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Bates Motel: muito mais que incesto e distúrbios mentais

Bates Motel é uma série que estreou em março de 2013 pelo canal Universal. Tem como base o filme Psicose (Psycho, 1960) que, por sua vez, é uma adaptação do romance homônimo escrito por Robert Bloch. O spin off conta a história de Norman Bates e sua mãe, Norma, que saem do Arizona após a …

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Bates Motel é uma série que estreou em março de 2013 pelo canal Universal. Tem como base o filme Psicose (Psycho, 1960) que, por sua vez, é uma adaptação do romance homônimo escrito por Robert Bloch.

O spin off conta a história de Norman Bates e sua mãe, Norma, que saem do Arizona após a morte do pai do menino, e vão para a cidade de White Pine Bay, no estado de Oregon (EUA), em busca de uma vida nova.

A genitora dedicada, estrelada por Vera Farmiga, compra o aclamado hotel à beira da estrada visando uma renda satisfatória. Contudo, o local, que parecia estar parado no tempo é, na verdade, desvirtuado, e acaba reforçando o comportamento obsessivo nutrido entre mãe e filho.

O recomeço da família é atrapalhado por acontecimentos trágicos, os quais fazem com que todos os personagens guardem segredos obscuros. Assim, os indivíduos e suas motivações adquirem um caráter bem misterioso. Enquanto isso, o telespectador fica meio perdido, sem saber exatamente em quem deve confiar.

Norman, que no início foi resistente à mudança, habitua-se, e cria laços com figuras que não estavam previstas na obra original, como Bradley Martin, Emma Decody e seu meio-irmão, Dylan. Todavia, sem abandonar a relação complexa com sua mãe.

Prévia da primeira temporada

O seriado, que já exibiu três temporadas, cada uma constituída por dez episódios, tem uma diferença fundamental da película de Alfred Hitchcock: ele é ambientado em um cenário contemporâneo. Os criadores optaram pela alteração porque assim teriam maior liberdade para explorar os personagens, e o público pode se identificar mais facilmente com eles. Além disso, a transferência aos dias de hoje favorece a acessibilidade,uma vez que não é necessário ter qualquer conhecimento prévio para entender a história.

Desenvolver um programa no contexto dos anos 40 nunca foi uma opção porque não funcionaria, tendo em vista que ficaria muito preso ao original. Porém, somente a ideia de se inspirar em um patrimônio de Hitchcock demonstra coragem e ousadia, adicione a isso modificações radicais, e certamente haveria o risco de incomodar os fãs tradicionais.

Os produtores encaram a responsabilidade através de um processo rigoroso na composição do roteiro (querem que corresponda, de algum modo, ao potencial do clássico). Eles passam pelo menos seis dias formulando a narrativa para o episódio, depois, o registro é cuidadosamente revisado em diversas oportunidades e às vezes, reescrito totalmente. Entretanto, o longa-metragem é apenas uma referência, eles concebem uma personalidade para o projeto, “reimaginando” o universo de Psicose.

Independentemente disso, há um esforço de preservação do componente psicológico, que era tão forte nas criações do mestre do suspense. Ademais, se trabalha com a sugestão, o que leva o espectador a fantasiar a respeito do que ocorreu. Esses aspectos fazem com que o show seja denso, e não uma retratação banal de uma morte seguida da outra, deslumbrante à maneira do legado hitchcockiano.

Divergências

A contemporaneidade é acompanhada de um anacronismo, por conta da utilização de elementos dos anos 50 e 60, que conferem uma “vibe retrô”, como o carro que Norma dirige, a televisão de tubo, o figurino composto por vestidos rodados e calças sociais, e até a pacata cidade, que é comandada por um xerife. Simultaneamente, Norman tem um smartphone, seus amigos bebem cerveja e ouvem Katy Perry, Arctic Monkeys e Ed Sheeran.

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Norma e Norman Bates. Imagem: Divulgação

Carlton Cuse, produtor executivo, e um dos criadores de  Lost, diz que o visual foi bastante calculado. A intenção seria provocar uma sensação atemporal, o que mostra que o enredo não se limita aos anos de sua origem. Foi um jeito criativo de conectar uma obra de mais de 50 anos com uma trama moderna, apesar do impacto inicial ser a estranheza mesmo.

Outro ponto crucial foi a elaboração de um irmão para Norman. Ele foi adicionado com o propósito de fugir de um possível remake da película. Aliás, Dylan traz uma perspectiva de fora, ele é uma terceira pessoa numa família já estabelecida, e acaba representando o telespectador. O interessante é como o personagem interfere: ele se envolve, tenta solucionar problemas e se esforça para tornar o convívio um pouco mais usual, afinal consegue convencer de modo que Norma confie mais nele que no próprio Norman.

