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46ª Mostra Internacional de SP | ‘Triângulo da Tristeza’

Uma sátira que revela a riqueza como ela é: vômito e fezes

Pessoas ricas se dando mal e brigando por dinheiro. Parece a sinopse de uma nova novela, mas é apenas um “subgênero” em Hollywood com exemplos que são sucessos de público e crítica. Temos o vencedor do Emmy de melhor drama Succession sobre uma família brigando pela sucessão da empresa de comunicação do pai. Temos o vencedor do Emmy de melhor Minissérie The White Lotus que conta a história de ricos brigando num hotel de luxo. E parece que essa tendência conseguiu chegar ao cinema mundial com o vencedor da Palma de Ouro: Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness, 2022).

O novo filme do diretor e roteirista sueco Ruben Östtlund busca fazer uma crítica à hipocrisia da camada mais abastada da nossa sociedade e uma sátira da vida deles. Para isso, ele conta a história do casal de modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). Uma história de “amor”, se é que podemos dizer que um amava o outro, dividida em 3 partes, por isso, triângulo. Uma parte sobre o relacionamento dos dois, uma parte sobre ambos aproveitando a estadia em um iate de luxo e a última parte sobre eles presos em uma ilha após um acidente no iate. Todas partes com bastante sátira e críticas. 

Mas o que torna essas sátiras tão efetivas para tirar uma risada do público? A lembrança que aquelas cenas absurdas remetem a situações absurdas da nossa realidade. Pegue como exemplo toda história de relacionamento entre o casal de modelos. Primeiro, somos apresentados a uma discussão em um restaurante sobre o porquê o Carl tem que pagar a conta, sendo que Yaya ganha mais que ele. Em seguida, percebe-se o quão fútil e vivendo de aparências de redes sociais é o relacionamento dos dois. A graça nas cenas está justamente na semelhança com situações reais e tão grotescas quanto às apresentadas, fazendo o público dar risada ao perceber o quão grotesca e cômica a atitude de pessoas ricas pode ser.

O casal de protagonistas consegue representar diversos estereótipos e críticas em apenas dois personagens, seja do ator que não quer pagar a conta ou do casal de famosos que só se relacionam por Instagram. [Imagem: Divulgação/Neon]

 Mas o sucesso de uma sátira não depende somente de situações hipotéticas que ela apresenta, que são puras referências e piadas em relação à situação reais. Ele também decorre de um roteiro muito bem afiado que consegue apresentar suas críticas através de uma escrita inteligente. E Triângulo da Tristeza faz isso com maestria. Em uma simples cena de dois personagens bêbados discutindo os problemas do capitalismo e do comunismo, é possível perceber a genialidade de Rúben ao fazer críticas aos dois sistemas com diálogos rápidos e simples de seus personagens. Ainda melhor, ele consegue fazer críticas a quem critica os sistemas.

E justamente por se tratar de uma sátira, muito bem feita por sinal, é que o filme não se preocupa com um desenvolvimento maior de seus personagens ou sequer um arco dramático deles, já que eles são apenas estereótipos para representar a crítica de seu diretor. Então, mesmo uma cena mais dramática como eles sobrevivendo em uma ilha sozinhos e sem ajuda, o foco vai ser na sátira que a situação pode gerar e não no drama de seus personagens. E mesmo a falta de desenvolvimento desses personagens pode ser uma crítica ainda maior, afinal de contas, eles são tão fúteis que nem vale a pena saber mais sobre eles.

Graças a um roteiro afiado e cheio de sátiras bastante criativas, Ruben conseguiu conquistar sua segunda Palma de Ouro no Festival de Cannes. [Imagem: Divulgação/Cannes]

E em níveis mais extremos, essa falta de personalidade e dramaticidade dos personagens da trama faz com que o público não se conecte ou sequer se importe com eles. E isso torna o trabalho do roteirista muito mais fácil. Afinal de contas, quando eles começam a se dar mal e o filme começa a tirar sarro de todos seus defeitos, o público entra nessa jornada. Mais do que isso, o público começa a achar muito engraçado todas as situações grotescas que o filme faz eles passarem, justamente porque ele não dá a mínima para esses personagens.

Então, Triângulo da Tristeza serve como uma importante sátira da camada mais rica da sociedade, fazendo várias críticas com situações que lembrem o real, mas que são “meras coincidências“. Mais ainda, o filme consegue nutrir um sentimento de vingança da camada mais pobre contra esses privilegiados, mostrando como eles são tão podres quanto fezes e vômitos, literalmente.

Esse filme faz parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:

*Imagem de Capa: Divulgação/Neon

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