de judeus”, revelou em entrevista à Spiegel, em 2006.

Diferente de tudo que já havia sido feito sobre a Segunda Guerra Mundial, como as comédias que tratavam do tema, mas não traziam o peso da imagem de Hitler, e os dramas ambientados nesse período, Primavera para Hitler foi ousado em fazer do líder nazista seu grande objeto de piadas.

Por conta do conteúdo, o filme foi banido na Alemanha, e só pôde ser exibido anos após o lançamento, em 2006 [Imagem: Reprodução/ IMDb]

Para Brooks, a comédia era um caminho eficiente para enfraquecer a imagem do ditador, tornando-o uma piada para a história. Seu objetivo era criar uma obra que não fosse ofensiva para as milhões de pessoas que sofreram com o Holocausto, ao mesmo tempo que também não permitisse uma romantização ou apropriação por parte de grupos neonazistas, como em A Outra História Americana (American History X, 1998), de Tony Kaye.

Apesar das polêmicas, o cineasta revolucionou a maneira como o público lida com assuntos sérios, além de mostrar que a comédia é uma ótima opção para tratar de temas considerados tabus – nem que para isso seja necessário torná-los absurdos. Em suas palavras, “Você precisa derrubá-lo [Hitler] com o ridículo. Se você subir em um palanque e confrontar com retórica, você é tão ruim quanto ele, mas se você conseguir fazer as pessoas rirem dele, então você está em vantagem”.

“É claro que é impossível vingar 6 milhões de judeus assassinados. Porém, por meio da comédia, podemos tentar roubar de Hitler seu poder póstumo e seus mitos”

Mel Brooks em entrevista à Spiegel

Para além da comédia

Além de músico, dramaturgo, ator, diretor e roteirista, Mel Brooks também atuou como produtor. Em 1980, fundou a produtora Brooksfilm Productions, após entrar em contato com o roteiro de O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980), longa baseado na história real de Joseph Merrick, um inglês que nasceu com deformidades no rosto e em meio às dificuldades impostas por suas deformações, se tornou uma atração de circo.

No filme, o cirurgião Frederick Treves (Anthony Hopkins) resgata Merrick (John Hurt) das atividades circenses abusivas e passa a ser tratado de fato, como um ser humano, surpreendendo a todos com sua inteligência, carisma e bondade. O roteiro chamou atenção do cineasta por sua natureza sombria e melancólica, mas ao mesmo tempo, capaz de humanizar o protagonista.

Mel Brooks pediu para que seu nome fosse retirado dos créditos do filme por medo de que o público associasse á produção a uma comédia [Imagem: Reprodução/IMDb]

Em uma entrevista ao The Guardian em 2008, Brooks ressaltou que suas produções carregam a ideia de aceitar o bizarro e diferente, traçando uma relação com a representação de judeus na arte, tema comum em diferentes projetos ao longo de toda sua carreira. “Sei que O Homem Elefante não é judeu mas para mim, toda a história apresenta traços de antisemitismo, Marrick carrega todos as características básicas de um judeu errante.”

O Homem Elefante é um dos filmes mais marcantes da década de 1980, foi aclamado pelo público e crítica, concorreu a oito prêmios no Oscar, além de ser o primeiro longa dirigido por David Lynch, cineasta que desenvolveu uma das cinematografias mais únicas e influentes do cinema contemporâneo. A produtora de Brooks também foi responsável pelo clássico do gênero body horror, A Mosca (The Fly, 1986).

Dirigido por David Cronenberg, A Mosca é um dos mais influentes filmes de terror do século 20. O roteiro foi apresentado ao comediante por meio da indicação do produtor Stuart Cornfeld e Brooks retomou o projeto após a produtora 20th Century Fox se afastar do filme por questões financeiras.

Apesar de diferenças criativas com Cronenberg, o diretor e roteirista, Brooks foi responsável pela frase mais famosa do filme e uma das mais marcantes da história do cinema de horror, “Be afraid. Be very afraid.”, em tradução livre do inglês, “Tenha medo. Tenha muito medo”.

