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Ensaio | ‘Veronika Decide Morrer’: o reflexo da realidade de milhares de pessoas

O filme que foi inspirado no livro do autor brasileiro Paulo Coelho e aborda um tema bastante problemático e rodeado por preconceitos: o suicídio

Veronika (Sarah Michelle Gellar) é uma jovem de 20 anos de idade que não vê mais sentido em sua vida. Ela culpa a sociedade em que vive e compara as pessoas a meros zumbis de uma realidade onde não há mais sonhos, apenas uma vazia realidade e decide morrer. A personagem, que dá o nome à obra, após ter mais um dia normal de trabalho, volta para seu apartamento e toma 5 frascos de variados remédios, provocando uma overdose que a deixa em coma durante duas semanas. 

O episódio causa uma série de danos à saúde vascular de Veronika, que sofre um rompimento no ventrículo direito de seu coração. Após receber a falsa notícia, inventada pelo Dr. Blake (David Thewlis), de que iria morrer em poucas semanas, Veronika busca outras maneiras de acabar com sua vida antes que seu esgotável tempo de existência chegue ao fim.

A história segue em Villette, um asilo psiquiátrico dirigido pelo Dr. Blake. Neste asilo, Veronika é internada pelos seus pais, que não compreendem sua falta de vontade em viver. O longa aborda um tema bastante problemático e rodeado por preconceitos: o suicídio. 

O filme norte-americano dirigido por Emily Young foi inspirado no livro Veronika Decide Morrer, do autor brasileiro Paulo Coelho, publicado em 1998, e retrata a vida de muitas pessoas que, assim como Veronika, sucumbem ao pensamento de que “não há mais saída”. 

Esse foi o mesmo pensamento de Leonardo Pereira, padrasto de Adria Aialle (25), que se suicidou em 2018, aos 33 anos, e deixou duas crianças e sua esposa. Adria explica que Leonardo era dependente químico e se matou por não conseguir abandonar o uso de substâncias químicas, pois “já não tinha mais forças e estava também com início de depressão”.

Diferente dos motivos do real caso de suicídio de Leonardo, Veronika não tinha dependência química, cresceu em um lar unido, possuía um bom emprego, estabilidade financeira, excelente carreira e oportunidade de crescimento, mas adoeceu à fadada rotina da sociedade contemporânea. 

O psicólogo Rodolfo Sampaio, formado em psicologia pela Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO), e pós-graduando em Saúde Mental e Atenção Psicossocial, explica sobre os motivos que podem levar uma pessoa a tirar a própria vida: 

“O suicídio é um fenômeno multifatorial, ou seja, não existe um único motivo que faz alguém querer tirar a própria vida. Sempre vamos considerar que alguns aspectos que envolvem a vida de uma pessoa (sociais, financeiros,  sobre relacionamentos e outros) é que vão afetá-la a ponto desta pensar em suicídio.”

Ou seja, como Sampaio sintetiza, “parte dos motivos que fazem alguém perder o interesse pela vida são questões relacionadas à maneira que a realidade social nos afeta.”

Os dois casos, o fictício de Veronika e o real de Leonardo, têm uma característica em comum: o sofrimento. Adria conta que Leonardo “sofria porque não aguentava mais viver do jeito que estava e fazer com que a minha mãe e os filhos sofressem.”

Para Rodolfo, há uma saída contra esse estado que pode levar as pessoas ao suicídio: o apoio de familiares e de amigos, e a ajuda de profissionais qualificados.

Em sua vivência no asilo, Veronika descobre, aos poucos, os valores da vida, ao encontrar pequenos motivos para não desistir. Também conta com assistência psicológica,  fundamental para que se recuperasse.

A estratégia do Dr. Blake, de inventar que a paciente iria morrer em poucas semanas, embora não convencional, foi uma forma, encontrada pelo psiquiatra, de fazer Veronika valorizar cada dia como se fosse o seu último – e o doutor conseguiu alcançar o seu objetivo. 

Durante os poucos dias que permanece no asilo, Veronika reascende uma paixão antiga que tinha quando adolescente, o talento em tocar piano, e se apaixona por Edward (Jonathan Tucker), um paciente que reside no asilo há muitos anos após sofrer um acidente de carro e perder sua namorada. Se, por um lado, a realidade social pode afetar negativamente, por outro, o contato social pode ser importante para a sensação de acolhimento.

Veronika passeando em uma canoa e refletindo sobre sua vida. [Imagem: Reprodução/Apple TV]

O apoio da família de Veronika e a busca – mesmo que não por iniciativa própria  – por ajuda, foi fundamental para que Veronika voltasse a querer viver. Rodolfo explica a importância que podem ter pequenos atos.

Coisas como “estar perto, respeitando, validando o sofrimento, oferecendo apoio e, claro, orientando e direcionando para uma avaliação profissional” são formas de ajuda que qualquer pessoa pode assumir como responsabilidade para quem apresenta sinais suicidas. 

“Quando não estamos bem, o que a gente precisa é de suporte e acolhimento. E se dermos isso a todas as pessoas, o sofrimento delas tende a diminuir significativamente”, completa o psicólogo. 

Veronika Decide Morrer é uma produção cinematográfica essencial por repensar em suicídio não como sinônimo de fraqueza, mas como um problema social que todo ano é a causa de morte de mais de 700 mil pessoas no mundo e 14 mil só no Brasil, segundo a OMS

Cada caso é isolado e particular, por isso, nunca é um sinal de fraqueza, mas sim de que “existem pessoas mais frágeis, sensíveis e com fatores na sua vida que podem gerar tanto sofrimento, a ponto de ela não enxergar mais perspectivas na vida.”, ressalta Rodolfo. 

Como declara Adria, se pudesse, “estaria mais perto e tentaria prestar todo o auxílio necessário, até porque eu não imaginaria que ele realmente seria capaz de fazer o que fez, não dei tanta credibilidade aos sinais”. 

Rodolfo enfatiza a importância de “prestar atenção em como as pessoas ao nosso redor estão se comportando e se relacionando. Todos nós precisamos de relações saudáveis, então pessoas que se isolam, tem pouco convívio social, tem grande dificuldade para se relacionar ou para pedir ajuda, são pessoas que podem estar vulneráveis a pensar sobre suicídio”. 

O mês de setembro é dedicado à conscientização e à preservação da vida, e a campanhas contra o suicídio. Aqui no Brasil, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organizam, anualmente, o Setembro Amarelo. Neste ano de 2022, o tema é “A vida é a melhor escolha!” e diversas ações já estão sendo desenvolvidas. Se você está precisando de auxílio, entre em contato com a organização, seja por telefone (21) 2199-7500; por e-mail: setembroamarelo@abp.org.br ou através do Instagram @abpbrasil.

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