Também foi acrescentado humor à história, algo não muito comum nas produções de suspense/terror, mas que funcionou bem porque o seriado não segue apenas essa vertente. A característica diferencia e ainda aproveita a tendência humorística dos atores.

A locação

O vínculo a um passado romantizado ocorre de tal forma que a aparência icônica da casa e do hotel dos Bates foi mantida. A justificativa no enredo para tanta discrepância é que a propriedade estava abandonada até Norma comprá-la (que no filme foi construída por ela, na Califórnia), enquanto o impressão é que, dentro da casa, o relacionamento de Norman e Norma não tem conexão com a realidade, eles não se encaixam, o que intensifica a insanidade.

Esse cenário, onde a maior parte dos quadros são gravados, ameniza o choque de modernidade. Para isso, o set foi reconstruído exatamente igual ao do longa, através da planta original e o estudo, durante semanas, da decoração interna. A reconstituição, realizada na Colúmbia Britânica, no Canadá, teve duração superior a um mês. Entretanto, as cenas de interior, tanto do spin off, quanto do clássico, são filmadas em estúdio.

A edificação que serviu de referência está situada no Universal Studios, na cidade de Los Angeles e pode ser visitada no decorrer de um tour pelas instalações. O conjunto é o original, só foi restaurado e transportado da primeira locação (em outra área do terreno) para onde se encontra atualmente.

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A casa da família em Hollywood (à esquerda) foi recriada fielmente em Aldergrove (à direita). Imagem: Isabella Galante

A escolha de reproduzir um set completo, ao invés de ocupar o que estava pronto, vem da atmosfera que a Colúmbia Britânica proporciona. O clima ajuda, com névoa e chuvas constantes, transmite um ar sombrio e cria suspense, o que auxilia os atores na interpretação, bem mais que em um lote nada isolado, cercado de fãs e que oferece tours diariamente.

Como adaptação ao local, são utilizadas câmeras especiais que realçam os detalhes das cenas em ambientes escuros.

Ademais, o fato de que as gravações no Canadá são mais baratas devido ao incentivo fiscal do governo e a flexibilidade nos impostos seguramente foi atrativo.

Os atores

Os produtores já tinham em mente a participação tanto de Vera Farmiga quanto de Freddie Highmore, que interpreta Norman, de tal maneira que confirmam terem escrito o roteiro inicial considerando os artistas, que se adequam aos papéis por serem charmosos, inteligentes e talentosos o suficiente para manifestar obsessão. Cuse diz que quando eles aceitaram a proposta, todo o medo de lidar com uma obra tão renomada desapareceu. Sem eles, o spin off poderia ter sido um fiasco.

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Vera Farmiga e Freddie Highmore. Imagem: Divulgação

Sobre a relação de Highmore com o trabalho, ele diz que Norman é diferente de tudo que ele encenou previamente e isso foi atraente, ainda que desafiador. O ator se diverte ao representar um assassino. E por estar acostumado com personagens infantis e bondosos, ele confere uma maior humanidade ao seu papel, gerando empatia.

Para se preparar, os roteiristas fizeram muita pesquisa psicológica, estabeleceram o distúrbio do protagonista como sendo um transtorno dissociativo de identidade procedente de um trauma, assim eles agem em conformidade com os sintomas do garoto, de forma direcionada. Farmiga adotou um rumo parecido, seu primeiro passo foi procurar no Google “pais de psicopatas”.

Já Highmore estudou a atuação de Anthony Perkins, o Norman Bates de Hitchcock, assistindo ao clássico antes de cada temporada a fim de se inspirar, inclusive incorporou alguns trejeitos para facilitar no reconhecimento, mas com características próprias. Além disso, discutiu bastante sobre a vida de Ed Gein, o matador em série em que se fundamenta o livro de Robert Bloch. Ao mesmo tempo, o artista entende que ele deve se adaptar às mudanças do rapaz, o que pede que ele reaja de maneiras distintas; sua transição é essencial à trama e a performance tem que refletir isso. O lado perturbado do menino está oculto nas sutilezas, nos seus olhares e movimentos corporais, que vão se desenvolvendo, até o terceiro bloco, quando ele passa a viver mais na ficção em oposição à realidade, se aproximando como nunca do caráter idealizado pelo ilustre cineasta. O telespectador presencia o nascimento do psicopata.

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Noman(s) Bates: Freddie Highmore e Anthony Perkins. Imagem: Divulgação

O maior desafio de lidar com os intérpretes tem sido não matá-los literalmente. O show exige cenas agressivas e de profunda emoção, há uma demanda física e emocional o que, a despeito dos resultados incríveis, requer preparação e cautela. Freddie e Vera encarnam de forma convincente a personalidade complexa das figuras que representam, agregando consistência à narrativa.

