Por Leonardo Milano (leormilano@gmail.com) e Paula Mesquita (paulanmesquita@gmail.com)
Kurt Donald Cobain nasceu em Aberdeen, Washington, no dia 20 de fevereiro de 1967. Líder da banda Nirvana, expoente do movimento grunge, e dono de uma das vozes mais marcantes da história do rock, Kurt Cobain seguiu um caminho autêntico, mas autodestrutivo, contribuindo, como ninguém, para consolidar o Rock alternativo como o gênero musical que mais se destacou na década de 1990. Tornou-se, mesmo sem querer, o porta-voz de uma geração.
Juntamente com Krist Novoselic e Dave Grohl, Kurt elevou sua banda ao templo sagrado das maiores bandas de rock’n’roll que já existiram: desde sua estreia, o Nirvana, com Cobain como compositor, vendeu mais de 25 milhões de álbuns nos Estados Unidos, e mais de 50 milhões em todo o mundo. Por sua música e personalidade forte, conquistou uma legião de fãs e, juntamente com outras bandas do cenário underground de Seattle, como Pearl Jam e Soundgarden, constituiu o movimento grunge – “o último grande movimento da história da música pré-internet”, segundo Luciana Rabassallo, da Rolling Stone Brasil.
O sucesso da banda foi tamanho que o Nirvana é considerado a banda “carro-chefe da Geração X”. Esse termo refere-se à geração nascida após o baby boom que ocorreu em seguida ao término da Segunda Guerra Mundial. Embora não haja acordo em relação ao período exato que a expressão abrange, ela geralmente inclui as pessoas nascidas a partir do início dos anos 1960 até o final dos anos 1970, podendo alcançar o início dos anos 1980. Um dos primeiros a utilizar a expressão “Geração x”, Robert Capa, fotógrafo da revista Magnum, descrevendo a sua intenção ao utilizar esse termo, disse: “Nós nomeamos esta geração desconhecida como Geração X e, mesmo em nosso primeiro entusiasmo, percebemos que tínhamos algo muito maior do que os nossos talentos e bolsos poderiam lidar”. O escritor John Ulrich, outro intelectual que utilizou o termo, explica: “Desde então, a Geração X sempre significou um grupo de jovens, aparentemente sem identidade, a enfrentar um incerto, mal definido e, talvez, hostil, futuro”.
Kurt Cobain viu-se ungido pela mídia como porta-voz desta jovem geração, mesmo contra sua vontade, por representar em suas letras esse “mal-estar” característico dos jovens da época. Sentia-se desconfortável com a atenção que recebia e frustrava-se, constantemente, por desacreditar que a mensagem das músicas que compunha estivesse sendo corretamente interpretada pelo público.
Infância e adolescência
O vocalista de cabelos loiros e revoltos sempre afirmou ter sido uma criança feliz, mas em sua carta de suicídio revelou que, desde os sete anos de idade, passou “a ter ódio de todos os humanos em geral”. Quando tinha nove anos, enfrentou o divórcio dos pais e teve de se readequar à vida em família – que, segundo o próprio Kurt, “deixou de ser real”.
Passou a viver com a nova família de seu pai e teve uma adolescência conturbada. Teve problemas com bullying e com a religião cristã, com a qual foi criado e à qual renunciou, assumindo um discurso “anti-Deus” no inicio de sua mocidade.
Ganhou a primeira guitarra de presente em seu 14º aniversário, ao preterir uma bicicleta. Conheceu Krist Novoselic durante o ensino médio na Aberdeen High School, quando voltou a morar com sua mãe. Krist tornou-se seu amigo e, juntos, criaram o Nirvana. Após uma série de testes com inúmeros bateristas, a dupla escolheu Chad Channing como terceiro integrante do grupo. Após gravar o álbum Bleach, Channing deu lugar a Dave Grohl, que se tornou integrante permanente da banda e grande amigo de Kurt. Para definir o nome da banda, Kurt inspirou-se na filosofia budista, da qual era grande apreciador – descreveu o conceito budista do Nirvana como “a liberdade da dor, do sofrimento e do mundo externo”.
Duas semanas antes da formatura, Cobain saiu da Aberdeen High School depois de perceber que não tinha créditos suficientes para se graduar. Sua mãe lhe deu uma ultimato: encontrar um emprego ou sair de casa. Uma semana mais tarde, Kurt encontrou suas roupas e outros pertences embalados em caixas de mudança. Banido de seu próprio lar, ele se manteve, por algum tempo, na casa de amigos e, às vezes, se escondendo no porão de sua mãe. O músico mais tarde afirmou que, durante o período em que viveu como sem-teto, morou debaixo de uma ponte sobre o rio Wishkah, uma experiência que inspirou a faixa Something in the Way do álbum Nevermind.
Carreira, vida pessoal e drogas
No final da década de 1980 o Nirvana estabeleceu-se como parte do movimento grunge de Seattle, lançando seu primeiro álbum, Bleach, pela gravadora independente Sub Pop em 1989. A banda desenvolveu um som baseado em contrastes dinâmicos, muitas vezes entre versos calmos e barulhentos, e refrãos pesados, além das letras compostas por versos angustiados e revoltosos. Depois de assinar com a gravadora DGC Records, o grupo encontrou o sucesso inesperado com Smells Like Teen Spirit, o primeiro single do segundo álbum da banda, Nevermind (1991). O sucesso repentino popularizou amplamente o rock alternativo como um todo. O desagrado de Kurt em relação à repercussão de suas músicas inspirou o terceiro álbum de estúdio do Nirvana, In Utero (1993), que desafiou a audiência do grupo, apresentando um som abrasivo e menos mainstream.
