Por Júlia Pellizon
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“Conheça o árabe”. Essa é a tradução do título do longa Ana Arabia (Ana Arabia, 2013), significado o qual completa a coerência das histórias contadas ao decorrer de 81 minutos em plano sequência. A coexistência harmônica entre grupos de árabes e judeus em uma pequena vila israelense atrai o público mais uma vez para os conflitos no Oriente Médio.
Indicado a prêmios no Festival de Veneza e atração na 37° Mostra Internacional de São Paulo, o diretor Amos Gitai fez questão de expressar a sua satisfação com o resultado do filme, considerando a sua melhor obra, e comenta “o Oriente Médio é a intoxicação de sua própria imagem”. O cineasta e arquiteto esteve no Brasil, acompanhou algumas sessões e presenteou a plateia, contando sobre a experiência com Ana Arabia. Apesar de ser uma ficção, retrata casos que facilmente poderiam ser reais. Gitai tem uma ligação forte de 30 anos com documentários, contudo, acredita que documentários não são hierarquicamente mais importantes do que uma narrativa imaginária. Essencial para ele é “contar a história”.
O enredo se passa nesse microcosmo: “um tipo específico de vila” como afirma o diretor. Uma jovem jornalista, com ares modelo e chamada Yael, visita esse lugar em busca da história de Siam, uma mulher judia que se converteu ao islamismo para poder casar com um árabe. Com o apelido de Ana Arabia, ela é o elo entre vários membros do local, inclusive após a sua morte. Um pouco utópico para a realidade jornalística, Yael consegue, simplesmente e quase sem questionamentos, que suas fontes falem sobre as suas vidas: Yussuf, o viúvo; Miriam, filha do casal; Sara, a nora; e outros moradores.
A necessidade de ter informações antes de assistir a Ana Arabia se mostra fundamental a cada fala das personagens. Não há didática nos diálogos que expliquem as causas e consequências da guerra entre judeus e árabes. Mas o pacifismo e a adaptação histórica para o universo particular daquelas pessoas fascinam por fora da tela. O plano sequência, sem cortes, é a resposta do cineasta ao que ele gostaria de mostrar sobre o assunto: “assim como não quero cortar a vida das mulheres e dos homens, não queria cortar as cenas do filme”, diz Gitai.
E para conseguir o movimento, a dinâmica e fluidez dos atores sem parecer ensaiado, a locação é uma personagem importante do filme. Às vezes confuso, às vezes emocionante, Ana Arabia traz alguns momentos de reflexão. A trilha sonora baseada inteiramente em músicas sem letra, com acordes fortes de violinos, reflete uma experiência intensa e capaz até de tomar o fôlego do público. Não é possível piscar e nem se desconcentrar enquanto os olhos pousam sob a tela, porque cada segundo pode implicar em um detalhe único.
Entretanto, mesmo com tantas qualidades plausíveis, falta uma maior estratégia para cativar. Alguns diálogos não soam tão naturalmente e, de certa forma, decepciona, pois uma obra tão profunda precisa comover pela comunicação que ocorre entre o público e as personagens. Mas a estética e autenticidade não retiram crédito algum de Amos Gitai. A beleza também está na possibilidade de uma convivência humana e pacífica entre dois grupos tão antagônicos que disputam a mesma terra. E nada melhor do que um cineasta independente para colocar a sua visão diferenciada sobre um assunto tão antigo, porém cada vez mais atual.