A questão central

Bates Motel é uma história sobre amor incondicional, no caso, de uma mãe por seu filho. O relacionamento é explorado através da premissa de que o jovem é excessivamente temperamental e ambos estão cercados por um ambiente com problemas, que os conduz ao extremo. Em razão disso, o vínculo vai sendo afetado de diversas maneiras.

Ao escolherem moldar a trama à imaginação de Hitchcock, mas que também se posiciona um mundo único, os roteiristas criaram um passado novo para a mãe protetora, possessiva e imprevisível, algo que era desconhecido antes do programa. Enquanto Psicose é sobre um assassino, Bates seria um estudo dos fatores que causaram o desequilíbrio daquele. Trata-se da jornada do “vilão”, que começa com a compaixão pelo garoto que é doce, vulnerável, sente culpa, não tem autocontrole; ele ganha a confiança do espectador, até que desperta um outro lado. Porém, nenhum dos perfis assume por completo, convivem a bondade e a maldade, o que provoca uma tensão por conta da impresivibilidade, não há como saber qual será a reação do protagonista.

A questão de trabalharem com uma prequel (tipo uma sequência, só que cronologicamente anterior)permitiu que o público firmasse uma ligação com Norman, a ponto de sentir sua dor, e consequentemente, ter pena dele. Com isso, o personagem pode ser melhor compreendido, não somente rotulado de doido.

O curioso é que, mesmo sabendo o final inevitável do enredo, as pessoas se deixam envolver e chegam a torcer para que o menino fique bem. É intrigante se perceber almejando que os criminosos não sejam pegos em flagrante ou descobertos depois do homicídio.

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A respeito do conteúdo psíquico, paira o questionamento: em que medida a criação influencia na personalidade? A maldade seria uma característica inata do indivíduo ou ele é corrompido pela sociedade?

Norman Bates não é um produto de White Pine Bay porque ele cometeu anteriormente atos violentos, mas é inegável a interferência do ambiente em uma mente instável e atípica. Não é apenas sua mãe que o enlouquece, e sim tudo ao seu redor. Há algo no jovem que determinaria um futuro terrível, e sua progenitora, ao tentar impedir, acaba catalisando o processo.

Norma, em contrapartida, não deve ser culpada inteiramente por suas falhas, tem que ser levado em consideração que ela concebeu um filho com transtornos mentais, e que isso tem um efeito devastador em qualquer pai.

Ambos os personagens não entendem totalmente sua condição e por isso, não reconhecem limites ou certo e errado. No entanto, os observadores percebem essa situação de modos distintos, cada um tem sua interpretação sobre quem é o suposto vilão ou vítima; esse desenrolar sugestivo e a temática densa é no que consiste o brilhantismo da produção.

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Repercussão

Em sua noite de estreia, o programa quebrou recordes de audiência para um seriado dramático, atraindo 3 milhões de pessoas. A faixa etária variou de 18 a 49 anos, o que mostra o interesse de um público diversificado; existe uma abordagem ampla que cativa tanto adolescentes quanto aqueles que assistiram ao clássico no cinema.

A recepção dos críticos também tem sido positiva. O show e os atores foram indicados a várias premiações, inclusive ao Emmy Awards, em 2013.

Apesar das sequências derivadas de Psicose, Bates Motel é a primeira que trata dos acontecimentos antecedentes ao longa. O que vemos seria como uma fan-ficton moderna e por isso, as eventuais inconsistências não têm importância diante do fascínio gerado pela obra.

O sucesso fez com que o A&E renovasse o contrato para duas temporadas extras, que havia sido o mínimo determinado para contar a trajetória de Norman de forma adequada. Há uma profundidade que não seria possível na extensão imposta por um filme.

Cinco blocos faz de Bates a série mais duradoura projetada pela emissora. Contudo, os produtores decidiram que logo ela chegará ao fim, eles têm um desfecho definido e não querem se prolongar demasiadamente.

Um elemento significativo para os admiradores é que em cada conjunto de dez episódios umahistória diferente é relatada, ela serve de fio condutor, e tem uma certa resolução ao final, mesmo assim é difícil conter a curiosidade sobre o andamento da narrativa. Essa foi uma preferência dos roteiristas, que verificaram que encerramentos não conclusivos irritam os fãs, os quais têm que esperar meses para o próximo episódio.

A quarta temporada de Bates Motel começa a ser exibida nos Estados Unidos no dia 7 de março, por aqui ela poderá ser encontrada no canal A&E e na Netflix.

Confira uma prévia da quarta temporada:

Por Isabella Galante

isabellavgalante@gmail.com

 

1 comentário em “Bates Motel: muito mais que incesto e distúrbios mentais”

  1. Pingback: Norman Bates – A complexidade por trás do personagem de Hitchcock – Arquiteta Giovanna

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