Mel Brooks e David Cronenberg durante as gravações de A Mosca [Imagem: Reprodução/IMDb]

Carreira fora o cinema

Foi com o seu sucesso por Primavera para Hitler que Brooks de fato adentrou o mundo do teatro. O cineasta foi responsável pela adaptação do filme para um musical, em que atuou como compositor da trilha sonora, escritor de boa parte das canções e posteriormente, autor da adaptação literária e produtor da adaptação do musical para os cinemas, Os Produtores (The Producers, 2005). 

Dirigido pela aclamada diretora e  coreógrafa, Susan Stroman, o musical teve sua estreia na Broadway em abril de 2001 e rendeu a Mel Brooks três prêmios Tony Awards, sendo eles Melhor Musical, Melhor Trilha Sonora e Melhor Libreto. Em 2002, ganhou dois Globos de Ouro pelo musical, levando os prêmios de Melhor Álbum de Teatro Musical e Melhor Videoclipe de Longa Duração.

Apesar de muito reconhecido por seus feitos enquanto cineasta, Mel Brooks iniciou sua carreira como baterista em Nova Iorque após seu tempo servindo na Segunda Guerra Mundial. Tempos depois, ingressou na comédia de forma quase acidental, cobrindo a apresentação de um comediante que não conseguiu comparecer. 

A partir daí, Brooks se inseriu cada vez mais na indústria do entretenimento, se tornando roteirista do programa de comédia Seu Show dos Shows (Your show of shows, 1950-1954) e de uma das esquetes de humor mais famosas dos Estados Unidos, O Homem de 2000 anos (The 2000 year man), criado por Carl Reiner e apresentado pela primeira vez em 1960. 

Na produção, Mel Brooks interpreta um homem de 2000 anos que é entrevistado por Carl Reiner, comediante e amigo de longa data de Brooks. Reconhecido por suas improvisações, a esquete era apresentada na tv americana, além da produção de cinco álbuns, reconhecidos e aclamados até os dias atuais. 

Em 1975, as esquetes apresentadas foram transformadas em um filme animado [Imagem: Reprodução/IMDb]

Imortal na história e no cinema 

Ainda que o gênero da comédia tenha vida própria, se adaptando conforme a mentalidade e as necessidades da sua época, Mel Brooks não teve medo de ousar. Para Marcos, apesar de não ser considerada uma comédia politicamente correta, também nunca foi preconceituosa.

Segundo ele, “O segredo para não ter sido ‘cancelado’ ainda é que ele [Brooks] sempre se colocou do lado do oprimido e não do opressor. Ele fornece as armas para as minorias rirem dos opressores”. Brooks acredita que existe um limite para a comédia, e que tudo depende às custas de quem uma piada está sendo feita.

A respeito de sua obra Banzé no Oeste, que critica o racismo na sociedade americana do século 19, ele comenta: “Produzi a paródia de faroeste Blazing Saddles, na qual a palavra “nigger” era usada constantemente. Mas eu nunca teria pensado na ideia de mostrar como um negro foi linchado. Só é engraçado quando ele escapa da forca”.

“Mesmo nas coisas mais horríveis que o homem faz, ele sempre foi atrás de apontar o que há de ridículo naquilo. Ele tem uma capacidade de enxergar o que permanece risível ao longo de todo o nosso progresso”

— Marcos Kurtinaitis

Para o professor Rizzo, a capacidade de diversificar sua produção é um dos motivos de sua consagração no cinema. “A estima que Mel Brooks construiu ao longo do tempo não é só relacionada à sua própria obra, tem relação com diferentes pessoas e as carreiras pelas quais contribuiu.” O professor também acredita que o carinho e a afetividade que muitas figuras de hollywoodianas expressam com relação a Brooks contribuem para sua relevância no cinema até os dias atuais.  

Agora com 99 anos, o cineasta ainda não tem planos para se aposentar. Em um teaser bem humorado, ele promete uma sequência de S.O.S: Tem Um Louco Solto no Espaço, quase 40 anos depois do primeiro. Com estreia prevista para 2027, a paródia do universo de Star Wars será dirigida por Josh Greenbaum e produzida pela MGM Amazon Studios, além de contar com Brooks de volta no elenco, no papel de Yogurt – referência ao Mestre Yoda, da saga original.

Confira o trailer:

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