Foi no inicio da década que Cobain envolveu-se com o grande amor de sua vida. Ele e Courtney Love, na época integrante da banda de rock underground Hole, conheceram-se em 12 de janeiro de 1990, na discoteca Satyricon, em Portland. Apaixonaram-se e, em 1992, Love descobriu que estava grávida. Em fevereiro daquele mesmo ano, casaram-se no Havaí; o noivo usou um pijama verde ao alegar que era “muito preguiçoso para vestir um smoking”. A filha do casal, Frances Bean Cobain, nasceu pouco mais tarde, em 18 de agosto.
O sucesso e a atenção exacerbada dos fãs e da mídia, somados à sensibilidade aguda característica de Cobain, levaram-no a desenvolver uma série de problemas, como depressão e dependência química. Em 1994, em turnê europeia, teve uma overdose gerada pela combinação de champanhe e Rohypnol. Segundo Love, essa teria sido a primeira tentativa de suicídio do músico, que, após outros incidentes envolvendo drogas e seus problemas depressivos, submeteu-se a um programa de desintoxicação no Centro de Recuperação Exodus, em Los Angeles, Califórnia, em março do mesmo ano.
Certa noite, Cobain saiu para fumar um cigarro e, em seguida, pulou um muro de seis metros de altura para deixar a instalação – muro este que, mais cedo no mesmo dia, o próprio Kurt havia dito, em tom de brincadeira, ser estúpido tentar pular. Pegou um táxi para o aeroporto de Los Angeles e voou de volta para Seattle. Ao longo dos dias 2 e 3 de abril, Cobain foi visto em diversas localidades ao redor da cidade, mas a maioria de seus amigos e familiares não tinha conhecimento de seu paradeiro.
Morte e legado
No dia 8 de abril de 1994, o corpo de Cobain foi descoberto em sua casa em Lake Washington por um eletricista que havia chegado para instalar um sistema de segurança. Uma espingarda Remington foi encontrada juntamente com uma nota de suicídio dirigida a “Boddah”, o amigo imaginário de infância de Cobain; a carta dizia, em parte: “Obrigado do fundo do meu ardente e nauseado estômago por suas cartas e preocupação nestes últimos anos. Eu sou um bebê errático e triste! Eu não tenho mais a paixão, e por isso lembre-se, é melhor queimar de vez do que se apagar aos poucos”. Uma alta concentração de heroína, além de vestígios de Valium, também foi encontrada em seu corpo. O relatório do legista estimou que Cobain havia falecido em 5 de abril de 1994.
O Nirvana terminou oficialmente após a morte de seu vocalista. Depois da separação da banda, Dave Grohl e Krist Novoselic continuaram musicalmente ativos. Grohl formou o Foo Fighters, banda de qual é líder, vocalista, guitarrista e compositor. Este se tornou seu principal projeto, tendo lançado vários álbuns com a banda (que se mantém ativa até hoje) ao longo dos anos. O álbum In Your Honor (2005) apresenta uma canção chamada Friend of a Friend, composta por Grohl em 1990 sobre os primeiros encontros com Kurt Cobain e Krist Novoselic.
Passados vinte anos de sua morte, o legado deixado por Cobain e pelo Nirvana é amplo: a banda não só popularizou o grunge – gênero que continua a influenciar o rock moderno, principalmente o indie rock, apesar de a maioria de suas bandas ter se separado ou desaparecido no final da década de 1990 – como também estabeleceu a viabilidade comercial e cultural do rock alternativo em geral. Segundo Stephen Thomas Erlewine, editor sênior do Allmusic, a descoberta do Nirvana “não eliminou o underground”, mas “simplesmente lhe deu mais exposição”. O legado musical deixado pelo Nirvana é indiscutível, mas Kurt foi além.
Mesmo após sua morte, a música de Kurt, assim como ele próprio, continuou a inspirar pessoas ao redor do mundo. Cobain é tido como herói e ídolo de muitos jovens por conta de suas letras, que tendem a expressar, na maioria das vezes, frustração, raiva, depressão e medo. Ele é considerado, até hoje, um dos músicos de rock mais famosos da história da música alternativa.
“Além da música, o legado de Kurt estende-se ao ‘estilo’. Pouco banho, corpos magrelos, cabelo desgrenhado, camisa xadrez, All Star, jeans surrado. Essa estética dominou a década de 90 e, até hoje, é reproduzida pelos fãs da banda. Além disso, as letras tristes e melancólicas despertaram atenção para a “depressão” e “dramas” adolescentes. Quando o Kurt suicidou-se, muitos pais passaram a dar uma atenção maior aos filhos. Kurt também foi um dos primeiros caras do rock a verbalizar ser contrario ao machismo e homofobia.”, afirma Luciana Rabassallo.
Kurt foi um meio, uma forma, uma alternativa. Um meio autêntico e barulhento. Uma forma de expressar a angústia, a tristeza e a insatisfação de uma geração. Geração que, através da música, do rock alternativo, do grunge, do Nirvana, de Kurt, teve voz. E que voz!